Em 1953 Glenn Ford viveu um dos maiores pesadelos de sua
vida quando aceitou estrelar uma produção da RKO intitulada “O Americano” (The
Americano), a ser filmada no Brasil. Seria um western diferente e que teria
como cenário áreas rurais do Estado de Mato Grosso. Como a vida conjugal de
Glenn Ford não estava muito bem ele decidiu trazer a esposa Eleanor Powell e o
filho Peter com ele, na cansativa viagem no navio ‘U.S. Del Mar’ dos EUA até o
Rio de Janeiro. Recebidos com entusiasmo pela imprensa e pelos fãs, cinco dias
depois Glenn, esposa e filho rumaram para São Paulo.
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Edição da revista 'O Cruzeiro' de 25 de julho de 1953, com Rhonda Fleming na capa. A revista registra em duas páginas a chegada de Glenn Ford com Eleanor Powell ao Rio de Janeiro. |
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No destaque Eleanor Powell com o filho Peter Ford; nas fotos menores vemos Glenn com a esposa do playboy Jorge Guinle; com José Lewgoy e Mary Gonçalves; e recebendo figas baianas que nada ajudaram o ator, nem na sua passagem pelo Brasil e nem no casamento. A Folha da Manhã registrou a passagem de Arthur Kennedy e de Cesar Romero por São Paulo, sem explicar porque vieram. |
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Mário Sérgio com Tonia Carrero em cena de "É Proibido Beijar". |
Glenn Ford no Guarujá – São bastante contraditórias as
informações a respeito da produção de “O Americano” no Brasil. Há fontes que
indicam que a Vera Cruz daria apoio logístico à RKO, cedendo equipamentos,
técnicos e atores. Por outro lado, documentos da Multifilmes indicam que seria
essa companhia sediada em Mairiporã quem coproduziria “O Americano” juntamente
com a RKO. Esses registros indicam que os atores brasileiros Tonia Carrero, Mário
Sérgio, Luigi Picchi e Maria Fernanda estavam escalados para participar do
filme que tinha em Glenn Ford o astro principal. Além dos brasileiros estariam
no elenco também Arthur Kennedy, Cesar Romero e Sara Montiel, cabendo a música
do filme ao maestro Guerra Peixe. Glenn Ford acabou indo para o Guarujá com
Eleanor Powell e o filho Peter, ficando a família hospedada no Hotel Florida. A
passagem pelo Guarujá deveria ser rápida mas devido a atrasos da produção de “O
Americano” a permanência de Glenn no Guarujá se estendeu por mais tempo. Segundo
lembra Peter Ford, a ainda muito bonita Eleanor Powell passou a ser assediada
pelo jovem ator santista Mario Sérgio, galã da Vera Cruz que provavelmente se
encontrava no Guarujá filmando “É Proibido Beijar” com Tonia Carreiro. Glenn
Ford soube do que se passava porque os jornais em tom de fofoca noticiaram o
insólito fato de a esposa do galã de ‘Gilda’ estar recebendo diariamente flores
de um galã do cinema brasileiro. No mesmo dia Glenn orientou seu amigo Bill
Rhinehart, misto de dublê e guarda-costas, a dar um corretivo em Mário Sérgio
que nunca mais chegou perto de Eleanor Powell. Mas esse foi apenas o primeiro
problema de Glenn Ford em “O Americano”.
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Sarita Montiel, Budd Boetticher e Arthur Kennedy, nenhuma saudade de Mato Grosso... |
Adeus ao Mato Grosso – As filmagens de “O Americano” no
Brasil só tiveram início no interior de Mato Grosso em fins de agosto de 1953,
sob as ordens do diretor Budd Boetticher.
Lá estavam além de Glenn Ford, Arthur Kennedy, Cesar Romero e a espanhola Sara Montiel,
estrelas do filme. Faltavam, no entanto, alguns equipamentos, técnicos e atores
secundários como Tonia Carrero e Mário Sérgio que certamente estava com medo de
Glenn Ford. Por outro lado, sobravam chuvas torrenciais, calor infernal e
umidade insuportável, aos quais se juntaram desarranjos intestinais que
acometeram quase toda a equipe, inclusive Glenn Ford, Eleanor Powell e Peter
Ford. Para piorar as coisas, Boetticher soube que Sara Montiel não falava uma
única palavra em Inglês, fato que até poderia ser superado, mas quando Budd
descobriu que Sarita não sabia montar a cavalo, o ex-toureiro pensou em
desistir da aventura. Mas não foi preciso Budd desistir pois a RKO, que vivia
em eterna crise financeira, deixou de fazer os pagamentos de toda a equipe que
interrompeu as filmagens. Glenn e família retornaram para os Estados Unidos por
conta própria, ele que assinara contrato para receber 125 mil dólares e mais
20% dos lucros de “O Americano”. O cronograma de filmagens previa 45 dias de
filmagens no Brasil, mas nos 15 dias em que pode trabalhar, Boetticher
conseguiu rodar apenas 20 minutos do filme que foi suspenso até segunda ordem.
