Quando começou a ser produzida a série
“Gunsmoke”, em 1955, havia outras 30 séries westerns em exibição na TV norte-americana. 20 anos
depois, em 1975, “Gunsmoke” ainda estava no ar mas não havia mais nenhuma outra
série do gênero, indicando que os faroestes não tinham mais público. Com o
cancelamento de “Gunsmoke” encerrava-se o ciclo de 25 anos das séries clássicas
produzidas para a televisão, das quais as aventuras do Marshal Matt Dillon, de
Dodge City no Kansas, foi sem dúvida a mais importante. “Gunsmoke” nasceu para
o sucesso pois o primeiro episódio foi apresentado nada menos que por John
Wayne, batismo que nenhuma outra série teve e o que não significou sucesso
imediato, como se poderia supor. Demorou um pouco para os espectadores
aceitarem aquele mocinho grandalhão, sério e sem o charme de tantos outros,
interpretado por James Arness.
William Conrad |
“Gunsmoke”
no rádio - Como aconteceu com muitas outras séries de sucesso na TV,
“Gunsmoke” nasceu no rádio e a primeira audição desse programa foi ouvida em 11
de junho de 1949, repetindo-se pelos anos seguintes sem periodicidade definida,
o que somente viria a acontecer a partir de 26 de abril de 1952, com o episódio
intitulado “Billy the Kid”. O programa de rádio passou a ser semanal, mas sua
audiência era tão grande que chegou a ir ao ar, por muito tempo, duas vezes por
semana. Quem interpretava Matt Dillon no rádio era William Conrad, mais
conhecido dos brasileiros como o rotundo detetive da série “Cannon”, nos anos
70. Dono de voz excepcional, Conrad iniciou-se no rádio como locutor, estreando
no cinema em 1947 em “Os Assassinos” (com Burt Lancaster). Em Hollywood William
Conrad fez um pouco de tudo, desde atuar, escrever, produzir e dirigir, além de
sua voz ter sido ouvida em mais de 7.500 programas de rádio. Bill Conrad fez
muitas narrações para a televisão e quem prestar atenção à abertura da série “O
Fugitivo” (com David Jansen), vai reconhecer a voz de Conrad. Escritores se
revezavam na criação das histórias, entre eles Marian Clark, que, paralítica,
escrevia presa a uma cadeira de rodas. O grande nome, porém, que redigiu
centenas de scripts para a série “Gunsmoke” no rádio foi John Meston, ficando a
produção do programa a cargo de Norman McDonnell. Em 1955 Meston e McDonnell
decidiram levar o programa para a TV, mas mesmo assim ele continuou a ser
apresentado no rádio até 1961.
Norman McDonnell com William Conrad (à esquerda); o elenco de "Gunsmoke" no rádio: Howard McNear (Doc), William Conrad (Matt Dillon), Parley Baer (Chester) e Georgia Ellis (Kitty). |
John Pickard, Raymond Burr e James Arness |
A
escolha de Matt Dillon – Os anos 50 assistiram ao ‘boom’ das
séries westerns na TV e com o sucesso alcançado no rádio, era inevitável que
“Gunsmoke” fosse levado para a televisão. Norman McDonnell e John Meston
incumbiram o também produtor Charles Marquis Warren de encontrar o ‘Matt Dillon’
ideal, uma vez que o nome de William Conrad não poderia ser considerado devido
aos muitos quilos a mais que o ator sempre teve. Um marshal assim pesado seria
motivo de risos e Warren não pensou pequeno, indo logo atrás de John Wayne,
propondo ao Duke estrelar a série. Já um dos maiores astros do cinema, com salário
crescente a cada filme e com sua produtora Batjac cada vez mais forte, parecia
uma temeridade Charles Marquis Warren fazer essa proposta a Wayne, ele que era
avesso a trabalhos na telinha, aceitando, quando muito participações especiais
em programas campeões de audiência como ocorreu em um episódio de “I Love
Lucy”. Wayne recusou a oferta mas indicou a Warren o nome de James Arness, ator
que mantinha sob contrato na Batjac. Outros nomes cogitados foram o de Raymond
Burr e John Pickard, mas a escolha recaiu sobre Arness, até porque Wayne
prometera aos produtores ‘dar uma forcinha’ na noite de estreia fazendo a
apresentação da série.
