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Acima Jessamyn West e seu livro; abaixo Katharine Hepburn, Ingrid Bergman, Vivie Leigh, Jane Wyman, Eleanor Parker e Maureen O'Hara. |
A Allied Artists era um pequeno estúdio
(sucessor da Monogram), especializado nos anos 50 em faroestes B, aventuras do
jovem Bomba (Johnny Sheffield) e comédias com Os Anjos da Cara Suja. Pois foi a
Allied Artists que acabou realizando um dos mais disputados projetos de
Hollywood que era levar à tela o livro “Friendly Persuasion”, de autoria da
escritora Jessamyn West. Lançado em 1945 e obtendo de imediato enorme sucesso,
os direitos sobre o filme acabaram nas mãos de William Wyler que inicialmente
pensou em Bing Crosby para interpretar o chefe da família Quaker do Sul de
Indiana. Crosby não se interessou e Wyler foi atrás de Gary Cooper que,
afirmando sempre ter outros compromissos, fugiu o quanto pode da proposta, até
que em 1956 Cooper finalmente aceitou o trabalho, com a condição de ter Ingrid
Bergman como sua esposa no filme. Devido a seus compromissos com as filmagens
de “Anastácia, a Rainha Esquecida”, a atriz sueca teve que recusar, sendo então
sucessivamente convidadas Katharine Hepburn, Jane Wyman, Viven Leigh, Eleanor
Parker e Maureen O’Hara. Como não houve acerto com nenhuma delas Dorothy
McGuire foi contratada para desgosto de Gary Cooper que não considerava Dorothy
uma atriz à altura de seu prestígio de ator para ser sua leading-lady.
Superprodução para os econômicos padrões da Allied Artists, “Friendly
Persuasion” (“Sublime Tentação” no Brasil) foi indicado para o Oscar em seis
categorias, obtendo razoável sucesso e é para muitos um dos mais belos filmes
da década de 50. E muito se discute, até hoje, se “Sublime Tentação” pode ou
não ser considerado um western.
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Dorothy McGuire e Gary Cooper |
Quakers e a Guerra Civil - Jessamyn West atuou como consultora
durante a produção, sendo o roteiro escrito por Michael Wilson, cujo nome
constava da lista negra de Hollywood. Nessa história passada em 1862, Jess
Birdwell (Gary Cooper) e sua esposa Eliza (Dorothy McGuire) estão apreensivos
com a aproximação de forças confederadas, então avançando sobre territórios
nortistas. Os Birdwells são Quakers, religião que refuta qualquer prática de
violência, mesmo quando suas propriedades estão ameaçadas por saqueadores
membros de destacamentos sulistas. Mattie Birdwell (Phyllis Love), filha de Jess
e Eliza se envolve amorosamente com Gard Jordan (Mark Richman), soldado da
União. Quaker menos convicto, Josh Birdwell (Anthony Perkins), filho mais velho
do casal, se defronta com o dilema de se juntar a um grupo armado para emboscar
um destacamento que se aproxima das áreas próximas à fazenda de Jess Birdwell.
Josh termina por empunhar armas, no que é seguido por seu pai, enquanto até
mesmo a esposa Eliza se esquece momentaneamente de seus princípios religiosos.
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Dororthy McGuire |
Princípios
religiosos acima de tudo - Para
alguns críticos o estilo de William Wyler era ‘não possuir estilo’ pois esse
diretor nascido na Alsácia (Alemanha), apesar de tantos excelentes filmes não
deixava sua marca pessoal em nenhum neles. Com “Sublime Tentação” Wyler chegou
bastante perto do que John Ford gostava de fazer no cinema, ou seja, escrever a
‘Americana’, a história e costumes do povo norte-americano, especialmente da
gente das pequenas cidades e áreas rurais. Este drama rural é narrado de modo
agradável, delicado e com muitos momentos de humor, mais até do que seria
necessário. O clímax, que deveria ser a aguardada batalha entre uma guarda
local formada por civis e um destacamento confederado, torna-se secundária
diante da questão mais importante do filme que é a discussão de até onde
princípios religiosos podem determinar as decisões pessoais. “Um homem deve ouvir a voz da sua
consciência” diz Jess quando questionado a respeito de seu filho Josh
empunhar ou não armas. Quando o motivo da guerra entre irmãos é aludido como
argumento, nem mesmo para conseguir a liberdade de alguém um Quaker se disporia
a matar um semelhante.
