24 de outubro de 2016

CAVALEIROS DE SANTA FÉ (SANTA FÉ SADDLEMATES) – EXEMPLO PERFEITO DE WESTERN B


Sunset Carson
A categoria ‘Westerns B’ feitos em série, assim como qualquer outro gênero, possui também filmes que podem ser considerados clássicos. Um deles é “Cavaleiros de Santa Fé” (Santa Fé Saddlemates), quinto de uma série de 15 filmes que Sunset Carson estrelou para a Republic Pictures entre 1944/1946. Dirigido por Thomas Carr, “Cavaleiros de Santa Fé” tem em seus 58 minutos de duração todos os ingredientes que faziam a alegria das plateias das Saturday Afternoon, ou as nossas saudosas matinês, por aqui dominicais. Nos primeiros dez minutos deste filme Sunset Carson trava quatro lutas que servem de aperitivo para a incrível e contínua movimentação deste pequeno western. E entre os adversários de Carson estão alguns dos mais temidos vilões dos westerns B, gente como Roy Barcroft, Bud Geary, Robert Wilke e Keene Duncan. George Chesebro está no elenco mas desta vez do lado do bem. Sobra tempo ainda para Sunset Carson namorar a mais bela de todas as heroínas da Republic Pictures, Linda Stirling, que se tornou conhecida como a ‘Rainha dos seriados’. Imagina-se a algazarra que a gurizada deve ter feito nos ‘poeiras’ em que “Cavaleiros de Santa Fé” foi exibido e não sem razão.


Roy Barcroft e Sunset Carson
Agente disfarçado, outra vez - A história não difere muito das centenas que se viu em tantos pequenos westerns dos ‘Minors’, como eram chamados os estúdios da Poverty Row, em Hollywood.  Sunset Carson é um agente que, a pedido das autoridades de Santa Fé chega disfarçado à cidade que faz fronteira com o México. O objetivo de sua presença é desbaratar uma quadrilha chefiada pelo comerciante John Gant (Roy Barcroft) que pratica roubos e contrabando. Na cidade Carson conhece Ann Morton (Linda Stirling), repórter que disfarçada como saloon girl e que descobre que Sunset Carson é um Investigador Especial. John Gant aguarda a chegada a Santa Fé de um certo Brazos Kane para ajudá-lo na atividade criminosa, mas Sunset Carson se faz passar por Brazos Kane e descobre como Gant age, prendendo o bandido e colocando fim à quadrilha.

Sunset Carson socando um bandido.
Brigas e mais brigas -O mocinho se infiltrar em uma quadrilha usando identidade falsa é comum nos enredos dos pequenos faroestes. Difícil acreditar que um bandido experiente como Roy Barcroft não desconfie que Sunset Carson aparece em Santa Fé para prendê-lo. Certo que Carson dá uma demonstração de força ao enfrentar alguns dos homens de Barcroft, ocasião em que o saloon local é quase todo destruído. Pouco antes em outra luta Sunset Carson já havia arrebentado com mesas e cadeiras de um escritório, forma que o Governado encontrou para comprovar como Carson é bom com os punhos. E não só com os punhos pois o mocinho galopa garbosamente seu cavalo branco em perseguição aos bandidos acertando-os com sua pontaria certeira. Tanta ação tira o fôlego do espectador que só descansa quando Linda Stirling graciosamente canta “La Cucaracha” entre os cowboys do saloon. Originalmente “Cavaleiros de Santa Fé” tem 58 minutos e espaço para outra canção (“Oh Mister”), anunciada nos créditos e que deve ter sido excluída juntamente com os cinco minutos cortados na ótima cópia que circula no Brasil.

Sunset Carson em ação num escritório e no saloon.

Sunset Carson
Curta carreira - Sunset Carson teve curta carreira na Republic Pictures, isto apesar da simpatia que irradiava com seu rosto jovial, de ser bom cavaleiro pois atuou em rodeios antes de ser ator e do 1,96m de altura, que fazia dele o mais alto entre os mocinhos dos faroestes B. Numa das sequências de “Cavaleiros de Santa Fé” é mostrada uma identidade do personagem ‘Sunset Carson’, indicando ter ele 1,90m (6,3”). E sabe-se que a alturas dos atores de cinema sempre geraram controvérsias. Nascido em 1920, aos 26 anos de idade Sunset Carson foi despedido da Republic Pictures por Herbert J. Yates, o dono do estúdio. A alegação foi o ator ter chegado embriagado para o trabalho e ainda acompanhado de uma garota menor de idade. Ainda usando o nome Sunset Carson, o ator tentou prosseguir carreira na pequeníssima produtora Yucca Pictures, onde fez seus últimos westerns. Sunset Carson, cujo nome verdadeiro era Winifred Maurice Harrison, faleceu vítima de um câncer aos 69 anos de idade, em 1990.