John Wayne introduzindo "Gunsmoke". |
John
Wayne apresenta... – Composto o elenco principal com James
Arness (Matt Dillon), Dennis Weaver (Assistente de Delegado Chester Goode),
Milburn Stone (Doctor Gale Adams) e Amanda Blake (Miss Kitty Russell), foram
filmados os primeiros episódios de “Gunsmoke”. A estreia da nova série se deu
com “Matt Gets It”, às 21 horas do sábado dia 10 de setembro de 1955 pela
Columbia Broadcasting System (CBS) e quem encheu a tela, vestido com as roupas
de Ethan Edwards pois estava filmando “Rastros de Ódio” (The Searchers), foi
John Wayne. Como sempre fez em seus westerns, o Duke falou pouco, apenas o
necessário, dizendo estas palavras: “Boa
noite. Meu nome é Wayne. Alguns de vocês já me viram antes. Espero que sim.
Tenho andado por Hollywood há bastante tempo e já fiz uma porção de filmes lá.
De todos os tipos. Alguns deles foram westerns. E é por isso que estou aqui
para falar com vocês a respeito de um western. Um novo programa de televisão
chamado “Gunsmoke”. Quando eu ouvi falar a primeira vez de “Gunsmoke”, eu já
sabia que somente havia um homem para protagonizá-lo: James Arness. Ele é um
jovem rapaz e talvez novo para alguns de vocês. Mas eu já trabalhei com ele e
digo que ele será um grande astro. E agora, tenho o orgulho de apresentar “Gunsmoke”.
John Wayne visita o amigo James Arness no set de filmagens de "Gunsmoke"; William Boyd já aposentado de seu personagem Hopalong Cassidy também faz uma visita a Matt Dillon e a Chester. |
James Arness |
Série
recordista de duração - Os episódios de “Gunsmoke” tinham
sempre meia hora de duração, formato que perdurou até 1961 e no qual foram
produzidos 233 episódios. De 1961 a 1965 “Gunsmoke” passou a ter uma hora de
duração, ainda em preto e branco, sendo assim rodados 173 episódios. De 1965 a
1975 foram produzidos 229 episódios em cores e com uma hora de duração,
totalizando o recorde de 635 episódios em 20 anos consecutivos no ar. Nenhuma
outra série western ou não para a TV teve igual longevidade e, consequentemente, igual
audiência. Perto de “Gunsmoke” chegaram “Death Valley Days” (532 episódios
entre 1952-1975); “Bonanza” (440 episódios entre 1959-1973); “O Homem de
Virgínia” (225 episódios entre 1962-1970) e “The Lone Ranger” (221 episódios
entre 1949-1965). Se as duas primeiras temporadas de “Gunsmoke” não atraíram
muito o público telespectador, a partir da terceira temporada a criação de Norman McDonnell
tornou-se líder de audiência entre as séries de TV então exibidas. “Gunsmoke”
foi campeã de audiência por quatro anos consecutivos nas temporadas 1957-58 a
1960-61; caiu para 3.º em 1961-62; 10.º em 1962-63; 20.º em 1963-64; 27.º em
1964-65; 30.º em 1965-66 e 34.º em 1966-67. Na temporada 1967-68 “Gunsmoke” foi
4.º colocado; 6.º em 1968-69 e 2.º em 1969-70. Em 1970-71 a série caiu
para a 5.ª posição segundo o Nielsen Ratings (instituto que mede a audiência
televisiva nos EUA); subiu para 4.º em 1971-72; 8.º em 1972-73 e 15.º em
1973-74. A 28.ª colocação na temporada 1974-75 ajudou a determinar o
cancelamento da série após 20 anos ininterruptos no ar.
Elenco
afinado - O sucesso de “Gunsmoke” pode ser creditado à conjunção dos
seguintes fatores: histórias que fugiam do lugar comum, produção simples mas
esmerada e feliz escolha do elenco. Começando pela sobriedade de Arness como Matt Dillon, passando pelo sarcasmo de
Doc Adams (Milburn Stone), pela ingenuidade de Chester Goode (Dennis Weaver),
substituído em 1964 por um engraçadíssimo Festus Hagen (Ken Curtis), a delicada
e provocante graça de Kitty Russell (Amanda Blake), a valentia de Quint Asper
(Burt Reynolds) e chegando ao restante do cast que jamais perdia a coesão mesmo
com as inevitáveis substituições. Cada episódio demonstrava o profissionalismo
da equipe e, não raro, esbarrava na perfeição, seja pela direção de atores,
seja por tudo mais que cerca a realização de um bom episódio de série. Em uma
só palavra, havia competência. Eram, no entanto, os roteiros o ponto alto de “Gunsmoke”.