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Cesar Romero, Abbe Lane e Ursula Thiess. |
Retomada da produção – A produção original de “O
Americano” deveria seguir a tendência da época de Hollywood rodar filmes em
locais exóticos, forma encontrada para combater a televisão que já ameaçava as
bilheterias dos cinemas. Assim foi com “Uma Aventura na África” e com “As Minas
do Rei Salomão” e seria com “O Segredo dos Incas” e com “Selva Nua”. Mas desses
exemplos só ficaram as mordidas das formigas marabutas que Glenn, Eleanor e
Peter levaram no corpo no retorno à Califórnia. Todas as vezes que a RKO pensou
em retomar o projeto “O Americano”, Glenn Ford estava ocupado. E de fato, entre
1953 e 1954, Glenn estrelou nada menos que cinco filmes, entre eles o western
“Um Pecado em Cada Alma” (The Violent People), com Barbara Stanwyck e “Sementes
de Violência”. Quando a RKO perdeu a paciência e avisou que iria processar
Glenn Ford por quebra de contrato, o ator arrumou um mês em sua agenda para
terminar “O Americano”, com a condição que não precisasse voltar ao Estado de Mato
Grosso. Depois de perder muito dinheiro com o projeto brasileiro a RKO decidiu
que “O Americano” seria concluído com pequeno orçamento e em solo
norte-americano mesmo. O novo diretor, ao invés do promissor Budd Boetticher
seria o inexpressivo mas econômico William Castle. Do elenco original só foram
mantidos Glenn Ford e Cesar Romero, sendo o novo núcleo central foi completado por
Frank Lovejoy e as atrizes Ursula Thiess e Abbe Lane. A alemã Ursula Thiess havia
sido descoberta por Howard Hughes, então chefão da RKO e conhecido por não
resistir a mulheres morenas. A atriz germânica acabou se casando não com
Hughes, mas com Robert Taylor. A novaiorquina Abbe Lane era a esposa do famoso
maestro Xavier Cugat.
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Abaixo 'El Gato' (Cesar Romero) informando seu enorme nome. |
Um Brasil espanholado - Glenn Ford não precisou retornar
ao Mato Grosso pois “O Americano” foi concluído em Corona, área rural próxima a
Los Angeles. Nota-se claramente as diferenças de paisagens no filme cujo início
foi rodado num lugarejo com construções típicas de cidades do nosso interior.
Quem assistiu aos filmes do Ciclo Campineiro de Antoninho Hossri, ou mesmo aos
faroestes caboclos e alguns filmes de Mazzaroppi vai lembrar de vilas muitos
parecidas com aquela em que Glenn Ford está no início de “O Americano”. Todas
as cenas em que Sara Montiel e Arthur Kennedy haviam participado tiveram que
ser refeitas com Ursula Thiess e Frank Lovejoy. Mesmo assim, filmada na
Califórnia, a história foi mantida como se passada num Brasil em que os
personagens nativos desconhecem o idioma Português, falando Espanhol e também o
Inglês. Isto num tempo em que ainda não havia Yazigis nem nas grandes cidades.
A descuidada produção de “O Americano” deu a alguns personagens nomes que
lembram os da nossa gente, como ‘Mariana Figueiredo’, ‘Cristino’ e ‘Teresa’,
sendo que estes últimos, sin Duda, hablán
Español. O personagem de Cesar Romero
foi batizado como ‘Manuel José Antônio Denis Felipe Carlos Sebastião Francisco
Silveira’, o que poderia levar os espectadores de outros países a imaginar que
todo brasileiro carregasse também nomes suficientes para formar um time de
futebol. Para facilitar as coisas, o apelido desse personagem é simplesmente
‘El Gato’, claro, em bom Espanhol.
