Rory Calhoun |
Nos anos 50 Hollywood produziu
B-Westerns em profusão, filmes que
serviam como complemento dos programas duplos. Randolph Scott, Audie Murphy,
George Montgomery e Rory Calhoun estavam entre os principais ‘mocinhos’ desses faroestes
que invariavelmente tinham histórias parecidas e, por isso mesmo, eram logo
esquecidos. Algumas dessas pequenas produções, mesmo tendo passado despercebidas
pela crítica, ao serem revistas hoje surpreendem por seu conteúdo, pelo ótimo
desenvolvimento da história e pelo bom aproveitamento do elenco de modo geral e
este é o caso de “Onda de Paixões” (Raw Edge). Isso se deve a John Sherwood,
nome quase anônimo e que passou a maior parte de sua carreira na função de
assistente de direção, ele que faleceu em 1959 aos 56 anos de idade após
dirigir apenas três filmes, sendo este o primeiro deles. A absurda submissão
feminina é o tema inusitado no gênero e que merecia maior atenção da Universal.
No entanto o estúdio relegou a produção a ser um ‘double feature’ e ainda assim
resultou num faroeste muito acima da média. Fosse uma produção mais esmerada e
dirigida por alguém como Anthony Mann e certamente seria saudado como um
clássico e lembro que John Sherwood foi assistente de direção de Mann em
diversos westerns, o que de certa forma explica as muitas virtudes de “Onda de
Paixões”.
Herbert Rudley e John Gavin (acima); Rory Calhoun |
A
lei de Montgomery - Em 1842, no distante Oregon
disputado ainda pelos governos americano e inglês, os poderosos faziam suas
próprias leis. Assim era em Montgomery onde Gerald Montgomery (Herbert Rudley) decretou que ‘toda
mulher livre passaria a pertencer ao homem que primeiro a reclamasse’. Dan
Kirby (John Gavin) é acusado injustamente de ter atacado Hannah Montgomery
(Yvonne De Carlo), esposa de Gerald. Condenado por este num julgamento sumário,
Dan é enforcado exatamente quando chega à cidade seu irmão Tex Kirby (Rory
Calhoun). A índia Paca (Mara Corday) era a esposa de Dan Kirby e na condição de
viúva é pleiteada, segundo a lei local, primeiro por Sile Doty (Robert J.
Wilke) que fica com Paca. Quem e fato atacou Hannah foi Tarp Penny (Neville
Brand), ele que com seu pai Pop Penny (Emile Meyer), são os principais capangas
do poderoso Montgomery. Ambos intentam trair o patrão provocando sua morte para
assim terem direito de reclamar Hannah quando esta ficasse viúva. Tex Kirby
facilitaria os planos da dupla com sua intenção de vingar a morte do irmão, mas
Gerald Montgomery acaba morto pelos índios da tribo de Paca. Pop Penny se
outorga o direito de reclamar a viúva de Montgomery mas é alvejado fatalmente
por seu filho Tarp para ficar com Hannah. Tarp e Tex Kirby entram em luta
corporal e Tarp morre ao cair sobre o chifre de uma cabeça de touro empalhada.
Tex e Hannah deixam Montgomery juntos.
Robert J. Wilke; Mara Corday |
Um
senhor feudal - Aparentemente um western antifeminista, “Onda de Paixões”
é exatamente o contrário ao demonstrar que no Oregon prevalecia uma estrutura
social nos moldes do feudalismo com a subjugação das mulheres aos desígnios dos
dominadores. Tanto a índia Paca quanto Hannah lutam como podem resistindo ao
avanço dos homens e, no caso de Hannah, até mesmo lutando fisicamente contra
duas tentativas de estupro que sofre. Gerald Montgomery age como autêntico
senhor feudal criando e aplicando as leis e sua própria casa lembra uma
fortificação medieval com muros altos e pesado portão para garantir sua segurança.
Numa terra onde o número de mulheres é acentuadamente inferior à população
masculina, a disputa se torna violenta e não raro acaba em morte de um dos
contendores. Foi o que aconteceu quando Sile Doty travou violenta luta contra
Whitey (Ed Fury) e este foi morto por Doty que passou a ser o senhor da índia
Paca. Nem mesmo Hannah Montgomery, esposa do abastado regulador escapa da sanha
masculina, ela que além de ser uma bela mulher é também rica por ser casada com
Montgomery. Alheio aos costumes locais é o forasteiro Tex Kirby que teria
lutado ao lado de Sam Houston nas batalhas pelo Texas e depois feito parte dos
Texas Rangers. A ele só interessa vingar a morte do irmão injustamente
enforcado.