Matt Dillon enfrenta um perigoso fora-da-lei interpretado por Timothy Carey. |
Histórias
realistas - Desde seu início o público percebeu que estava diante de
um western diferente daqueles que eram produzidos para a TV. Ou seja, dos
mocinhos sempre bem vestidos, com pares de revólveres de cabos de madrepérola,
franjas nas camisas e impecavelmente polidas botas. “Gunsmoke” era o western
autêntico com a crua rudeza dos tempos turbulentos de Dodge City, ainda que no
Long Branch Saloon as mulheres fossem bonitas e bem vestidas, especialmente
Miss Kitty. Revivia-se de forma verossímil a Dodge City dos anos 70 do século
19. Nessa violenta cidade do Kansas ainda não acostumada com a Justiça, impor a
lei aos valentões e aos poderosos era tarefa que só mesmo alguém como Matt
Dillon seria capaz, com sua bravura e integridade. E fazendo correr sangue
sempre que necessário. Enquanto os mocinhos ‘cleans’ de outros filmes atiravam
certeiramente nas armas dos badmen para prendê-los sem feri-los gravemente,
Dillon não tinha muita piedade de bandidos. Se possível levava os outlaws aos
tribunais para julgamentos quase sempre seguidos de enforcamentos. Afinal era
assim no Velho Oeste e dessa forma John Meston orientava suas histórias, isto
para falar apenas dele que era o principal autor de “Gunsmoke”. Sam Peckinpah
não menos contundente e violento ao escrever suas histórias, criou roteiros
para “Gunsmoke” prenunciando o que viria
a fazer mais tarde no cinema, culminando com a obra-prima “Meu Ódio Será Sua
herança” (The Wild Bunch). Pressionada para abrandar as histórias da série, a
CBS não se intimidou e permitiu que o teor dos roteiros permanecesse forte. A
rede estava de olho na audiência que não parava de crescer.
Miss Kitty e Matt Dillon. |
Série
de temas fortes - Nem tudo, porém, era sangue na série
“Gunsmoke” e, não raro, havia episódios e que ninguém morria, ainda que os
assuntos focalizados fossem pouco comuns na TV naqueles tempos. Temas como
sedução, cobiça, corrupção e violência de toda ordem eram abordados em “Gunsmoke”.
E seguindo a lição de Delmer Daves em “Flechas de Fogo”, o índio foi visto com
surpreendente simpatia em inúmeros episódios, longe da estereotipada imagem que
o cinema e a TV lhe haviam moldado. Isso tudo vinha na medida certa e sempre
bem temperado com o humor de Doc, Chester e mais tarde Festus e um nunca bem
definido e declarado romance entre o Marshal e Miss Kitty. Que ambos se queriam
muito bem era evidente, especialmente pela ferocidade que tomava conta de um enciumado Dillon quando Kitty era molestada por bêbados, bandidos ou homens enfeitiçados pela
sensualidade da dona do Long Branch Saloon.
Uma
paixão americana – E o público norte-americano foi se
apaixonando pela série, paixão que durou a eternidade que são 20 anos para a
televisão. E que não terminou com o fim da série, como bem demonstrou a enquete
feita pela revista ‘People’ quando do 50.º aniversário da televisão nos Estados
Unidos: James Arness foi escolhido como o 6.º maior top-star de todos os
tempos, atrás apenas de Johnyy Carson, Lucille Ball, Jackie Gleason, Walter
Cronkite e Sid Caesar (nessa ordem). Note-se que nenhum desses astros fazia
westerns. E James Arness (leia-se Matt Dillon), ficou à frente de superstars
como Mary Tyler Moore, Bill Cosby, Carol Burnett, Milton Berle, Ed Sullivan,
David Letterman e outros. O próximo cowboy da lista, James ‘Maverick’ Garner, apareceu em 18.º. Outro semanário norte-americano, a prestigiosa ‘TV Guide’,
em sua edição de 17 de abril de 1993 comemorativa aos seus 40 anos de publicação,
elegeu ‘Os Melhores da TV em Todos os Tempos’. Na categoria western o escolhido
foi “Gunsmoke”, o que não causou surpresa, já que nenhuma outra série feita
para a TV jamais se aproximou da criação de Norman McDonnell, seja pela
qualidade ou pelos números sempre impressionantes das aventuras vividas por
Matt Dillon. Em 1998 a revista ‘Entertainment Weekly’ elegeu “Gunsmoke” como o
16.º entre os 100 melhores programas da televisão norte-americana de todos os
tempos. Em 2002 a ‘TV Guide’ classificou “Gunsmoke” como o 40.º entre os 50
melhores programas de TV de todos os tempos.