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Romances: Ursula Thiess e Glenn Ford; Abbe Lane e Cesar Romero. |
No Mato Grosso como no Texas – A história de “O Americano” é a
bastante conhecida inescrupulosa luta pela posse de terras, história repetida
em centenas de faroestes. A diferença neste é que se inicia com o cowboy Sam Dent
(Glenn Ford) levando três touros reprodutores Brahma para um fazendeiro
brasileiro chamado Barbossa (pronuncia-se Barbôça). Ocorre que Barbossa foi
assassinado e os touros são conduzidos para outra fazenda, pertencente a Bento
Hermany (Frank Lovejoy). Fácil adivinhar que Hermany mandou um de seus homens
matar Barbossa pois sua ambição expansionista desconhece limites. Hermany quer
também as terras vizinhas pertencentes à bela viúva Mariana Figueiredo (Ursula
Thiess). Hermany se interessa só pelas terras e não pela viúva. Bento Hermany
vê como inimigos também os agricultores, acreditando que estes acabarão com o
pasto de seu rebanho. E os pobres camponeses vêem seus casebres serem
incendiados por Cristino (Rodolfo Hoyos Jr.), capataz de Hermany. Como a
autoridade constituída mais próxima fica muito distante, quem se impõe na
região é El Gato (Cesar Romero), espécie de Robin Hood vestido de gaúcho. Hermany
tem uma bonita empregada chamada Teresa e esta mantém caso com El Gato. É nessa conjuntura social que chega o cowboy
americano Sam Dent.
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Frank Lovejoy e Glenn Ford. |
Subtexto homos-sexual – Os três touros que valem 25 mil
dólares (hoje mais ou menos 215 mil dólares) viajaram nas piores condições imagináveis
até chegar ao interior de Mato Grosso. Hermany paga os 25 mil dólares em
dinheiro a Sam Dent que carrega esse valor pelas florestas da região, infestadas
tanto por cobras, jacarés, piranhas e outros bichos, como por bandidos como El
Gato. Mas Sam Dent é roubado por Cristino, a mando de Bento Hermany, menos pelo
dinheiro em si e mais por vingança. A trama de “O Americano” apresenta um subtexto
indisfarçadamente homossexual que é o interesse de Bento Hermany por Sam Dent.
Bento quer que o cowboy permaneça com ele em sua fazenda e se torne seu
capataz, enciumando-se com o interesse do americano pela vizinha Mariana
Figueiredo. Sam Dent passa então a ser inimigo de Bento Hermany, que tenta
também incriminá-lo pela morte de um peão. Sozinho no remoto e desconhecido
Brasil, o cowboy americano conquista sem muito trabalho a viúva fazendeira e
passa a defendê-la. Desesperado Hermany atira no chefe da Polícia que mais
parece um rural mexicano e tenta matar também o americano, sendo morto por este
em legítima defesa. O que acontece ao final é surpreendente pois Sam Dent
retorna para seu país sem ao menos lembrar de Mariana Figueiredo, como se ela
não tivesse participado do filme.
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Cesar Romero lutando ferozmente; Ursula Thiess e Abbe Lane. |
As bombachas de César Romero – Glenn Ford deixou de ganhar muito
dinheiro nos longos anos em que esteve sob contrato na Columbia Pictures. Após
sua alforria Glenn partiu em busca do dinheiro perdido e passou a fazer filmes de
qualidade duvidosa, mais errando que acertando nas escolhas. “O Americano” é um
bom exemplo desse objetivo de Glenn Ford que pouco se esforça em cena,
parecendo estar sempre fazendo poses com seu surrado chapéu e velha jaqueta
jeans. Muito melhor e até engraçado está Cesar Romero, divertindo-se com seu
personagem do Brasil central vestido como se estivesse nos pampas gaúchos. E
certamente recebeu de presente de Glenn Ford a cena em que trava luta de tridentes
com Cristino, num celeiro, pois quem desperta o ódio de Cristino é Sam Dent e
não El Gato! Frank Lovejoy desperdiça um excelente personagem de vilão com sua
falta de carisma, permitindo imaginar o que Arthur Kennedy não faria como Bento
Hermany. Howard Hughes chegou a anunciar Ursula Thiess como ‘A Garota Mais
Bonita do Mundo’, num evidente exagero, mas ela poderia ao menos ser boa atriz.
Por sinal a senhora Robert taylor não chegou a fazer carreira e nem poderia
mesmo. Em plena ‘selva brasileira’, a bonita e sensual Abbe Lane interpreta a
canção “Steamy”, de autoria do marido Xavier Cugat, com versos em Espanhol, sem
dúvida.
