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Dime novel contando uma aventura de Buffalo Bill. |
O western é o mais puro gênero
cinematográfico. Todos os outros tinham tradições anteriores respeitáveis na
literatura ou até mesmo no teatro. Drama, comédia, épico, aventura, romance,
ficção-científica. O faroeste, por outro lado, só tinha as dime novels do fim
do século XIX, puro lixo literário; quando muito, teve o show de Buffalo Bill.
Foi apenas no cinema que o western pôde se realizar completamente,
provavelmente porque nesse gênero o cenário é parte fundamental da trama. Só
ali, naquele momento histórico e naquele ambiente amplo, o faroeste tem sua
razão de ser. E isso só poderia ser mostrado adequadamente no cinema. O western
cumpriu um papel importante na história americana. Ajudou o país a mitificar
sua própria história, emprestando a ela a tradição que sua trajetória ainda
curta lhe negava. Mais de uma pessoa já falou em como os EUA recriaram, na saga
da conquista do oeste, as histórias medievais européias de cavaleiros galantes.
Em vez de escudo, um chapéu; em vez de espada, um Colt Peacemaker.
Stagecoach), 1939 – John Ford
É o início de tudo. Em um tempo em que
o western ‘primitivo’ de Tom Mix e depois Roy Rogers tinha entrado em
decadência, “Stagecoach” marca a estréia, em sua forma definitiva, de
praticamente todos os elementos constitutivos do western como o entendemos. O
primeiro grande filme de John Wayne e de John Ford, o primeiro filmado em
Monument Valley, e todos os recursos dramáticos que mais tarde seriam usados à
exaustão no gênero que chegou a ser o mais popular no mundo inteiro. “Stagecoach”
é o marco inicial do faroeste, e isso não é pouco.
(Red River),
1948
Howard Hawks
O faroeste clássico de Hawks, com John
Wayne e Montgomery Clift, é um retrato de um fenômeno efêmero da história do
oeste: os verdadeiros cowboys originais, tropeiros que levavam gado nos
primórdios das ferrovias. É esse o cenário que emoldura uma disputa entre pai e
filho, com os mesmos valores, perfeitamente conduzida por Hawks.
(High Noon), 1952 – Fred Zinnemann
Embora tenha sido concebido como metáfora
e denúncia do Macarthismo, o que realmente interessa em “High Noon” é a
parábola sobre a coragem e sobre o valor do indivíduo diante da vida. É um
faroeste atípico, mas que acaba reforçando os valores intrínsecos do gênero,
como o heroísmo diante da adversidade. É também cheio de detalhes sobre o
perfil psicológico dos protagonistas, bem ao gosto de Zinnemann.
(Shane), 1953
George Stevens
Tem gente que acha esse o maior western
de todos os tempos, como o Paulo perdigão, que antes de morrer até escreveu um
livro inteiro sobre ele. Tem gente que não. “Shane” é propositalmente
arquetípico e esquemático, narrado através dos olhos de uma criança. É um
faroeste definitivo, que consolida as convenções do gênero de maneira
singularmente bela.
Rastros de Ódio (The Searchers), 1956 – John Ford
Quanto
mais vejo este filme, mais deslumbrado fico com a maestria absoluta de John
Ford. Da sequência inicial, com Dorothy Jordan abrindo a porta – a porta pela
qual John Wayne está condenado a jamais entrar, metaforicamente – à última
cena, em que outra porta se fecha, o que se tem é provavelmente um dos mais
perfeitos westerns feitos em todos os tempos, em que tudo se casa à perfeição:
roteiro, fotografia, atuações. É provavelmente, a melhor atuação de John Wayne em
toda a sua carreira. É uma obra-prima absoluta.
Onde Começa o Inferno (Rio Bravo), 1959 – Howard Hawks
Concebido
como uma resposta direitista a “High Noon”, “Onde Começa o Inferno” é
provavelmente o último grande filme de Howard Hawks. Tão bom que ele o
refilmaria alguns anos mais tarde como “Eldorado” com Robert Mitchum no lugar
de Dean Martin e James Caan no lugar de Ricky Nelson, e com resultados bem
inferiores. Um faroeste clássico, com a divisão entre os bons e maus
extremamente clara, e uma performance inesquecível de Dean Martin.
Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven), 1960 –
John Sturges
Refilmagem
de um filme de Akira Kurosawa, “Sete Homens e um Destino” definiu um padrão que
vários filmes de ação dos anos 60 seguiriam: uma espécie de versão em celulóide
do jogo de tabuleiro “resta um”: depois de uma longa preparação, boa parte dos
protagonistas morrem na ação final do filme. O modelo foi seguido por filmes
como “Os Doze Condenados”, de Robert Aldrich, e “Fugindo do Inferno”, de John
Sturges.
O Homem que Matou o Facínora
(The Man Who Shot Liberty Valance)
1962 – John Ford
É
o filme que marca o fim do ciclo americano do western. Uma visão mais madura de
sua lenda, em retrospecto, e que poderia ser resumida por uma das frases finais
do filme: “Entre o fato e a lenda, imprima-se a lenda” (ou algo parecido). É a
redenção tranquila da formação da mitologia americana, em um filme
absolutamente brilhante e sensível.
Nota do Editor - A frase dita no filme é: "When the legend becomes fact, print the legend". (Quando a lenda se torna um fato, imprima-se a lenda).
Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo),
1966 – Sergio Leone
Depois
do esgotamento total nos anos 50, quando praticamente todas as possibilidades
criativas do western foram exploradas, coube ao italiano Sergio Leone renovar o
gênero com a “Trilogia do Dólar” que este filme encerra. (Os outros filmes são “Por
um Punhado de Dólares” e “O Dólar Furado”). Transportando a ação da
grandiosidade de Monument Valley para a aridez da região de Almería, na
Espanha, o western spaghetti transformou o gênero definitivamente e o levou um
pouco mais além, dando-lhe uma sobrevida que seria impossível nos Estados
Unidos. De versão americana dos contos de cavaleiros andantes na recriação de
sua história, o faroeste passou a ser a visão européia da moral dúbia da vida
na fronteira. Leone acrescentou a tudo isso um certo tom operístico que levou o
western ao seu último estágio.
(C’Era una Volta Il West), 1968
Sergio
Leone
Mas
é em “Era Uma Vez no Oeste” que Leone eleva ao ápice sua visão da conquista do
oeste como pedra fundamental da civilização americana – uma visão amorosa,
reverente, mas ainda assim extremamente crítica. É um dos poucos westerns a ter
como personagem central uma mulher. E a música de Ennio Morricone sedimenta, de
maneira inigualável, esta grande “ópera da morte”, como já definiram esse filme.
(Unforgiven), 1992 – Clint Eastwood
Foi Eastwood quem retirou o
western de sua tumba e conseguiu dar-lhe um último grande filme, sobre velhos
pistoleiros cumprindo uma última missão. O tom amargo e niilista do filme não
se refere a velhos pistoleiros imperdoados em seus finais de vida; mas a todo
um gênero. “Os Imperdoáveis” é um epitáfio adequado a um gênero que nasceu com
o cinema e, de certa forma, se tornou maior do que ele.