Sunset Carson e Linda Stirling

Bud Geary
O bandidão Bud Geary - Entre os importantes nomes do elenco de “Cavaleiros de Santa Fé” está o de Bud Geary, rosto bastante conhecido dos fãs e que, como bandido, deu bastante trabalho a muitos mocinhos do cinema, isto desde os tempos de Buck Jones e Tom Mix. Geary faleceu em 1948 num acidente de automóvel, aos 48 anos de idade. O jovem Robert (J.) Wilke tem uma pequena participação, ele que viria a se firmar com um dos grandes vilões dos westerns A e ator em filmes de boa qualidade. Roy Barcroft dispensa apresentações e sua luta final contra Sunset Carson é espetacular, nada devendo àquelas travadas contra Allan ‘Rocky’ Lane. O ponto fraco é o sidekick interpretado por Olin Howland.

Roy Barcroft e Robert Wilke

Sunset Carson e Linda Stirling
A Rainha dos Seriados - Embora seu personagem seja inteiramente dispensável à história, Linda Stirling é uma festa para os olhos com sua beleza. ‘Rainha dos Seriados’ por suas tantas participações nas fitas em capítulos da Republic, Linda teve carreira relativamente curta na Republic Pictures pois seu primeiro e marcante seriado foi protagonizando a “A Mulher Tigre”, em 1944. Nesse mesmo ano Linda estrelou o seriado “O Chicote do Zorro”, seguindo-se outros seis, até encerrar suas participações nesse tipo de filme com “A Volta de Jesse James”, estrelado por Clayton Moore, em 1947. Nunca mais os seriados ou a própria Republic Pictures tiveram uma estrela como Linda Stirling. Valendo por Linda, por Sunset Carson e pela intensa movimentação, “Cavaleiros de Santa Fé” é imperdível.


20 de outubro de 2016

O DUELO (A GUNFIGHT) – KIRK DOUGLAS E JOHNNY CASH NUMA ARENA DE TOUROS


Lamont
Johnson
(acima)
O western spaghetti teve, inegavelmente, influencia sobre o gênero de modo geral revitalizando-o e rompendo com modelos consagrados em décadas. E não são poucos os faroestes norte-americanos que comprovam essa tese. Se o spaghetti chegou ao extremo da criatividade ao filmar admiravelmente um trielo num cemitério, por que o faroeste norte-americano não poderia filmar um confronto entre pistoleiros dentro de uma... plaza de toros? É isso que acontece em “O Duelo” (A Gunfight), western dirigido por Lamont Johnson em 1971 e escrito por Harold Jack Bloom. Este autor iniciou sua carreira escrevendo e roteirizando em 1953 nada menos que “O Preço de um Homem” (The Naked Spur), o melhor dos excelentes westerns de Anthony Mann. Este duelo levado à tela em 1971 teve como contendores um astro dos faroestes que era Kirk Douglas e o cantor Johnny Cash. Conhecido como ‘The Storyteller’ pelas histórias que narrava em suas canções, muitas delas falando do Velho Oeste e seus personagens, Johnny Cash até que demorou para levar para o cinema o ‘Man in Black’ com que conquistou tantos fãs nos palcos.


Kirk Douglas e Johnny Cash
Dois veteranos pistoleiros - Abe Cross (Johnny Cash) é um pistoleiro que faz uma parada numa pequena cidade do Texas, na fronteira com o México. Nessa cidade vive o também ex-pistoleiro Will Tenneray (Kirk Douglas) agora ganhando a vida no Reata Saloon da cidade. Tanto Cross quanto Tenneray são veteranos do gatilho que já tiveram melhores dias, mas os habitantes da cidade, assim que tomam conhecimento da presença de Cross, passam a fazer apostas num possível confronto de ligeireza e pontaria entre os dois. Francisco Alvarez (Raf Vallone), um comerciante local vê nesse duelo a possibilidade de ganhar dinheiro não só com as apostas, mas promovendo o embate como um espetáculo inusitado. O encontro ocorrerá em Bajo Rio, cidade vizinha além fronteira, dentro da arena onde ocorrem touradas. A princípio contrariados com a ideia, os dois acabam seduzidos pela possibilidade de ganhar um bom dinheiro, especialmente porque apenas um irá sobreviver e poderá começar vida nova com a pequena fortuna ganha no duelo. Tenneray é casado, tem um filho e sua esposa luta inutilmente para convencê-lo a desistir da contenda que afinal ocorre deixando-a viúva.