Isto é Hollywood! – “O Americano” é um filme arrastado, sem tensão e mal editado. Poderia
ser salvo pela novidade de um faroeste passado em cenários de grande beleza
natural que é o interior de Mato Grosso (hoje dividido em dois Estados). Porém
a cinematografia de William E. Snyder, responsável pela fotografia de “O Monstro
da Lagoa Negra” deixou escapar essa oportunidade. E os cenários com muito verde
da Califórnia não chegam a ser exatamente bonitos. A parte musical é composta
pela pomposa e estridente música de Roy Webb com entrechos de canções latinas
sob a responsabilidade de Xavier Cugat. Esse excêntrico maestro que regia sua
orquestra com um cãozinho nos braços deveria ter feito como fez Walt Disney anos
antes que adaptou temas de compositores brasileiros. Ao invés disso Cugat criou
uma música para a voz e para o corpo de sua atraente esposa Abbe Lane. Mas isto
é Hollywood, o que explica tudo em “O Americano”.
Abaixo vídeo com a canção do filme "O Americano":
No destaque Eleanor Powell com o filho Peter Ford; nas fotos menores
vemos Glenn com a esposa do playboy Jorge Guinle; com José Lewgoy
e Mary Gonçalves; e recebendo figas baianas que nada ajudaram
o ator, nem na sua passagem pelo Brasil e nem no casamento.
A Folha da Manhã registrou a passagem de Arthur Kennedy e de
Cesar Romero por São Paulo, sem explicar porque vieram.
Vi esse filme. Que decepção. Muito primário. O Ford não devia ter se metido nessa trama.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Darci,
ResponderExcluirEsse filme - ou projeto de filme... sei lá, eu ainda não vi. Vou ver se consigo um jeito de encontrá-lo. É só a título de informação mesmo, porque acho que não vai muito além disso. Mais uma das “pérolas” do Brasil, mas, dessa vez, em parceria. O espertinho do Mario Sergio mostrando o lado “brasileiro acolhedor”, e o Gatilho Relâmpago, só pôde coçar a mão. Parece-me que os filmes dessa “série” exótica não davam em grande coisa; eles geralmente me atraem pouco, com alguma exceção. Bem, no encerramento do texto, você diz tudo quando lembra que essa é só mais uma das “Coisas de Hollywood”.
Abraço!
Vinícius Lemarc
Vinicius, uma honrosa exceção é Uma Aventura na África, um dos grandes filmes rodados fora dos EUA. - Um abraço do Darci
ResponderExcluirBoa Tarde á todos. Quem quiser assistir a este filme (horroroso) ele está disponivel no YOU TUBE, é só colocar em procura e clicar. Penso que Glenn Ford estava com o condominio vencido quando aceitou fazer esta bomba. Até derepente.
ResponderExcluirValeu a dica, Zé Fernandes - permita-me. Vou ver se crio coragem pra me torturar, pelo jeito, qualquer hora dessas, vendo o dito.
ResponderExcluirAbraço!
Vinícius Lemarc
Boa noite Lemarc. Aproveito para te sugerir que assista também no you tube (depois que assistires O AMERICANO) o filme A PASSAGEM DA NOITE com James Stewart Audie Murphy Dan Duryea Dianne Foster Elaine Stewart para apagar a má impressão. É um filme gostoso de acompanhar e você vai gostar. Até derepente
ExcluirLemarc, esqueci de te dizer que o filme no you tube está com o titulo de O FORASTEIRO. Você coloca na procura o seguinte: assistir o filme O Forasteiro com Glenn Ford. Boa diversão
ExcluirLemarc, boa noite. Acrescentaram na semana passada cinco filmes do Audie Murphy no YOU TOBA. Se você estiver interessado em assistir, me responde e te dou as dicas. Um abraço.
ResponderExcluirSenhores, este filme foi rodado, parte em minha cidade natal, no estado de Sao Paulo, chamada Louveira, tenho o filme!!!! o armazem de secos e molhados "Casa Paris" eram de meus tios.Eu era apenas uma criança. Guardo o filme apenas pela recordação daquela época. Um abrqaço a todos.
ResponderExcluirO filme foi rodado em Louveira, conforme jornal da época: http://memoria.bn.br/pdf/085995/per085995_1953_00920.pdf
ResponderExcluirSempre tive curiosidade sobre este filme, me lembro de meu pai dizendo que tinha visto o Glenn Ford andando no centro de São Paulo, fiquei com grandes expectativas sobre este filme é no fim foi um dos piores do Glenn. Poderia ter sido um ótimo Boetticher. Parabéns sobre todos os detalhes colocado no site, acho que é o mais completo que existe sobre este filme.
ResponderExcluirAssis para conferir. Valeu a pena pela estória, pela história do western, pelos problemas e contratempos e, principalmente, pelo ator, pois Ford é Ford.
ResponderExcluirParabéns pela matéria. Até postei no meu grupo: https://www.facebook.com/groups/Faroeste.Farwest
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