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Gary Cooper e Dorothy McGuire |
Tentações
irresistíveis - O roteiro de Michael Wilson tem momentos brilhantes,
menos com a muito focalizada hesitação do filho Josh, mas sim com as
‘desobediências’ do pai Jess. Como quando ele decide comprar o órgão,
instrumento musical impensável para um Quaker. Ou ainda quando Jess se trai
pelo gosto de disputar corrida de charrete com seu amigo Sam Jordan (Robert
Middleton). Em outro momento o Jess se torna conivente com o assédio ao qual
seu filho Josh é submetido pelas três ávidas filhas da viúva Hudspeth (Marjorie
Main), há anos sem ver um homem e, ele mesmo Jess, percebendo a nada discreta insinuação
da velha senhora. O melhor de todos esses episódios é quando a contrariada
Eliza decide dormir sozinha no celeiro vindo a ter a companhia do marido que
lhe traz cobertores. A noite que se anunciava angustiante termina tão prazerosa
que Jess não se contém e diz à esposa pela manhã: “Vamos dormir lá outras vezes?”. Essa cumplicidade entre o casal
Quaker é saborosíssima, mais ainda porque sua crença impede a senhora Birdwell
sequer de esboçar um sorriso de aprovação.
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Marjorie Main e Gary Cooper; Marjorie Durant, Anthony Perkins, Edna Skinner, Frances Farwell, Marjorie Durant e Gary Cooper. |
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Dorothy McGuire, Gary Cooper e Walter Catlett; a corrida de charretes. |
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Dorothy McGuire |
Surra
de vassoura - Se Jess Birdwell passa por constantes conflitos íntimos,
sequer pensa neles a filha Mattie, apaixonada pelo soldado Gard Jordan e para
quem as convenções religiosas da família são de menor importância. O prazer da
dança e a emoção de estar junto do namorado falam muito mais alto para a jovem
Mattie. Resoluta em jamais usar qualquer forma de violência, mesmo verbal,
Eliza Birdwell empunha uma vassoura como arma para defender Samantha, a gansa
de estimação da família e, após surrar o soldado confederado que já imaginava a
ave assada, percebe que mesmo ela havia esquecido e desobedecido seus
princípios, em outra sequência deliciosa. São esses momentos e a descrição
primorosa dos costumes daquela gente simples que tornam encantador o filme de
Wyler. O cínico e intrometido Sam Jordan rindo dos apuros conjugais do amigo
Quaker são igualmente ótimas e altamente críticas passagens de “Sublime
Tentação”.
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Samantha, Don Kennedy e Dorothy McGuire |
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Robert Middleton |
Refinada
persuasão - Há uma contradição no comportamento da senhora Birdwell tão
ciosa ao não aceitar a violência mas permitir que os saqueadores sulistas levem
tudo de sua fazenda. Chega ao extremo de, para não revidar, permitir que aquele
bando de homens pratiquem selvageria, traindo sua gente, muitos deles
arriscando suas vidas na improvisada emboscada no rio próximo. Essa é uma das
rápidas sequências de ação que duram pouco mais de dez minutos na parte final
do filme de Wyler. Numa delas Jess Birdwell não consegue disparar contra um
soldado confederado que matara seu amigo metodista Sam Jordan e tentara também
matá-lo. Essa que deveria ser uma cena de grande impacto torna-se fraca e
inconvincente na tentativa de ser exemplar. Wyler desenvolveu seu filme com refinada
persuasão, fechando-o infelizmente de modo pouco inspirado.
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Richard Hale e Gary Cooper; Gary Cooper e Robert Middleton |
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Gary Cooper e Dorothy McGuire |
Gary
e Dorothy adoráveis - Consta que Gary Cooper insatisfeito
com o que viu nas diversas etapas de filmagem se desinteressou de tal forma
pelo filme que nunca o assistiu. Certamente é um exagero a autocrítica de
Cooper achando que não tenha se saído bem como o cético e por vezes sarcástico
Quaker. A ele “Sublime Tentação” deve muito de sua graça e emoção e esta é uma
de suas excelentes interpretações moldadas na sobriedade, sem nenhuma afetação
como deve ser o modo de um Quaker. À altura de Cooper está a magnífica atuação
da esplêndida Dorothy McGuire, nunca menos que adorável como a determinada
esposa Quaker. Eliza Birdwell chega a ser antipática ao negar a si e a todos um
momento mínimo de felicidade e Dorothy assim se expressa formidavelmente.
