Hoje cada vez mais raros nas telas, os
westerns tiveram seus anos de glória no cinema falado nas décadas de 30 a 50.
Em 1950 foram produzidos em Hollywood nada menos que 130 faroestes, 61 pelas
produtoras chamadas de ‘Majors’ e 69 pelas denominadas ‘Independents’. ‘Majors’
eram os estúdios maiores: Warner, Fox, Metro, Columbia, Paramount, RKO,
Universal e United Artists. Formavam o grupo dos Independentes os estúdios e
produtoras menores, liderados pela Republic Pictures, que produziam westerns de
pequeno orçamento. Enquanto um filme rotulado como ‘A’ custava em média 800 mil
dólares em 1950, um filme ‘B’ não ultrapassava os 100 mil dólares. Já os
westerns ‘B’ produzidos pelas companhias independentes tinham um custo ainda
menor, alguns eram feitos por 50 mil dólares. Essa mágica tinha uma explicação
pois esses westerns ‘B’ eram produzidos em série, com o mesmo ator, o
‘mocinho’, elencos de apoio que variavam pouco, mesmos diretores e nunca
ultrapassavam cinco ou seis dias de filmagem cada um, tudo em nome da economia.
Cenas de arquivo eram utilizadas sem nenhum constrangimento e o espectador tinha
a impressão de já ter visto aquele tiroteio, aquela troca de socos ou aquele
‘stampede’. Quando a Republic Pictures decidiu encerrar a produção de westerns
‘B’, em 1953, a Allied Artists prosseguiu por mais alguns meses produzindo
faroestes com Bill Elliott e Wayne Morris. No dia 12 de setembro de 1954 foi
lançado nos cinemas o derradeiro western produzido nesses moldes, “Two Guns and
a Badge”, que no Brasil se chamou “Pistoleiro por Equívoco”.
Wayne Morris e Morris Ankrum; abaixo um dos dois coldres do pistoleiro Hank Bartlett. |
Equívoco
proposital - A pequena cidade de Outpost tem Jackson (Morris Ankrum)
como xerife. Jackson é um homem cansado que se confessa impotente para expulsar
da cidade um bando de ladrões de gado que roubam reses dos pequenos criadores. O
xerife Jackson propõe aos criadores a contratação de Hank Bartlett, um
pistoleiro que ele conheceu tempos atrás. Enquanto se discute a contratação do
pistoleiro, Jim Blake (Wayne Morris) vaga pelas redondezas de Outpost,
deparando-se com o corpo de um homem morto e esse homem é justamente Hank
Bartlett. Jim Blake enterra Bartlett mas fica com o cinturão de dois coldres e
revólveres com as iniciais H.B. do pistoleiro morto. Chegando a Outpost, Jim
Blake é confundido com Hank Bartlett e resolve não desfazer a confusão. Porém o
xerife Jackson sabe que Jim Blake não é Hank Bartlett, mas estimula o equívoco
para amedrontar os ladrões de gado, contratando o falso Bartlett como seu
assistente. Bill Sterling (Roy Barcroft) é o mais bem sucedido dos criadores e
sua filha Gail (Beverly Garland) é noiva do jovem criador Dick Grant (William
Phipps). Grant é quem está por trás dos roubos, organizando a quadrilha de
ladrões de gado e tenciona matar o assistente de xerife. Descoberto pelo ilegítimo
homem da lei, Grant acaba morto e Jim Blake, assumindo sua verdadeira
identidade, é nomeado xerife e fica com Gail Sterling.
Beverly Garland com Wiliam Phipps; abaixo Beverly com Wayne Morris. |
Falsidade
ideológica - Um dos mais desgastados clichês dos westerns B produzidos
em série era quando o personagem principal se fazia passar por outra pessoa.
Criava-se, com isso, a incerteza necessária à trama, ainda que o espectador,
quase sempre, soubesse da verdadeira identidade do personagem. Em “Pistoleiro
por Equívoco”, pela enésima vez o truque é utilizado e o herói adultera sua identidade e o faz porque
isso facilitará seu recomeço de vida. Jim Blake passou três anos numa
penitenciária cumprindo pena por uma tentativa de assalto a diligência.
Recomeça, então, cometendo novo crime, o de falsidade ideológica, crime
compensado pelo status adquirido de homem da lei e, de quebra, por atrair a
simpatia da jovem bonita filha do mais poderoso criador da região. Gail, a moça,
não se apega aos princípios de fidelidade pois mesmo noiva sucumbe ao charme do
fictício pistoleiro. Partindo de um clichê, “Pistoleiro por Equívoco”
desenvolve uma trama bastante bem engendrada, pouco comum a esse tipo de filme
destinado a um público que prefere ação a longos diálogos esclarecedores de
situações pouco claras.