Arness, Amanda Blake e Bette Davis |
Série
premiada - “Gunsmoke” amealhou inúmeros prêmios ‘The Best Western of
the Year’ e Emmys para seus atores e técnicos. James Arness foi considerado ‘The Man of the Year’ da
TV em 1973. Se o elenco permanente de “Gunsmoke” era um dos pontos altos
da série, os atores convidados representavam uma atração a mais. Muitos
vencedores de Oscar brilharam em alguns dos 635 episódios de “Gunsmoke”, gente
como Ben Johnson, George Kennedy, Bette Davis, Jon Voight, Jodie Foster, Mercedes
McCambridge, Ellen Burstyn e outros. Atores do porte de Warren Oates, Bruce Dern,
Jean Arthur, Lee J. Cobb, Cicely Tyson também participaram de “Gunsmoke”, sem
falar nos coadjuvantes clássicos como Jack Elam, Claude Akins, Jeanette Nolan,
Chill Wills, Slim Pickens, J. Carroll Naish, John Carradine, Strother Martin,
Denver Pyle, John Ireland, Ed Asner e um enorme etc.
James Arness envelhecendo com a série. |
Momentos
difíceis – Exibida aos sábados à noite desde seu lançamento em 1955 e
acostumada com a liderança absoluta naquele dia e horário, “Gunsmoke” foi
surpreendida pelo programa “Saturday Night at the Movies” que a destronou do
1.º lugar nas noites de sábado em 1967. Matt Dillon e sua turma passaram então para
20 horas de segunda-feira, horário em que a série permaneceu até ser
cancelada em 1975. Um fato inusitado ocorreu quando “Gunsmoke” passou a ter uma
hora de duração: a CBS passou a exibir os episódios antigos de meia hora com o
título “Marshal Matt Dillon”. O espectador podia assistir aos episódios
inéditos e se deliciar com as reprises dos programas produzidos com menor
duração. Outro fato incomum ocorreu em 1970 quando a CBS anunciou o fim da
série, o que causou grande consternação motivando discussão até no Congresso
norte-americano, o que consta dos anais daquela Casa. Tantas foram as
reclamações que a CBS deu continuidade ao programa por mais cinco anos. Em
1975, aos 52 anos de idade, James Arness já não era o mesmo jovem Marshall e
parte do elenco estava irremediavelmente envelhecida. E o que envelhecera mesmo
fora o western que já não mais alcançava audiências suficientes. Uma a uma as séries foram sendo canceladas e “Gunsmoke” conseguiu resistir bravamente até 1975.
Infinitas reprises passaram a acontecer desde então, mas jamais com o sabor do
ineditismo de cada novo episódio.
Festus Hagen, Doc Gale Adams, Kitty Russell e Chester Goode circundam Matt Dillon. |
Uma
série inigualável - James Arness adquiriu os direitos da
série nos anos 60 e passou a ser o dono da marca ‘Gunsmoke’, produzindo e
estrelando cinco TV-movies com aventuras de Matt Dillon. Do núcleo principal do
elenco, James Arness e Milburn Stone atuaram nos 20 anos da série, com Arness
participando da totalidade de episódios, que foram 635 e Stone atuando em 604. Amanda
Blake atuou por 19 anos em “Gunsmoke” em 568 episódios; Glenn Strange 12 anos e 238
ep.; Ken Curtis 11 anos e 304 ep.; Dennis Weaver 9 anos e 290 ep. e Buck Taylor 8
anos e 174 ep. Burt Reynolds participou de quatro temporadas aparecendo num total de 50 episódios como ‘Quint’. Quem
mais dirigiu episódios da série foi Andrew V. McLaglen, num total de 96. Glenn
Strange faleceu em 1973, ainda com a série em andamento; Milburn Stone faleceu
em 1980; Amanda Blake faleceu em 1989; Ken Curtis em 1991; Dennis Weaver
faleceu em 2006; James Arness faleceu em 2011. A íntegra das 20 temporadas de “Gunsmoke”
foi lançada em DVD nos Estados Unidos e dificilmente ocorrerá esse lançamento aqui
no Brasil. Que já não se faz westerns como antigamente isso todos sabem, em
número e em qualidade. Essa conclusão permite dizer que jamais haverá uma outra
série de TV como “Gunsmoke”.
Chester Goode (Dennis Weaver) era a vítima preferida das ironias de Doc Gale Adams (Milburn Stone). |
Milburn Stone, James Arness, Amanda Blake e Ken Curtis; sentados Buck Taylor e Glenn Strange, o barman do 'Delmonico's'. |