Acima Carl Laemmle e Harry Carey; abaixo os irmãos Ford - Francis e John |
Se Francis Ford foi o responsável por
encaminhar seu irmão mais novo Jack Ford no cinema, Harry Carey teve igual ou
maior importância. Carey era já um ator de razoável sucesso quando insistiu com
Carl Laemmle, dono da Universal, para dar oportunidade ao irmão de Francis para
dirigir filmes. Jack Ford vinha atuando como ator desde 1913 e aos 23 anos, em
1917, estreou como diretor fazendo cinco ‘shorts’ (filmes de dois rolos), dois
deles estrelados por Harry Carey. Nesse mesmo ano Ford dirigiu quatro westerns
com duração próxima de 60 minutos (cinco rolos) todos tendo Harry Carey como
astro. Estava iniciada uma longa parceria e grande amizade que estremeceu
quando se percebeu que Jack Ford era um diretor competente. Ford que ganhava
300 dólares por semana também percebeu isso e pediu para ganhar algo próximo do
que ganhava Harry Carey (2.250 dólares semanais), o que desgostou o ator.
Enquanto a carreira de Jack Ford, agora assinando seus filmes como ‘John Ford’,
se consolidava, a de Harry Carey entrava em decadência. Todos os filmes que
fizeram em parceria foram dados como desaparecidos, até que uma cópia de “O
Último Cartucho” (Straight Shooting) foi descoberta em Praga, capital da antiga
Tchecoslováquia. Na década de 70, na França, um colecionador encontrou uma
cópia de “Bucking Broadway” e esses dois filmes de 1917 são os únicos remanescentes
da fase inicial daquele que viria a ser o mais extraordinário cineasta do
gênero western.
Harry Carey e Molly Malone; cowboys invadindo a grande cidade |
Um
cowboy em Nova York – Olive Carey afirmou em entrevista
que Harry Carey e John Ford com sinopses dos filmes em mãos iam a cavalo para
os locais de filmagem e lá desenvolviam o roteiro improvisando a maior parte
das sequências a serem filmadas. Com “Bucking Broadway” não foi diferente nesta
história passada no Wyoming onde o cowboy Cheyenne Harry (Harry Carey) pede a
jovem Helen Clayton (Molly Malone) em casamento e o rancheiro Ben Clayton (L.M.
Wells), pai da moça, consente o matrimônio. Nem Ben e nem Cheyenne contavam,
porém, com a chegada do inspetor federal Eugene Thornton (Vester Pegg) que veio
à fazenda para inspecionar a criação de animais. Thorton convence Helen a fugir
com ele para Nova York e iludida ela abandona os planos de uma vida simples no
Oeste em troca da agitação da metrópole. Inconformado Cheyenne parte à procura
da ex-noiva que em pouco tempo descobre o verdadeiro caráter de Thornton, homem
que bebe demais e que se torna violento, chegando a agredi-la. É quando
Cheyenne os encontra e por sorte seus amigos cowboys do Wyoming estavam também
em Nova York, acompanhando uma numerosa venda de cavalos. Ao defender Molly, Cheyenne
é atacado pelos grãfinos amigos de Thornton mas com a providencial ajuda dos demais
cowboys surra os esnobes e revive o amor com Helen, com quem retorna para os
prados do Wyoming.
Harry Carey;abaixo Vester Pegg |
Cowboy
autêntico - História mais simples e previsível que a de “Bucking
Broadway” é impossível, mas naquelas primeiras décadas do cinema esse tipo de
filme atraía e agradava demais ao público, tanto que Harry Carey disputava com
William S. Hart a primazia de ser o cowboy favorito do cinema. Rudes e taciturnos
como um cowboy deve ser, Hart e Carey tinham ainda em comum o fato de terem
deixado há muito de ser jovens. O idílio entre Cheyenne Harry e a filha do
rancheiro funciona como mero pretexto para a segunda parte de “Bucking
Broadway” passada em Nova York (mas filmada em Los Angeles) e ressaltando a
gritante diferença entre a vida saudável no rancho e a luxúria da cidade. Eugene
Thornton chega ao rancho de Ben Clayton em um automóvel, modernidade que
contrasta com os muitos cavaleiros e suas atividades como vaqueiros. Seu
antipático, fino e bem cuidado bigode, típico dos trapaceiros, contrasta com o
vasto mustache de Ben Clayton. Entre as pessoas da roda de Thornton em Nova
York está o casal de vigaristas que rouba Cheyenne Harry, sem falar no
desregramento dos convivas da festa que se desenvolve. E sabe-se lá o quanto
mais deixou de ser visto devido aos tantos cortes impostos pela censura, um
capítulo à parte neste filme.
Molly Malone; abaixo a grande luta |
Censura
implacável em 1917 - Gertrude Astor era uma atriz de
grande destaque à época e sua participação em “Bucking Broadway” ficou
totalmente comprometida e perdeu o sentido, isto devido à censura imposta ao
filme. Ela interpreta um personagem cúmplice de Thornton que aliciam moças para
explorá-las, personagem esse que simplesmente desaparece da trama. Os muitos cortes
exigidos pelos censores excluíram mulheres durante a festa usando trajes
provocantes deixando a mostra boa parte de seus corpos, além das atitudes dos
convivas embebedando-se avidamente. Outros cortes sofridos por “Bucking
Broadway” se deram em razão da violência do burlesco confronto entre cowboys e
os convidados da festa, entre elas Cheyenne Harry aplicando um justo corretivo
no velhaco Eugene Thornton. Tantos cortes certamente prejudicaram a narrativa e
melhor compreensão da crítica aos costumes que o filme pretendia fazer.
L.M. Wells |
O
cowboy Cheyenne Harry – Em 1917 Harry Carey se aproximava dos
40 anos de idade, ele que sempre teve aparência de homem maduro, o que não
criava maior embaraço pois raros eram os atores mais jovens nos elencos. De
expressão forte, Carey se impunha como cowboy valente, determinado e honrado.
Molly Malone, então com 29 anos é a inocente garota que sucumbe às promessas do
vilão interpretado por Vester Pegg. Tanto Molly Malone quanto Vester Pegg atuam
também em “O Último Cartucho”. L.M. Wells é um daqueles tipos característicos
marcantes com sei volumoso bigode branco e cabeleira igualmente branca. O
cowboy Buck Hoover é interpretado por William Steele, ator que quase 40 anos
depois participaria de “Rastros de Ódio” (The Searchers). Nesse western que é a
obra-prima de John Ford, William Steele interpreta o rancheiro Nesby.
William Steele com Harry Carey; à direita L.M. Wells, Molly Malone, Vester Pegg e William Steele |
O jovem John Ford |
Ford
jovialíssimo - Ambientado no Wyoming e com a parte final transcorrendo
em Nova York, “Bucking Broadway” foi inteiramente rodado na Califórnia. É um
filme que merece ser visto não só por ser um trabalho do jovem John Ford mas
também porque é, igualmente, um raro western com Harry Carey quando ele vivia o
cowboy Cheyenne Harry. Se alguma restrição pode ser feita é quanto ao inegável
preconceito racial que surge com a presença de um negro bem vestido
comportando-se como um dandy e ainda um mexicano que covardemente foge numa
desavença com outro cowboy. Sendo esses personagens justamente um negro e um
latino Ford demonstra claro preconceito. A cópia encontrada na França deste
filme dado como perdido é ótima, tendo sido restaurada pela Cinemateca
Francesa, órgão que dá a devida importância a este tão apreciado gênero
cinematográfico.
à diretia o grupo de cowboys no rancho e abaixo o dandy negro |