Certos westerns como “Um Homem Solitário” (A Man Alone), são raramente lembrados, embora se encaixem na categoria de ‘clássicos do gênero’ e sendo um exemplo desse tipo de subestimação. Primeiro filme dirigido por Ray Milland e curiosamente rodado em 1955, mesmo ano de “O Mensageiro do Diabo” (The Night of the Hunter), único filme dirigido pelo também inglês Charles Laughton, com a diferença que este último é reverenciado como obra-prima. Atuar em faroestes não era uma novidade para Ray Milland que já havia participado de “Califórnia” (California) em 1947, “O Vale da Ambição” (Cooper Canyon) de 1950, e “O Último Baluarte” (Bugles in the Afternoon) de 1952. Tendo feito uma brilhante carreira como ator em Hollywood, aos 50 anos de idade Milland decidiu se aventurar na direção e justamente em um faroeste, produzido pela Republic Pictures. Esse estúdio, mais conhecido pela economia com que produzia séries de B-westerns e seriados para as matinês, estava já há alguns anos produzindo filmes de melhor qualidade. Pelo estúdio de Herbert J. Yates passaram nesse período John Ford, Orson Welles, Nicholas Ray, Lewis Milestone, John Wayne, Joan Crawford, Robert Mitchum, Maureen O’Hara e outros grandes nomes do cinema e foi Yates quem deu a Ray Milland a oportunidade de se tornar diretor. Ou melhor, diretor-ator como neste “Um Homem Solitário” (A Man Alone) seguido por outros filmes que igualmente ele viria a dirigir e estrelar. Como ator Milland atuara com destaque em alguns clássicos do filme-noir e fez de “Um Homem Solitário” um autêntico western-noir.
Vindo do Texas, o pistoleiro Wes Steele (Ray Milland) cavalga pelo deserto do Arizona quando seu cavalo quebra uma perna e é sacrificado por Steele que, após extenuante caminhada se depara com uma diligência que fora assaltada e todos seus ocupantes, inclusive uma menina, foram mortos. Steele solta os cavalos porque sabe que eles conhecem o caminho para a cidade mais próxima e seguindo os animais chega à cidade de Mesa, onde é tomado como o responsável pelo assalto à diligência e por isso alvejado pelo delegado que erra o tiro e acaba morto por Steele que foge pela cidade escura e se esconde no Banco de Mesa. Há uma reunião no banco e de onde está escondido Steele ouve um desentendimento entre os dois donos do banco sobre o assalto à diligência e um dos banqueiros acaba morto com tiros pelas costas. Testemunha também desse assassinato, Steele sai do banco e se esconde na adega de uma residência que é a casa de Gil Corrigan (Ward Bond), o xerife de Mesa, cuja filha Nadine (Mary Murphy) descobre e protege Steele. O xerife Corrigan está acamado por ter contraido febre amarela e cumpre quarentena em seu quarto. Recuperado, Corrigan percebe a presença de Steele na casa e o algema, sendo pressionado pelo moradores de Mesa a enforcar o pretenso assassino. Quem lidera a turba local é Clanton (Lee Van Cleef), capanga de Stanley que é o responsável pelo assalto à diligência e pelo assassinato testemunhado por Steele no Banco de Mesa. Para Stanley veio a calhar a presença de Steele na cidade pois assim nenhuma suspeita dos crimes praticados recaíria sobre ele e sobre os pistoleiros sob suas ordens. Nadine descobre que seu pai recebia dinheiro para proteger Stanley e discute com seu pai. O xerife fica sabendo da trama para incriminar Steele e o ajuda a fugir, o que leva a população a tentar enforcar o xerife que é salvo por Steele que termina por matar os pistoleiros de Stanley, que é preso pelo xerife Corrigan. Ao final Steele decide permanecer em Mesa, ficando com Nadine que por ele se apaixonara.