Raf Vallone e Keith Carradine
Bolsa de apostas - O diretor Lamont Johnson foi bastante premiado por seus muitos trabalhos na televisão, mas fazer cinema é outra história e “O Duelo”, apesar de alguns bons momentos, é um filme que jamais chega a empolgar. Francisco Alvarez representa o oportunista que momentaneamente se torna empresário e sua aposta maior é a possibilidade de Tenneray não sair vivo da peleja. Alvarez manteve durante anos um caso com Nora (Jane Alexander), a esposa de Tenneray e nutre a esperança de voltar a viver com ela. Nora tornando-se viúva em muito facilitaria seu objetivo, além é claro, dos 10% que Alvarez receberá pela promoção do ‘grandioso espetáculo’ que o Texas nunca presenciou. Mesmo percebido por Abe Cross o mal explicado triângulo amoroso, “O Duelo” minimiza essa subtrama que daria maior sabor ao filme e, ao invés disso, fixa-se longamente na preparação do duelo. O roteiro também não explora devidamente a comoção que se apossa dos moradores ávidos por conhecer quem é o mais rápido. O ponto alto deste western acaba sendo a sequência com a presença de um repórter sensacionalista que quer entrevistar os contendores. Estes espertamente cobram para serem fotografados (“25 dólares cada um”, diz astuciosamente Abe Cross) quando do nada surge um jovem pistoleiro em busca da fama (Keith Carradine) desafiando um dos dois. Tanto faz ser Cross como Tenneray pois o que interessa ao audacioso pretendente à fama é justamente a glória de haver derrotado um atirador famoso e ambos o são. É Tenneray quem se mostra mais rápido, matando o jovem pistoleiro e com isso fazendo com que sua cotação suba ainda mais nas apostas.

Jane Alexandre; Jane Alexander e Kirk Douglas

A arena de touros assiste a um duelo.
Aparato de grande evento - O circo em que se transforma a pequena plaza de toros de Bajo Rios tem o aparato dos grandes eventos. Marcado para as quatro horas da tarde, a quarta badalada do sino da igreja próxima é o sinal para que os contendores saquem suas armas diante de centenas e centenas de olhares sequiosos e que testemunham o embate que só faltou ser chamado de ‘o duelo do século’. Mesmo com todo esse presumivelmente interessante cenário e ainda os expressivos Kirk Douglas e Johnny Cash, o resultado é de uma frieza ímpar, perdendo-se o que poderia ser uma notável variação nos westerns norte-americanos. O mesmo Kirk Douglas que viveu em “Duelo de Titãs” (The Last Train from Gun Hill) e em “O Último Pôr-do-Sol” (The Last Sunset) grandes showdowns do faroeste, certamente se decepcionou com este duelo numa arena de touros. Para complementar, Lamont Johnson filma ainda um resultado diferente que se passa na aturdida imaginação da viúva Tenneray. Nada mais despropositado e desnecessário, ainda que a intenção tenha sido ressaltar a amargura da vitória para Abe Cross que como castigo escuta um tedioso discurso da namorada Jenny Simms (Karen Black).


Karen Black e Johnny Cash;
Robert Wilke
Johnny Cash vitorioso no duelo - Kirk Douglas cria seu personagem, como não poderia deixar de ser, com a característica dose de tormento pessoal, não deixando de ser vibrante e sem esquecer o exibicionismo no domínio do Colt e sobre um cavalo. Em sua última cena salta sobre a montaria mostrando-se em forma aos 56 anos de idade. Com tudo que Douglas e sua vasta experiência faz, é Johnny Cash quem vence o duelo de interpretações com seu desalentado Abe Cross. Uma pena mesmo que a carreira de Cash como ator tenha se resumido a apenas mais dois trabalhos como ator no cinema. Cash teve ainda diversas participações especiais em séries de TV. Jane Alexander deixa a impressão de ter sido subaproveitada como Nora Tenneray e Karen Black se sai bem como a simpática saloon girl que se envolve com o pistoleiro. Estranho ver o antigo galã italiano Raf Vallone num faroeste que tem ainda as pequenas participações de Robert Wilke e Keith Carradine. Este, da dinastia de John Carradine, ganharia um Oscar de Melhor Canção em 1976, com “I’m Easy”, de sua autoria, para o filme “Nashville”. O menino Eric Douglas interpreta o filho de Kirk Douglas, ele que era filho do ator na vida real. O destino aprontou uma tristeza para Kirk Douglas que viu, em 2004, o irmão de Michael Douglas morrer de overdose de drogas aos 46 aos de idade.

