Elia Kazan era já uma celebridade no meio artístico quando trocou o teatro pelo cinema. Fundador do Actors Studio, Kazan causou impacto com “A Streetcar Named Desire”, na Broadway, dirigindo um jovem chamado Marlon Brando. Depois de alguns filmes com profundo cunho social, Kazan se interessou por um projeto sobre o revolucionário mexicano Emiliano Zapata, projeto descartado pela MGM por seu evidente caráter político. Quem também se interessou por esse planejamento foi John Steinbeck, autor de “Vinhas da Ira” que tanto havia incomodado autoridades que viram no livro e no filme de John Ford um viés comunista. Steinbeck começou a trabalhar no roteiro baseando-se no livro “The Unconquerable Zapata”, escrito por Edgcumb Pinchon em 1941, autor cujos textos haviam servido de base para o roteiro de “Viva Villa!”, filme de 1934, também sobre a revolução mexicana. Chegava então o final da década de 40 e tanto Steinbeck quanto Kazan estavam entre os alvos do Macarthismo que caçava cada vez mais impiedosamente os ‘vermelhos’ do ambiente cultural norte-americano, em especial o meio cinematográfico. Ambos, Kazan e Steinbeck mergulharam em tudo que dizia respeito aos acontecimentos políticos ocorridos no México nas duas primeiras décadas daquele século, com Kazan visitando povoados por onde Zapata passara, definindo mesmo onde seriam as locações em solo mexicano. Esbarrou, no entanto, numa determinação do governo daquele país que, ao receber o roteiro para aprovação, proibiu a filmagem em território mexicano, para não se repetir o que fora feito em outras produções de Hollywood nas quais o povo mexicano era mostrado quase ao ponto da idiotia. Quem também olhava o projeto com desconfiança era o chefão da Fox, Darryl F. Zanuck, que não cessava de palpitar sobre o filme, inclusive impondo o elenco que ele considerava ideal: Zanuck queria Tyrone Power, como Zapata e Jack Palance como Eufemio Zapata. Kazan, cujo conceito estava nas alturas bateu o pé e venceu a parada tendo seu indicado e protegido Marlon Brando como protagonista. “Um Bonde Chamado Desejo” ainda não havia sido lançado nos cinemas mas Brando estava a caminho de se firmar como o principal astro de Hollywood. Tanto que tirou o sono de Zanuck ao exigir cem mil dólares para assinar o contrato para atuar no filme. Zannuck cedeu mais uma vez, porém o big boss da Fox venceu Kazan que queria Julie Harris para o principal papel feminino, que acabou nas mãos da novata Jean Peters que ainda não se tornara a senhora Howard Hughes. Quando Marlon Brando deixou de interpretar Stanley Kowalski em “Um Bonde Chamado Desejo” nos palcos, quem o substituiu foi Anthony Quinn, que Kazan escolheu para ser Eufemio Zapata, o irmão de Emiliano.
Marlon Brando era já conhecido por seu perfeccionismo levado aos extremos, o que demonstrara em sua estréia no cinema como o soldado paraplégico em “Espíritos Indômitos” (The Men), 1950. Para viver Emiliano Zapata, Brando não deixou por menos e quis saber tudo sobre o personagem e mesmo sobre o comportamento dos camponeses mexicanos, não abrindo mão de adotar um sotaque o mais próximo possível de como seria o de Zapata. As filmagens tiveram lugar no Texas, próximo à fronteira, que a produção conseguiu transformar num autêntico pedaço rural do México. Kazan instruiu o cinegrafista Joe MacDonald para conseguir imagens parecidas com aquelas que o russo Sergei M. Eisenstein realizara para o lendário “Que Viva México!”, em 1932. Sob a mira do HUAC (Comitê de Atividades Antiamericanas) e com o senador Joseph McCarthy atemorizando toda Hollywood, John Steinbeck e Elia Kazan entenderam que o filme teria que suavizar a tendência política da luta de Zapata sem esquecer de ressaltar o valor da democracia norte-americana. Esse fato comprometeu a exatidão histórica ao apresentar o revolucionário como um homem simples e iletrado que se torna líder graças à sua própria consciência, à capacidade de agitador, de amor pelo seu povo e desapego ao poder, o que não é de todo inverdade, ficando para o ambíguo personagem Fernando Aguirre a caracterização como agente comunista ou anarquista. Mesmo com a atenuação dos aspectos políticos que Steinbeck-Kazan tencionavam dar ao filme, subliminarmente prevalece essa intenção e “Viva Zapata!” resiste como filme de ção que mostra Zapata como homem que tem por filosofia e ideologia fazer o bem para seu povo.
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Acima John Steinbeck e Elia Kazan; abaixo os irmãos Eufemio e Emiliano Zapata e o corpo de Zapata.
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Elia Kazan não havia ainda filmado um western e nem mesmo após “Viva Zapata!” ele voltaria a visitar o gênero. Ainda que não seja o que se pode chamar de faroeste puro, a este filme de Kazan (sem esquecer que 20 anos antes houve “Viva Villa!”), seguiram-se inúmeros westerns que tiveram a revolução mexicana como pano de fundo. Uma pena, porque, mesmo sendo conhecidas todas as dificuldades que cercaram “Viva Zapata!”, Kazan realizou um excelente filme, que somente não foi melhor porque confuso em alguns momentos dando a impressão que sequências foram suprimidas, como quando Zapata se torna ‘presidente’ do México, ou quando da passagem de Fernando Aguirre de amigo e mentor de Emiliano para o lado mexicano, com farda e tudo. O excesso de monólogos com tendência ideológica que tornou o filme muito discursivo poderia ser também evitado. E o final foi por demais apressado com Zapata mesmo sabendo que seria alvo de uma armadilha, comparece ao encontro com um general carranzista, onde seria assassinado. Porém o ritmo do filme se mantém durante suas quase duas horas, com sequências esplêndidamente filmadas, destacando-se o confronto tenso de Zapata com o ditador Porfírio Diaz, repetido mais tarde com Zapata e um camponês de nome Hernandez (Henry Silva); o cerco dos camponeses à condução de Zapata como prisioneiro; Zapata revelando-se analfabeto e implorando para aprender a ler; e finalmente Zapata fuzilado por dezenas de atiradores, dando o último suspiro ajoelhado com a cabeça sob o corpo crivado de balas de fuzil, sequência violenta que concentra toque poético.