Wayne Morris |
Herói
lento e pesado - Se a trama de “Pistoleiro por Equívoco” é interessante, os
diálogos cáusticos e incisivos, algo também inusitado nesse tipo de western, dão
a ele um sabor ainda mais especial. Por previsível que este último filme do
veterano diretor Lewis D. Collins possa ser, é muito superior à média das
produções do ciclo que ele encerrou, como se convencionou afirmar. Isso mesmo o
filme tendo que enfrentar o problema maior que é a falta de carisma de Wayne
Morris, ator que não se ajusta à figura de homem do Oeste, além de lento e
pesado com uma protuberante cintura, maior mesmo que a de Roy Barcroft. Uma
única vez o personagem de Morris arrisca um rápido corpo a corpo com um bandido
que tem quase a metade do seu tamanho. Inconvincente com as armas nas mãos,
Morris é um equivocado pistoleiro e o que sustenta o filme é a direção segura
de Collins e o bem engendrado roteiro. Normalmente as personagens femininas tem
menor importância nos westerns B, mas não é o que acontece com a mocinha vivida
por Beverly Garland, insinuante e decidida mulher com ótima participação na
história.
Wayne Morris com Beverly Garland e Lyle Talbot; à direita Wayne e Beverly. |
Roy Barcroft (acima) e I. Stanford Jolley |
Homens
maus do lado do bem - Eterno bandido, Roy Barcroft desta
vez interpreta simpaticamente um homem honesto e frustra o espectador que até o
final aguarda por vê-lo como o clássico homem mau de sempre, o ‘Rei dos Vilões
da Republic Pictures’. Morris Ankrum é o melhor dos atores num elenco que conta
ainda com Robert J. Wilke num papel com poucas oportunidades de personificar um
rude facínora como ele sabia fazer muito bem. Com 67 minutos de duração, este
western traz ainda as presenças de William Fawcett como dono do saloon e de
Lyle Talbot como um médico, ambos também pouco aproveitados. Talbot era o ator
favorito do lendário Ed Wood Jr., diretor dos cults piores filmes de todos os
tempos. Lyle Talbot é lembrado ainda por ter sido o primeiro ‘Comissário
Gordon’ e o primeiro ‘Lex Luthor’ do cinema, respectivamente nos seriados “A
Volta do Homem Morcego” (1949) e “O Homem Atômico Contra o Super-Homem” (1950).
O nada confiável I Stanford Jolley era presença constante nos westerns do
diretor Collins estrelados por Bill Elliott e Wayne Morris, para a Allied
Artists. Desta vez Jolley, assim como Roy Barcroft está do lado do bem.
Robert J. Wilke à esquerda e à direita com Roy Barcroft. |
Saudosas
matinês dominicais - Encerrar um ciclo tão longo e
produtivo de filmes é uma inusitada honraria, ainda mais quando nesse ciclo
desfilaram Buck Jones, Tom Mix, Hopalong Cassidy, Ken Maynard, Bill Elliott,
Charles Starrett, Tim Holt, Rocky Lane, Roy Rogers, Gene Autry, Rex Allen e
outros. Qualquer um deles representaria melhor que Wayne Morris o western ‘B’
feito em série pelos pequenos estúdios. Porém se Morris foi um esquecível
cowboy do cinema, “Pistoleiro por Equívoco” acabou sendo uma bela despedida
daqueles filmes que reinaram soberanos nas saudosas ‘Saturday Afternoons’, aqui
no Brasil as matinês de domingo. Para os mais novos que talvez desconheçam o
que eram as matinês dos cinemas de bairro das grandes cidades e do interior, a
programação normal dos cinemas aos domingos dava lugar a uma programação
especial. Essa programação constava sempre de um faroeste e um filme de ação
(capa e espada, aventuras). Muitas vezes eram exibidos, para alegria da
garotada, dois faroestes. Era apresentado ainda o capítulo semanal de um emocionante
seriado, para muitos a atração principal, e ainda curtas de cômicos famosos ou
desenhos, além do obrigatório cinejornal. As sessões se iniciavam às 14 horas e
terminavam por volta de 17:30, com direito a trocas de gibis e figurinhas. Tudo
isso fazia do domingo o dia mais esperado da semana para crianças de todo o Brasil.
Bons e inesquecíveis tempos!!!
Logotipos de pequenas produtoras norte-americanas, responsáveis pela maior parte dos filmes B. |
A cópia de "Pistoleiro por Equívoco" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.