Kirk Douglas e Johnny Cash
Produção apache - Johnny Cash canta a canção-título “A Gunfight”, que ele mesmo compôs bem ao seu estilo de contador de histórias com suas narrativas canções. Um fato que diferencia “O Duelo” de todos os demais westerns é ter sido o filme produzido totalmente com recursos da tribo Apache Jicarilla. O dinheiro adveio dos investimentos que os Jicarillas possuíam, oriundo da exploração de petróleo e minério em suas terras. Mesmo avisados que no filme não haveria índios os Jicarillas não se importaram pois visavam mesmo era o lucro que porventura o filme rendesse, o que não chegou a acontecer pois pouca gente foi aos cinemas assistir “O Duelo”. Kirk Douglas teria que esperar até 1975 para voltar a fazer um western, quando atuou em “Ambição Acima da Lei” (Posse), este sim um faroeste à altura do renome do grande ator.


A cópia de “O Duelo” foi gentilmente cedida a este blog pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

Note-se o originalíssimo título do filme em sua versão italiana.

12 de outubro de 2016

FIBRA DE HERÓI (BUCHANAN RIDES ALONE) – WESTERN ERRÁTICO DE SCOTT-BOETTICHER


Burt Kennedy e o livro de Jonas Ward.
São frequentes os comentários afirmando que os melhores westerns da celebrada parceria entre Budd Boetticher-Randolph Scott são aqueles quatro que tiveram histórias ou roteiros escritos por Burt Kennedy. E são comumente citados entre os mais fracos da série “Entardecer Sangrento” (Decision at Sundown), de 1957 e “Fibra de Herói” (Buchanan Rides Alone), de 1958. Coincidentemente ambos tiveram roteiros creditados a Charles Lang, sendo que quanto a “Fibra de Herói” o próprio Burt Kennedy fez certa vez um importante esclarecimento. Kennedy contou que Charles Lang adoeceu mal iniciado o roteiro deste filme e os produtores Randolph Scott-Harry Joe Brown pediram a ele Kennedy que concluísse o script. Se “Fibra de Herói” foge do clima sombrio dos demais faroestes da série Scott-Boetticher isso se deve, sem dúvida, ao inusitado tom pretensamente divertido que Burt Kennedy resolveu dar ao roteiro, ele que se tornaria um mestre dos westerns-comédia em seus próximos trabalhos como roteirista e diretor. “Fibra de Herói” foi baseado no livro “The Name’s Buchanan”, de autoria de Jonas Ward, que escreveria em seguida uma série de histórias com o mesmo personagem ‘Buchanan’.


Tom Buchanan chega a Agry Town.
A cidade dos irmãos Agry - Depois de lutar numa das revoluções mexicanas, onde ganhou dois mil dólares, o solitário Tom Buchanan (Randolph Scott) decide retornar ao Texas. Chega então a Agry Town, pequena cidade na fronteira entre México e Califórnia, lugarejo controlado pelos três irmãos Agry. Simon Agry (Tol Avery) é o juiz, Lew Agry (Barry Kelley) é o xerife e Amos Agry (Peter Whitney) dirige o hotel. Mal recebido em Agry Town, Buchanan testemunha quando o mexicano Juan De La Vega (Manuel Rojas) mata Roy Agry (William Leslie), filho do juiz Simon. Um júri condena Juan à forca mas Abe Carbo (Craig Stevens), amigo e conselheiro do juiz o orienta a salvar a vida do mexicano em troca de 50 mil dólares a serem pagos pela rica família De La Vega. Com a ajuda de Buchanan e de Pecos Hill (L.Q. Jones), um dos ajudantes do xerife que se torna amigo de Buchanan, Juan consegue escapar mas é recapturado em seguida. Os irmãos Simon e Lew disputam entre si a posse do dinheiro pago pelo resgate de Juan e nessa disputa acabam ambos mortos. Ao final Juan retorna ao México com os 50 mil dólares, Abe Carbo herda o poder em Agry Town e Buchanan ruma para seu amado Texas.