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O brutal assassinato de Emiliano Zapata
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Esta biografia filmada por Kazan começa com Zapata se destacando de um grupo de camponeses que é recebido pelo presidente-ditador Porfírio Diaz (Fay Roope) que diante da coragem de Zapata em confrontar suas palavras, circula seu nome que está numa lista para posteriores medidas. Escondendo-se nas montanhas Zapata é encontrado por Fernando Aguirre (Joseph Wiseman), que se faz passar por escritor-jornalista mas que é, de fato, um agitador político sem bandeira definida. Zapata mantém uma relação amorosa com a linda Josefa (Jean Peters), cujo pai, Señor Espejo (Florenz Ames) rejeita Zapata como pretendente da filha por ele ser pobre. Envolvendo seus liderados camponeses em guerrilhas, ao Sul e com Pancho Villa (Alan Reed) fazendo o mesmo ao Norte, o México se vê envolto em disputas políticas e Diaz foge do país, retornando o exilado Francisco Madero (Harold Gordon), que se torna presidente. Madero chama Zapata e seu irmão Eufemio (Anthony Quinn) ao palácio e nomeia Emiliano general, o que faz com que o Señor Espejo o veja como homem de sucesso, permitindo o casamento do agora general com Josefa. Ao contrário de Pancho Villa que aceita benesses de Madero, Zapata renuncia a uma grande propriedade que Madero quer lhe presentear. Madero mostra-se um presidente fraco e logo é derrubado e morto pelo General Huerta (Frank Silvera), que também não resiste a um golpe que leva à presidência do país Venustiano Carranza. Um general preposto do novo presidente temendo novas guerrilhas decide por eliminar Zapata e em conluio com o agora governista Fernando Aguirre, o coronel Jesus Guajardo (Frank DeKova) chama Zapata para um local chamado Hacienda de San Juan, em Chinameca, município de Ayala, sob o pretexto de lhe entregar armas e munição pois estaria esse coronel contra as forças de Carranza. Durante o encontro Zapata é assassinado e Blanco, seu cavalo, escapa pelo portão aberto da hacienda fugindo para as montanhas.
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Brando com o cavalo Blanco de Zapata; Anthony Quinn com Lou Gilbert e com Joseph Wiseman; abaixo Quinn, Brando, Gilbert e Harold Gordon.
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Marlon Brando está excelente como Emiliano Zapata, ainda que sob uma maquiagem por demais carregada para transformá-lo em filho de camponês com indígena. Brando e Anthony Quinn, donos e enormes talentos interpretativos poderiam contracenar em mais sequências, mas os dois não se entenderam bem durante as filmagens. Quinn era mexicano nato e Brando se esforçando para parecer o que Quinn era naturalmente, daí o mal estar. Se existe alguém para representar um tipo intrigante em filmes, esse alguém é Joseph Wiseman, tão excelente quanto Brando e Quinn. Harold Gordon interpreta um irritantemente inseguro Madero, o que faz com que não se entenda ter sido ele um homem tão importante naquela etapa da revolução mexicana. Elia Kazan trouxe para compor o elenco coadjuvante de “Viva Zapata!” Lou Gilbert, Frank Silvera, Mildred Dunnock e Henry Silva, todos alunos do Actors Studio. Lou Gilbert interpreta Pablo que ao final é executado por Zapata cumprindo imperdoável ritual de traição. Jean Peters é o amor de Zapata. No elenco ainda numa ponta Larry Duran, que estaria com Brando em “A Face Oculta” (One-Eyed Jacks).
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Marlon Brando e Jean Peters
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Esqueça-se que Zapata sabia sim ler e escrever, que se vestia como um dandy mexicano quando jovem, que teve 15 filhos com diversas mulheres, que sua trajetória como líder camponês foi, como não poderia deixar de ser, romanticizada ao gosto de Hollywood e ainda todas as demais inverdades históricas. Lembre-se que mesmo atenuando o cunho ideológico de “Viva Zapata!”, Kazan acabou tendo de depor (e denunciar companheiros) no Comitê de Atividades Antiamericanas e que a caça às bruxas mudou em muito a proposta de Kazan-Steinbeck para o filme. Assim assistido, “Viva Zapata!” é um filme brilhante e que rendeu um Oscar de Ator Coadjuvante a Anthony Quinn, além da indicação de Brando para Melhor Ator, prêmio perdido para Gary Cooper por “Matar ou Morrer” (High Noon) e outras três indicações nas categorias de Melhor Roteiro, Direção de Arte e Melhor Música. “Viva Zapata!” é um western-biográfico coroado com a magnífica fotografia de Joseph MacDonald que sequer foi indicado, filme que permanece na lembrança de quem o assiste, assim como permanece até hoje, segundo diversos críticos, como a melhor película a abordar a revolução mexicana.
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Reprodução da foto do encontro de Pancho Villa (Alan Reed), com Zapata; Marlon Brando com Anthony Quinn e com Joseph Wiseman
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Anthony Quinn dançando com Margo |
Bela resenha! Zapata destrinchado!Valeu!!!
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