Anthony Perkins ainda não marcado pelo personagem de sua vida (Norman Bates) é
apenas regular como o filho que tenta imitar os gestos e ideias do pai. Mesmo
assim Perkins foi indicado ao Oscar de Melhor ator Coadjuvante. Do vasto elenco
reunido para esta produção, destaque maior entre os coadjuvantes para o ótimo
Robert Middleton, para Marjorie Main que faz divertida parceria com Gary Cooper,
John Smith como um dos jovens Quakers e para Russell Simpson como o sisudo
membro do comitê de anciãos. Consta dos créditos o nome da gansa Samantha, o
que não é algo inusitado pois os cavalos de Roy Rogers, Gene Autry, Tom Mix e
outros cowboys também mereciam esse destaque, assim como a Cheetah nas
aventuras de Tarzan.
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Anthony Perkins; Charles Halton, Russell Simpson e Everett Glass |
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Acima o roteirista 'blacklistado' Michael Wilson e Phyllis Love; abaixo álbum de Pat Boone contendo o hit "Friendly Persuasion". |
Seis
indicações e nenhum Oscar - Entre as muitas curiosidades deste
filme está o fato de Dorothy McGuire (nascida em 1918) interpretar a mãe da
atriz Phyllis Love (nascida em 1925), sendo apenas sete anos mais velha.
William Wyler fez questão que seu filmes fosse lançado no majestoso Radio City
Music Hall, em Nova York, coisa que jamais havia acontecido com um filme da
pequena Allied Artists. Wyler, cujo conceito como diretor era dos maiores
conseguiu levar “Sublime Tentação” para a famosa casa de espetáculos. Pat Boone
gravou a canção-título de autoria de Dimitri Tiomkin com letra de Paul Francis
Webster, música que alcançou êxito na voz romântica de Boone. A canção
“Friendly Persuasion (Thee I Love)” concorreu ao Oscar de Melhor Canção ao lado
de outras cinco indicações (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator
Coadjuvante, Melhor Som e Melhor Roteiro Adaptado). O filme acabou não recebendo
nenhum prêmio da Academia em nenhuma dessas categorias. Michael Wilson, o autor
do roteiro teve seu nome retirado dos créditos do filme pela Allied Artists,
isto devido a Wilson fazer parte da Lista Negra de Hollywood por não ter
colaborado com o comitê presidido pelo Senador Joseph McCarthy. Mesmo assim
Wilson recebeu a láurea de Melhor Roteiro Dramático do ano de 1957, outorgado
pela associação dos roteiristas de cinema (Writers Guild of America). Quando
“Sublime Tentação” foi lançado em DVD Wilson teve seu nome inserido nos
créditos, forma de reparar uma das maiores injustiças cometidas por Hollywood. Este
filme de Wyler foi o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1957 e
Wyler gostou tanto de trabalhar com a escritora Jessamyn West que a contratou
como roteirista para sua produção seguinte que foi o western “Da Terra Nascem
os Homens” (The Big Country)
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William Wyler dirigindo Gary Cooper e Marjorie Durant. |
Western
ou não western - O responsável pela bela fotografia foi Ellsworth
Fredericks e a trilha musical teve a autoria de Dimitri Tiomkin, neste bem
cuidado filme que é comumente classificado como western. Assim como ocorreu com
“...E o Vento Levou”, a Guerra Civil surge como pano de fundo para uma história
dramática. A melhor classificação para “Sublime Tentação” seria na categoria
‘Drama’, não deixando, porém, de ser um ‘Western impuro’, aquele ao qual faltam
os mais autênticos elementos de um faroeste. A figura de Gary Cooper bastante
ligada ao gênero na década de 50, na qual atuou em nada menos que uma dezena de
faroestes, também ajudou na aceitação de “Sublime Tentação” como western.
Agradável de se assistir, com história interessante e sentimental, o filme de
William Wyler só não agradará àqueles que esperarem ver algo trepidante como o
espetacular “Vera Cruz”.
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Em primeiro plano, à esquerda, John Pickard, Anthony Perkins e Tom London |
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Dorothy McGuire |
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Anthony perkins, Richard Hale, John Smith e Robert Fuller, no canto à direita; Peter Mark Richman, Gary Cooper e Robert Fuller. |
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Richard Eyer, Phyllis Lve, Gary Cooper, Dorothy Mcguire e Anthony Perkins; Marjorie Durant, Frances Farwell e Edna Skinner. |