Manuel Rojas e Randolph Scott;
Randolph Scott e L.Q. Jones.
Herói desfibrado - Um dos mais queridos cowboys do cinema, Randolph Scott recebeu o apelido de ‘Rosto de Pedra’ pela impassividade de sua fisionomia, mesmo quando submetido a momentos de tensão. Scott, porém, sabia sim se mostrar descontraído, cínico e mesmo dramático se o personagem assim o exigisse. Difícil, porém, é interpretar um cowboy estúpido, quase idiotizado como o Tom Buchanan de “Fibra de Herói”, título em Português inteiramente inadequado uma vez que o herói do filme não chega a demonstrar muita energia e garra. Buchanan até que se mostra divertido ao chegar a Agry Town desmoralizando com seu humor pilhérico os irmãos que dominam a cidade que apelida de ‘Ten Dollars Town’. Tudo lá, seja um bife, uma garrafa de uísque, um ou mais dias no hotel, custa exatamente essa quantia. Conseguindo sair de uma enrascada quando já estava com a corda no pescoço, Buchanan quer reaver seus dois mil dólares que foram parar no cofre do xerife Lew Agry, mas se dá mal e assina nova sentença de morte ao ser convidado a sumir da cidade. Porém como texano com texano se entende, eis que Buchanan ganha a preciosa ajuda de seu conterrâneo Pecos Hill que o salva da morte certa sem que o desfibrado herói esboce qualquer reação. E Buchanan já havia sido salvo da forca por razões de marketing político arquitetado por Abe Carbo, o assessor do juiz Simon Agry. A esta altura ninguém mais acredita que o grande Randolph Scott, jocosamente reverenciado em “Banzé no Oeste” (Blazing Saddles), seja capaz de vencer os gananciosos irmãos Agry. E vale lembrar que na clássica comédia de Mel Brooks tudo na cidade dirigida por ‘Hedley Lemar’ pertencia a um certo Johnson, o Agry local.

Acima L.Q. Jones com Roy Jenson e
Al Wyatt Sr.; abaixo os mal amarrados
 Roy Jenson, Robert Anderson
e Al Wyatt Sr.
Western desorientado - Sem boas lutas e sem cavalgadas, “Fibra de Herói” provoca risos com o discurso de Pecos Hill ao ‘enterrar’ um bandido que matara, seu ex-companheiro, sobre uma árvore porque a cova aberta por Buchanan minava água. O personagem de L.Q. Jones diz então que o morto até que não era ruim, apesar de trapacear no jogo de cartas e lhe roubar dinheiro da carteira. Buchanan parece perder até nas falas engraçadas como essa, mas se recupera em alto e obtuso estilo ao dominar três bandidos dentro de uma cabana. O Randolph Scott, de tantas e gloriosas aventuras usa cordas para enlaçar levemente o trio e parte do local ali deixando as armas e cavalos dos malfeitores. Poucos segundos depois os bandidos que sem dificuldade alguma se soltaram das cordas estão a cavalo e armados no encalço daqueles que os dominaram. Nem Mel Brooks criaria um herói como Buchanan que, após a demonstração de total inépcia, deixa as coisas acontecerem segundo determinam os cobiçosos Agry, os valientes Juan De La Vega e Estebán Gomez e o misterioso e elegante Carbo. Morto o aparvalhado Pecos Hill, Buchanan passa a ser privilegiado espectador do desfecho deste decididamente western sem rumo.

Barry Kelley e Peter Whitney;
o barman é Nacho Galindo.
O estranho personagem da charrete - A sequência final com a disputa do alforje com 50 mil dólares sobre a ponte que separa Agry Town do México poderia resultar memorável em meio aos grandes momentos dos westerns de Scott-Boetticher. No entanto logo Buchanan se vê sem balas em seu Colt e do outro lado da ponte não há entre os bandidos nenhum Lee Marvin, Richard Boone, Claude Akins, Henry Silva ou Lee Van Cleef, homens maus que aterrorizaram os personagens vividos por Scott nos faroestes que fez com Budd Boetticher. Os bandidos de “Fibra de Herói” bem poderiam atender pelos nomes ‘Moe’, ‘Larry’ e ‘Curly’ e Peter Whitney, muito apropriadamente é chamado pelo irmão xerife de ‘frango sem cabeça correndo pelas ruas’. Sem vilões interessantes, com Randolph Scott aparentemente mais preocupado com suas partidas de golfe e com uma história que mais parece ter sido escrita por alguém que tomou algumas doses a mais, “Fibra de Herói” é o que se pode chamar de western errático. Deixa, ao final, no espectador a interrogação sobre o que pretendiam os autores com o personagem ‘Abe Carbo’, com seus trajes a la ‘Wilson’ criado por Jack Palance em "Shane", mas que não luta, não atira, está sempre ao lado de um pachorrento juiz e só anda numa reluzente charrete.

Craig Stevens na charrete; Stevens com Tol Avery.

L.Q. Jones
Filme sem heroína - O elenco deste western de Budd Boetticher possui apenas um destaque que é L.Q. Jones ainda novato e sem o brilho bestializado no olhar que o caracterizaria ao longo de sua carreira de muitos filmes, diversos deles sob as ordens de Sam Peckinpah. Neste western de Boetticher, Jones tem um de seus melhores papéis, possibilitando demonstrar o ótimo ator que ele era, nem sempre bem aproveitado e relegado invariavelmente a personagens irrelevantes. Randolph Scott não precisou se esquivar do beijo final, como tantas vezes o fez em seus filmes pois não há mocinhas neste western. Craig Stevens em seu trabalho seguinte se tornaria famoso como ‘Peter Gunn’, série imortalizada antes de tudo pelo incomparável tema musical criado por Henry Mancini. Atenção para a presença de Roy Jenson como um dos homens do xerife e de Al Wyatt Sr., desta vez como ator, ele que foi dublê de incontáveis cowboys do cinema.

