Borden Chase era um pouco notado
roteirista de histórias policiais e aventuras até que escreveu o roteiro de
“Rio Vermelho” (Red River), a partir de uma história sua. Antes havia escrito,
no gênero western, apenas “No Velho Colorado” (The Man from Colorado”. Pouco
depois Chase roteirizou “Winchester 73”, cuja história original é de Stuart N.
Lake, sendo então chamado para escrever sucessivamente os roteiros de “Montana,
Terra Proibida” (Montana), “E o Sangue Semeou a Terra” (Bend of the River) e
“Estrela do Destino” (Lone Star). Tomando gosto pelo gênero, Chase escreveu as
histórias originais de “Região do Ódio” e “Vera Cruz”, consagrando-se como um
dos principais escritores de westerns. Viriam ainda os roteiros de “Homem Sem
Rumo” (Man Without a Star) e “Punido pelo Próprio Sangue” (Backlash) que
confirmariam a reputação de Borden Chase. Anthony Mann havia trabalhado com
Chase duas vezes e em 1954 retomou a parceria com James Stewart para um novo
western com história e roteiro do escritor. James Stewart relutou um pouco pois
havia feito quatro westerns praticamente em seguida, três deles dirigidos por
Mann, sendo que “O Preço de um Homem” (The Naked Spur” não havia ido bem nas
bilheterias. Mas como recusar atuar em um faroeste escrito por Borden Chase e,
mais ainda, dirigido pelo amigo Anthony Mann. O resultado foi mais um excelente
western.
Nas fotos ao lado Borden Chase (acima) e Anthony Mann
|
James Stewart |
Um
homem do Oeste no Canadá - Jeff Webster (James Stewart) é um
cowboy que leva seu gado do Wyoming até Seattle, tencionando embarcar o rebanho
para o Canadá, passando por Skagway. Na trajetória, ainda em terras
norte-americanas, houve um motim e Webster se viu obrigado a matar dois cowboys
que se rebelaram contra ele e que queriam se apossar do rebanho. Webster viaja
com o amigo Ben Tatum (Walter Brennan) e na embarcação conhece Ronda Castle
(Ruth Roman), mulher de negócios que se interessa por ele para trabalharem
juntos. Webster recusa e quando chega a Skagway reencontra Ronda e tem uma
altercação com Gannon (John McIntire), espécie de delegado local e que impõe a
lei segundo sua vontade. Gannon indicia Webster e faz um julgamento sumário anistiando-o
do enforcamento mas confiscando todo seu rebanho. Webster recupera o rebanho e
segue para Dawson, no Canadá, para onde também vão Ronda e mais tarde Gannon e
seus capangas. Gannon quer fazer em Dawson o mesmo que fazia em Skagway mas
Webster o enfrenta matando-o, bem como a seus homens. Antes Gannon alveja Ronda
mortalmente e Webster termina na companhia de Rennè Vallon (Corinne Calvet),
moça que também se interessa por ele.
|
Ruth Roman |
Outro personagem complexo - Anthony Mann foi o grande responsável
pela descoberta da capacidade até então desconhecida de James Stewart
interpretar tipos neuróticos, insensíveis, atormentados pelo passado e capazes
até de matar. James, ao lado de Gary Cooper, formava a dupla de atores que
melhor personificavam o americano íntegro e foi uma surpresa vê-lo, pelas mãos
de Anthony Mann interpretar um personagem raivoso e violento como em
"Winchester 73". Em "O Preço de um Homem" Stewart levou
seus fãs ao paroxismo desempenhando um ser obececado e brutal que pode ser
chamado de tudo, menos de herói. Para este quarto western sob a direção de
Anthony Mann o personagem Jeff Webster, interpretado por Stewart está a milhas
de distância dos tipos que ele criou nos filmes de Frank Capra. Webster é
procurado por assassinato por ter matado dois cowboys empregados que, segundo
ele, pretendiam roubar seu gado. Webster é um individualista que pensa duas
vezes antes de ajudar alguém, a ponto de a jovem Rennè Vallon lhe dizer que o
mundo seria muito ruim se todos fossem iguais a ele, um homem que se recusa até
a dizer um simples 'obrigado'. "Não
costumo agradecer", diz ele à bela e sedutora Ronda Castle, que como
agradecimento queria mesmo que ele a possuísse. Mas qual... Entre outras
características de Jeff Webster está ser ele uma espécie de misógino que
resiste ao assédio de Rennè assim como resistiu até onde pode às intenções nada
dissimuladas de Ronda. Sucumbiu somente quando descobriu que Ronda é, assim
como ele, desprovida de alguns princípios básicos de integridade. Ronda monta o
Dawson Castle, um saloon onde pretende como fez anteriormente, vender bebida
falsificada e enganar garimpeiros com mulheres. Se os opostos se atraem, Em “Região do Ódio” o que fez
Webster gostar de Ronda foi sua índole e seu gênio difícil e não suas possíveis
qualidades.
|
John McIntire |
Tipos amorais - Qualidades é o que Gannon não faz nenhuma
questão de ter. Torpe, traiçoeiro, ganancioso e autoritário, ele faz as leis em
Skagway, e quando contestado diz "Esta
é a minha lei" e segundo ela confisca propriedades dos mineradores
acovardados e até o gado de Webster, que Gannon sabe ser de estirpe diferente.