Ray Milland (Wes Steele) no deserto do Arizona; Ward Bond e Mary Murphy |
Embora inusitado pelos quase dez minutos sem diálogos em seu início, “Um Homem Solitário” conta uma história comum a muitos westerns que é a de alguém injustamente acusado de assassinato e que luta para provar sua inocência. Mas Milland desenvolve com precisão o roteiro criativo e intrincado utilizando técnicas próprias de dramas noir, tanto na iluminação quanto na complexidade dos personagens principais. Tendo filmado em boa parte sequências noturnas, o que poderia ser ruim para um western, Milland dá ao filme a atmosfera de mistério com a corrupção e violência presentes, como se a pequena cidade de Mesa fosse um microcosmo social. Mesmo em seu final aparentemente feliz, Wes Steele diz que permanecerá em Mesa na companhia de Nadine dizendo que “nenhum lugar é melhor ou pior que aquela cidade”, fatalismo típico das personagens do filme noir. O pessimismo é constante como quando o xerife Gil Corrigan diz a Wes Steele que não quer que sua filha se case com alguém sem maior expectativa de vida, frase que poderia ser escrita por Raymond Chandler ou Dashiel Hammett. Após dois dias em Mesa, Wes Steele diz que Mesa “é uma cidade podre, com muitas pessoas podres nela vivendo”. Ray Milland deve ter exigido bastante do cinegrafista Lionel Lindon para obter as imagens sombrias que pretendia, para as quais Lindon demonstrou competência, ele que receberia um Oscar pela fotografia do luminoso “A Volta ao Mundo em 80 Dias” e uma indicação por seu trabalho em “Quero Viver!”, produções respectivamente de 1956 e 1958.
Ward Bond e Mary Murphy; abaixo Raymond Burr e Lee Van Cleef |
Este filme poderia ser chamado de “Um Homem Azarado” porque Wes Steele é daquelas pessoas que atraem a má sorte e por pouco ele não acaba pendurado em uma árvore, vítima das maquinações de Stanley proeminente cidadão de Mesa. Mesmo sendo banqueiro, Stanley usa seus capangas para praticar assaltos que lhe rendam mais dinheiro, aliciando as autoridades locais como o xerife Corrigan e seu delegado (Alan Hale Jr.). E não poderia Wes Steele ter escolhido lugar pior para se esconder que a própria casa de um xerife desonesto, mas então ocorre a primeira reviravolta na história quando a filha de Corrigan se sente atraída pelo forasteiro invasor de sua casa. Mais tarde o próprio xerife decide que deveria se voltar contra o poderoso Stanley, no que ao final é acompanhado por um dos pistoleiros a serviço de Stanley. Além do xerife e de Wes Steele, há também a abordagem psicológica de Nadine Corrigan, jovem cujo pai faz dela uma sonhadora que se guarda para um improvável casamento e que se revolta contra o autoritarismo patriarcal. Mary Murphy com os cabelos tingidos de louro e que em nada lembra o caso de Marlon Brando em “O Selvagem” fica feliz ao final com a permanência de Wes Steele ao seu lado em Mesa. O que não significa exatamente um final feliz uma vez que o xerife Corrigan sabe que terá contas a ajustar com a Justiça por encobrir as práticas criminosas de Stanley. Western sóbrio, tem um único momento de descontração ao ser apresentado o retrato falado de Wes Steele, inteiramente diferente da fisionomia de Ray Milland.
Ward Bond e Ray Milland; no centro Mary Murphy e Milland; Lee Van Cleef e o retrato falado de Wes Steele |
“Um Homem Solitário” possui alguns longos diálogos (exceto por seu início) e há poucas sequências de ação, estas ocorrendo nos momentos adequados num filme de crescente tensão. Os pontos altos deste western são as sequências em que Wes Steele narra sua atribulada trajetória de vida que o fez aderir às armas até chegar a Mesa e, principalmente a tomada de consciência do xerife Corrigan, com Ward Bond em um de seus grandes momentos no cinema, justificando para a filha a razão que o fez trilhar o mau caminho mesmo carregando uma estrela no peito. Ray Milland, por mais que se esforce, parece pouco confortável como cowboy e é impossível não notar que sua camisa permanece impecável mesmo após sua longa cavalgada pelo deserto, depois das tantas perseguições que sofre e da luta brutal contra Raymond Burr. Se não convence como homem do Oeste, Milland transmite a sinceridade e a desesperança com que Wes Steele tenta mostrar sua verdadeira índole. Mary Murphy é uma atriz de limitados recursos dramáticos ao passo que Raymond Burr é sempre impressionante. O quase iniciante Lee Van Cleef e mesmo Burr são menos aproveitados do que poderiam ser. Certamente o escasso reconhecimento obtido por este magnífico western se deva a ter Ray Milland como astro principal vivendo um cowboy, o que é uma injustiça pois “Um Homem Solitário” é um dos melhores faroestes de uma década repleta de grandes filmes do gênero.
Ray Milland como Wes Steele, o homem solitário |