Budd Boetticher
Ponto baixo - Inquestionavelmente Budd Boetticher merece ter seu nome entre os grandes diretores de westerns, mas quem quiser conhecer a obra desse aventureiro diretor não deve jamais começar por este fraco “Fibra de Herói”. Boetticher é reconhecido pela concisão e vigor de seus faroestes, todos eles produzidos com orçamentos pequenos mas que resultaram quase sempre em filmes brilhantes, quando não em pequenas obras-primas como “Sete Homens Sem Destino” (Seven Men From Now) e “O Homem que Luta Só” (Ride Lonesome). E são faroestes como estes que tornam “Fibra de Herói” quase indigno do nome de Budd Boetticher, ainda mais por ter contado com a colaboração de Burt Kennedy.



"Fibra de Herói" foi gentilmente cedido pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

5 de outubro de 2016

SUBLIME TENTAÇÃO (FRIENDLY PERSUASION) – GARY COOPER, UM DIGNO PACIFISTA


Acima Jessamyn West e seu livro; abaixo
Katharine Hepburn, Ingrid Bergman,
Vivie Leigh, Jane Wyman,
Eleanor Parker e Maureen O'Hara.
A Allied Artists era um pequeno estúdio (sucessor da Monogram), especializado nos anos 50 em faroestes B, aventuras do jovem Bomba (Johnny Sheffield) e comédias com Os Anjos da Cara Suja. Pois foi a Allied Artists que acabou realizando um dos mais disputados projetos de Hollywood que era levar à tela o livro “Friendly Persuasion”, de autoria da escritora Jessamyn West. Lançado em 1945 e obtendo de imediato enorme sucesso, os direitos sobre o filme acabaram nas mãos de William Wyler que inicialmente pensou em Bing Crosby para interpretar o chefe da família Quaker do Sul de Indiana. Crosby não se interessou e Wyler foi atrás de Gary Cooper que, afirmando sempre ter outros compromissos, fugiu o quanto pode da proposta, até que em 1956 Cooper finalmente aceitou o trabalho, com a condição de ter Ingrid Bergman como sua esposa no filme. Devido a seus compromissos com as filmagens de “Anastácia, a Rainha Esquecida”, a atriz sueca teve que recusar, sendo então sucessivamente convidadas Katharine Hepburn, Jane Wyman, Viven Leigh, Eleanor Parker e Maureen O’Hara. Como não houve acerto com nenhuma delas Dorothy McGuire foi contratada para desgosto de Gary Cooper que não considerava Dorothy uma atriz à altura de seu prestígio de ator para ser sua leading-lady. Superprodução para os econômicos padrões da Allied Artists, “Friendly Persuasion” (“Sublime Tentação” no Brasil) foi indicado para o Oscar em seis categorias, obtendo razoável sucesso e é para muitos um dos mais belos filmes da década de 50. E muito se discute, até hoje, se “Sublime Tentação” pode ou não ser considerado um western.


Dorothy McGuire e Gary Cooper
Quakers e a Guerra Civil - Jessamyn West atuou como consultora durante a produção, sendo o roteiro escrito por Michael Wilson, cujo nome constava da lista negra de Hollywood. Nessa história passada em 1862, Jess Birdwell (Gary Cooper) e sua esposa Eliza (Dorothy McGuire) estão apreensivos com a aproximação de forças confederadas, então avançando sobre territórios nortistas. Os Birdwells são Quakers, religião que refuta qualquer prática de violência, mesmo quando suas propriedades estão ameaçadas por saqueadores membros de destacamentos sulistas. Mattie Birdwell (Phyllis Love), filha de Jess e Eliza se envolve amorosamente com Gard Jordan (Mark Richman), soldado da União. Quaker menos convicto, Josh Birdwell (Anthony Perkins), filho mais velho do casal, se defronta com o dilema de se juntar a um grupo armado para emboscar um destacamento que se aproxima das áreas próximas à fazenda de Jess Birdwell. Josh termina por empunhar armas, no que é seguido por seu pai, enquanto até mesmo a esposa Eliza se esquece momentaneamente de seus princípios religiosos.