Assim como Webster acaba por gostar de Ronda, Gannon também tem simpatia por
Webster, convidando-o para ser seu homem forte. E repetidas vezes lembra que
terá que matá-lo, ainda que goste dele. Roubar concessões é algo que Gannon faz
com sádico prazer e diverte-se vendo o pistoleiro Burt Madden (Robert J. Wilke)
amedrontar e matar quem lhe faz alguma objeção. Esses tipos desprezíveis e que
agem perversamente (mesmo Webster) não perdem nenhuma oportunidade para
destilar ironia, o que dá um tom de comédia ao filme, algo incomum nos westerns
de Anthony Mann. Mas nem Gannon, Webster, Ronda ou Madden são exatamente
engraçados e sim amorais. Escolhido para ser delegado em Dawson, Webster recusa
e diz: “Lei e ordem custam vidas. Alguém
sempre morre e eu não vim a Dawson para morrer”. Mais egoísta impossível e
esse é o anti-herói de Anthony Mann e Borden Chase.
|
Walter Brennan |
Sininho irritante - A filosofia de Jeff Webster é não
confiar em ninguém pois essa é uma forma de não vir a sofrer decepções. Paradoxal,
no entanto, é a ambígua relação dele com seu companheiro de trabalho Ben Tatum,
velho que sonha em ter um rancho onde possa acabar seus dias ao lado de
Webster. E não faltará à porta da casa o sininho para avisar quando alguém
chega para tomar café com eles. Quando Webster tranquiliza Ben dizendo-lhe que cuidará
dele, tem como resposta: “Aposto que vai
cuidar”. Essa idílica amizade é rompida quando Madden, que se confessa irritado
por ouvir o sininho no cavalo de Webster, mata o velho Ben. E o frio pistoleiro
mata também o cansado Dusty (Chubby Johnson) quando este o enfrenta sem
intenção de duelar. Madden sarcasticamente diz que não é adivinho e como saber
que Dusty não atiraria nele... Ao não enfrentar Madden, o insensível Webster
ouve de Rube (Jay C. Flippen): “Não
esperava isso de você”. O ponto de partida para a repentina mudança de
Webster foi a morte do amigo Ben, mudança que o leva a decidir, quase
suicidamente pois está ferido, se defrontar com Gannon, Madden e Newberry (Jack
Elam).
|
Na foto à esquerda Ruth Roman, John McIntire, Robert J. Wilke e Jack Elam; na outra foto Walter Brennan, Jay C. Flippen, John McIntire e James Stewart. |
Cenário imponente - O rico roteiro de Borden Chase, ainda
que a trama central oponha o eterno mal contra o bem de tantos faroestes, tem
personagens centrais bastante significativos, como visto acima. Destoa apenas a
presença da jovem Rennè, formando um triângulo amoroso que só tem razão de ser
para o final feliz de uma história onde quase todos são farsantes, dissimulados
e cruéis. Muitos pontos em comum com “Jogos e Trapaças / Quando os Homens São
Homens” (McCabbe & Mrs. Miller) de Robert Altman não deixam dúvida quanto à
influência de “Região do Ódio”. E Mann, o diretor dos grandes espaços desta vez
filmou sob as rochosas canadenses, em Jasper e também em Alberta, cenários
imponentes e magnificamente fotografados por William H. Daniels. A música é um
pastiche de temas compostos por quatro compositores, um deles Henry Mancini quando
ainda não via seu nome os créditos. Ótimo trabalho da direção de arte na reconstituição das pequenas cidades de Skagway e Dawson.
|
John McIntire |
John McIntire brilha como vilão - James Stewart mais uma vez está
perfeito, ainda que nada engraçado como o roteiro exigia. Walter Brennan, um
tanto cansativo, repete o tipo criado em “Rio Vermelho” mostrado muitas vezes
com algumas variações e eternizado com o ‘Stumpy’ em “Rio Bravo” (Onde Começa o
Inferno). É John McIntire como o vilão principal quem domina o filme, algo
normal nos westerns de Anthony Mann, nos quais o vilão sempre se sobressai.
Ruth Roman poderia sorrir menos e ser ainda mais má complementando sua
sensualidade e beleza. Robert J. Wilke, com um pequeno bigode, comprova que foi
um dos grandes bandidos dos westerns. Verdadeiramente uma pena que Jack Elam,
Royal Dano, Kathleen Freeman, John Doucette e Chubby Johnson tenham sido tão
pouco aproveitados, eles que eram do primeiríssimo time de coadjuvantes de
Hollywood. Além deles há um timaço de característicos liderado por Eddy Waller
e até com Chuck Roberson com duas imensas cicatrizes no rosto.
Grande
trabalho de um grande diretor - Anthony Mann e James Stewart
formaram uma das mais profícuas parcerias ator-diretor de Hollywood, com
destaque para os cinco westerns que filmaram juntos. Cada cinéfilo tem o seu
faroeste preferido nessa magnífica quina e raramente “Região do Ódio” é citado
como o melhor entre os cinco justamente por ser ligeiramente inferior aos
demais. O que não significa que não seja um excelente western capaz de refulgir
na filmografia de qualquer diretor do gênero. Os anti-heróis dos westerns
spaghetti certamente foram muito influenciados pelo cínico e individualista Jeff
Webster de James Stewart. Na foto ao lado pose de James Stewart e Ruth Roman para publicidade.
|
Walter Brennan e James Stewart na foto em cores; Harry Morgan, Jay C, Flippen, Ruth Roman, James Stewart, Corinne Calvet, Walter Brennan e John McIntire em foto num intervalo das filmagens no Canadá. |