Emile Meyer e Neville Brand; Yvonne De Carlo e Rex Reason |
Ganância
e perversão - Os 77 minutos da metragem original de “Onda de Paixões”
não permitem uma mais profunda abordagem sobre o tema e um melhor
desenvolvimento de alguns personagens. É o caso de John Randolph (Rex Reason),
elegante jogador e inteligente o bastante para apostar na morte de Gerald
Montgomery e assumir seu lugar. Pouco se sabe do passado de John Randolph e sua
presença na história acaba tendo menor importância do que a princípio é
indicado. O mesmo ocorre com a presença dos índios no filme, pois ao centrar a
ação entre os brancos perde-se de vista a justeza de seus motivos que levam a
fazer pagar com a vida o impiedoso Montgomery. Porém o grande vilão do filme
não é esse senhor absolutista e sim Tarp Penny, violento e desmesurado na sua
torpeza que vai desde as tentativas de estupro a Hannah Montgomery até não
hesitar em atirar no próprio pai pelas costas para vê-lo fora de seu caminho.
Une ele a ganância à perversão. Nessa terra de ninguém todos agem de forma
condenável e brutal acreditando-se no exercício de seus direitos. É o
obscurantismo medieval imperando numa região onde a lei verdadeira ainda não
chegou.
Yvonne De Carlo e Mara Corday |
Emile Meyer e Neville Brand; Neville Brand |
Lutas
empolgantes - Em meio às disputas pelo poder e pelas mulheres são travadas
lutas corporais memoráveis como a do fortíssimo Ed Fury contra o brutamontes
Bob Wilke, seguida do embate entre os não menos fortes Emile Meyer e Neville
Brand e por último a contenda entre Rory Calhoun e Brand. Meyer colocando Brand
fora de combate abatendo-o com um enorme bule é uma sequência de grande
violência mas perfeita em sua concepção cinematográfica. Os stuntmen que
atuaram neste filme foram Bob Morgan e Richard Farnsworth, mas os próprios
atores participam da maior parte das lutas encenadas brilhantemente por John
Sherwood. Yvonne De Carlo e Mara Corday têm, ambas, importantes participações
na história, longe de serem apenas bonitos rostos de mulher em um faroeste.
Yvonne, especialmente, interpreta uma mulher de admirável força e sua
resistência diante de Neville Brand dentro de um rio e caindo de uma cachoeira
é marcante. Um lapso do roteiro é não explicar como ela se deixou dominar por
alguém sórdido como Gerald Montgomery.
Rory Calhoun e Neville Brand |
Neville Brand |
Neville
Brand feroz e odioso - Mais que o próprio Rory Calhoun, é
Neville Brand quem domina inteiramente “Onda de Paixões”. Cínico, feroz,
odioso, Brand está perfeito e sua força física completa suas feições sempre
ameaçadoras. Emile Meyer tem oportunidade de demonstrar a brutalidade que
deveria ter tido como um dos suaves irmãos Riker em “Os Brutos Também Amam”
(Shane). Tivesse Emile Meyer sido escolhido para interpretar Gerald Montgomery
e este personagem teria crescido no filme, sem dúvida. Bob Wilke desaparece na
segunda metade da história, ele que é outro vilão marcante e que mais poderia
contribuir neste western. John Gavin aparece em pequeno papel, parte do
processo de lançamento de atores jovens que a Universal costumava fazer. Ed
Fury pouco depois mostraria seus músculos como Ursus e Maciste nos ‘espada e
sandálias’ que virariam moda na Itália. A bela Mara Corday nunca se graduou
para filmes ‘A’ e, já madura, teve participações em filmes produzidos por seu
amigo Clint Eastwood.
Rory Calhoun |
Paixão
e desejo - Como era comum nos faroestes dos anos 50, “Onda de
Paixões” apresenta durante os créditos iniciais uma balada narrativa intitulada
“Raw Edge”, composta e cantada por Terry Gilkyson. Numa tradução aproximada,
‘raw edge’ significa algo em estado bruto, título apropriado para o Oregon
cantado nos versos de Gilkyson. A história não chega a apresentar paixões como
o título indica, mas sim desejo sexual latente. Assim como Yvonne De Carlo que
encontrou por dois anos na TV (‘The Monsters’) um prolongamento de sua
carreira, Rory Calhoun faria sucesso como ‘O Texano’ na série que teve muitos
fãs nas duas temporadas em que ficou no ar. Os westerns de Rory Calhoun são
geralmente bons e este é muito bom, indispensável mesmo como exemplo de
história com maior profundidade ainda que numa produção menor.