Dororthy McGuire
Princípios religiosos acima de tudo - Para alguns críticos o estilo de William Wyler era ‘não possuir estilo’ pois esse diretor nascido na Alsácia (Alemanha), apesar de tantos excelentes filmes não deixava sua marca pessoal em nenhum neles. Com “Sublime Tentação” Wyler chegou bastante perto do que John Ford gostava de fazer no cinema, ou seja, escrever a ‘Americana’, a história e costumes do povo norte-americano, especialmente da gente das pequenas cidades e áreas rurais. Este drama rural é narrado de modo agradável, delicado e com muitos momentos de humor, mais até do que seria necessário. O clímax, que deveria ser a aguardada batalha entre uma guarda local formada por civis e um destacamento confederado, torna-se secundária diante da questão mais importante do filme que é a discussão de até onde princípios religiosos podem determinar as decisões pessoais. “Um homem deve ouvir a voz da sua consciência” diz Jess quando questionado a respeito de seu filho Josh empunhar ou não armas. Quando o motivo da guerra entre irmãos é aludido como argumento, nem mesmo para conseguir a liberdade de alguém um Quaker se disporia a matar um semelhante.

Gary Cooper e Dorothy McGuire
Tentações irresistíveis - O roteiro de Michael Wilson tem momentos brilhantes, menos com a muito focalizada hesitação do filho Josh, mas sim com as ‘desobediências’ do pai Jess. Como quando ele decide comprar o órgão, instrumento musical impensável para um Quaker. Ou ainda quando Jess se trai pelo gosto de disputar corrida de charrete com seu amigo Sam Jordan (Robert Middleton). Em outro momento o Jess se torna conivente com o assédio ao qual seu filho Josh é submetido pelas três ávidas filhas da viúva Hudspeth (Marjorie Main), há anos sem ver um homem e, ele mesmo Jess, percebendo a nada discreta insinuação da velha senhora. O melhor de todos esses episódios é quando a contrariada Eliza decide dormir sozinha no celeiro vindo a ter a companhia do marido que lhe traz cobertores. A noite que se anunciava angustiante termina tão prazerosa que Jess não se contém e diz à esposa pela manhã: “Vamos dormir lá outras vezes?”. Essa cumplicidade entre o casal Quaker é saborosíssima, mais ainda porque sua crença impede a senhora Birdwell sequer de esboçar um sorriso de aprovação.

Marjorie Main e Gary Cooper; Marjorie Durant, Anthony Perkins, Edna Skinner,
Frances Farwell, Marjorie Durant e Gary Cooper.

Dorothy McGuire, Gary Cooper e Walter Catlett; a corrida de charretes.

Dorothy McGuire
Surra de vassoura - Se Jess Birdwell passa por constantes conflitos íntimos, sequer pensa neles a filha Mattie, apaixonada pelo soldado Gard Jordan e para quem as convenções religiosas da família são de menor importância. O prazer da dança e a emoção de estar junto do namorado falam muito mais alto para a jovem Mattie. Resoluta em jamais usar qualquer forma de violência, mesmo verbal, Eliza Birdwell empunha uma vassoura como arma para defender Samantha, a gansa de estimação da família e, após surrar o soldado confederado que já imaginava a ave assada, percebe que mesmo ela havia esquecido e desobedecido seus princípios, em outra sequência deliciosa. São esses momentos e a descrição primorosa dos costumes daquela gente simples que tornam encantador o filme de Wyler. O cínico e intrometido Sam Jordan rindo dos apuros conjugais do amigo Quaker são igualmente ótimas e altamente críticas passagens de “Sublime Tentação”.

Samantha, Don Kennedy e Dorothy McGuire

Robert Middleton
Refinada persuasão - Há uma contradição no comportamento da senhora Birdwell tão ciosa ao não aceitar a violência mas permitir que os saqueadores sulistas levem tudo de sua fazenda. Chega ao extremo de, para não revidar, permitir que aquele bando de homens pratiquem selvageria, traindo sua gente, muitos deles arriscando suas vidas na improvisada emboscada no rio próximo. Essa é uma das rápidas sequências de ação que duram pouco mais de dez minutos na parte final do filme de Wyler. Numa delas Jess Birdwell não consegue disparar contra um soldado confederado que matara seu amigo metodista Sam Jordan e tentara também matá-lo. Essa que deveria ser uma cena de grande impacto torna-se fraca e inconvincente na tentativa de ser exemplar. Wyler desenvolveu seu filme com refinada persuasão, fechando-o infelizmente de modo pouco inspirado.

Richard Hale e Gary Cooper; Gary Cooper e Robert Middleton

Gary Cooper e Dorothy McGuire
Gary e Dorothy adoráveis - Consta que Gary Cooper insatisfeito com o que viu nas diversas etapas de filmagem se desinteressou de tal forma pelo filme que nunca o assistiu. Certamente é um exagero a autocrítica de Cooper achando que não tenha se saído bem como o cético e por vezes sarcástico Quaker. A ele “Sublime Tentação” deve muito de sua graça e emoção e esta é uma de suas excelentes interpretações moldadas na sobriedade, sem nenhuma afetação como deve ser o modo de um Quaker. À altura de Cooper está a magnífica atuação da esplêndida Dorothy McGuire, nunca menos que adorável como a determinada esposa Quaker. Eliza Birdwell chega a ser antipática ao negar a si e a todos um momento mínimo de felicidade e Dorothy assim se expressa formidavelmente. Anthony Perkins ainda não marcado pelo personagem de sua vida (Norman Bates) é apenas regular como o filho que tenta imitar os gestos e ideias do pai. Mesmo assim Perkins foi indicado ao Oscar de Melhor ator Coadjuvante. Do vasto elenco reunido para esta produção, destaque maior entre os coadjuvantes para o ótimo Robert Middleton, para Marjorie Main que faz divertida parceria com Gary Cooper, John Smith como um dos jovens Quakers e para Russell Simpson como o sisudo membro do comitê de anciãos. Consta dos créditos o nome da gansa Samantha, o que não é algo inusitado pois os cavalos de Roy Rogers, Gene Autry, Tom Mix e outros cowboys também mereciam esse destaque, assim como a Cheetah nas aventuras de Tarzan.

Anthony Perkins; Charles Halton, Russell Simpson e Everett Glass

Acima o roteirista 'blacklistado'
Michael Wilson e Phyllis Love;
abaixo álbum de Pat Boone contendo
o hit "Friendly Persuasion".
Seis indicações e nenhum Oscar - Entre as muitas curiosidades deste filme está o fato de Dorothy McGuire (nascida em 1918) interpretar a mãe da atriz Phyllis Love (nascida em 1925), sendo apenas sete anos mais velha. William Wyler fez questão que seu filmes fosse lançado no majestoso Radio City Music Hall, em Nova York, coisa que jamais havia acontecido com um filme da pequena Allied Artists. Wyler, cujo conceito como diretor era dos maiores conseguiu levar “Sublime Tentação” para a famosa casa de espetáculos. Pat Boone gravou a canção-título de autoria de Dimitri Tiomkin com letra de Paul Francis Webster, música que alcançou êxito na voz romântica de Boone. A canção “Friendly Persuasion (Thee I Love)” concorreu ao Oscar de Melhor Canção ao lado de outras cinco indicações (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Som e Melhor Roteiro Adaptado). O filme acabou não recebendo nenhum prêmio da Academia em nenhuma dessas categorias. Michael Wilson, o autor do roteiro teve seu nome retirado dos créditos do filme pela Allied Artists, isto devido a Wilson fazer parte da Lista Negra de Hollywood por não ter colaborado com o comitê presidido pelo Senador Joseph McCarthy. Mesmo assim Wilson recebeu a láurea de Melhor Roteiro Dramático do ano de 1957, outorgado pela associação dos roteiristas de cinema (Writers Guild of America). Quando “Sublime Tentação” foi lançado em DVD Wilson teve seu nome inserido nos créditos, forma de reparar uma das maiores injustiças cometidas por Hollywood. Este filme de Wyler foi o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1957 e Wyler gostou tanto de trabalhar com a escritora Jessamyn West que a contratou como roteirista para sua produção seguinte que foi o western “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country)

William Wyler dirigindo Gary Cooper
e Marjorie Durant.
Western ou não western - O responsável pela bela fotografia foi Ellsworth Fredericks e a trilha musical teve a autoria de Dimitri Tiomkin, neste bem cuidado filme que é comumente classificado como western. Assim como ocorreu com “...E o Vento Levou”, a Guerra Civil surge como pano de fundo para uma história dramática. A melhor classificação para “Sublime Tentação” seria na categoria ‘Drama’, não deixando, porém, de ser um ‘Western impuro’, aquele ao qual faltam os mais autênticos elementos de um faroeste. A figura de Gary Cooper bastante ligada ao gênero na década de 50, na qual atuou em nada menos que uma dezena de faroestes, também ajudou na aceitação de “Sublime Tentação” como western. Agradável de se assistir, com história interessante e sentimental, o filme de William Wyler só não agradará àqueles que esperarem ver algo trepidante como o espetacular “Vera Cruz”.


Em primeiro plano, à esquerda, John Pickard, Anthony Perkins e Tom London

Dorothy McGuire

Anthony perkins, Richard Hale, John Smith e Robert Fuller, no canto à direita;
Peter Mark Richman, Gary Cooper e Robert Fuller.

Richard Eyer, Phyllis Lve, Gary Cooper, Dorothy Mcguire e Anthony Perkins;
Marjorie Durant, Frances Farwell e Edna Skinner.