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Acima Raoul Walsh e Errol Flynn; abaixo Troy Donahue e Errol Flynn. |
Raoul Walsh estava com 77 anos quando
dirigiu seu último filme, o western “Um Clarim ao Longe” (A Distant Trumpet) em
1964. Em sua longa carreira como diretor iniciada em 1913 Walsh (que também era
ator) dirigiu mais de uma centena de longas-metragens, alguns deles clássicos filmes
noir, de guerra e westerns, a maior parte dessas películas na década de 40. Nos anos 50
Walsh dirigiu 20 filmes não mantendo, no entanto, a mesma qualidade do decênio
anterior. Quando tudo indicava que Raoul Walsh já estivesse aposentado eis que
a Warner Bros. lhe entrega a direção de uma elaborada produção que foi “Um
Clarim ao Longe”. Com esse filme sobre a Cavalaria o estúdio esperava que Walsh
reeditasse o êxito de “O Intrépido General Custer” (They Died With Their Boots
On), sucesso de crítica e público em 1941, dirigido por Walsh. O processo
Panavision e o Techicolor poderiam compensar o peso dos anos que o diretor
carregava para realizar um filme de ação, ele que desde 1928 enxergava com uma
só vista, tendo perdido a direita num acidente de automóvel. Mas o filme sobre Custer tinha Errol Flynn como protagonista,
enquanto para estrelar “Um Clarim ao Longe” a Warner Bros. escalou o galã dos
dramas românticos Troy Donahue. Entre Flynn e Donahue havia uma diferença maior
que o Território do Arizona onde se desenrola a história.
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O Tenente Hazard em West Point e no Fort Delivery. |
Cavalaria X
Apaches Renegados - “A Distant Trumpet” foi um dos muitos livros
escritos por Paul Horgan, autor que por duas vezes recebeu o Prêmio Pulitzer
por histórias ambientadas no Sudoeste norte-americano. Curiosamente somente “A
Distant Trumpet”, da obra de Horgan, foi levada ao cinema, sendo roteirizada
pelo experiente John Twist, roteirista com dezenas de títulos a seu crédito,
entre eles o western “Golpe de Misericórdia” (Colorado Territory) dirigido por
Raoul Walsh em 1949. Como indica o título, “A Distant Trumpet” (Um Clarim ao
Longe) passa-se no Fort Delivery, posto mais avançado do Sudoeste do Exército
Norte-Americano em 1883, fase final da guerra mantida contra os índios
escorraçados das terras onde viviam há séculos. Recém-formado em West Point, o
2.º Tenente Matthew Hazard (Troy Donahue) é destacado para servir no Fort
Delivery, que é comandado pelo Tenente Teddy Mainwarring (William Reynolds) oficial
casado com Kitty Mainwarring (Suzanne Pleshette). O Tenente Mainwarring falece
em missão, morto por Apaches Chiricahuas e Hazard, que havia se envolvido
amorosamente com Kitty, passa a exercer a liderança do Fort Delivery. O General
Quaint (James Gregory), ex-professor de Hazard em West Point, chega ao Fort
para convencer o Chefe War Eagle (Pete Grey Eyes) a se render juntamente com
seus guerreiros para viver em paz numa reserva no Território do Arizona. Após
uma batalha entre a Cavalaria e os Chiricahuas, o Chefe War Eagle se refugia em
Serra Madre e Hazard é enviado para convencer o chefe Apache a aceitar a
proposta de paz, sendo bem sucedido na missão. No entanto contraordens de
Washington encaminham os índios para uma reserva no Estado da Flórida,
descumprindo a promessa feita por Quaint e Hazard. O Governo outorga a Hazard a
Medalha de Honra do Congresso mas o Tenente devolve a honraria por discordar do
tratamento dado aos Apaches. O general Quaint expõe então a situação ao
Presidente dos Estados Unidos que ordena o retorno dos índios para o Arizona.
Hazard recebe sua medalha de volta, casa-se com a viúva Mainwarring e passa a
comandar o Fort Delivery.
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Troy Donahue; James Gregory e Donahue. |
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Suzanne Pleshette e o simbólico gerânio (como o cacto em "O Homem que Matou o Facínora"); Suzanne e Diane McBain. |
Romances em
Fort Delivery - Histórias de Cavalaria sempre renderam bons westerns e “Um
Clarim ao Longe” não foge à regra pois o filme de Raoul Walsh mostra os rigores
da vida dentro de um forte, o treinamento da tropa, passando por espetaculares
sequências de batalhas e chegando à política sórdida desenvolvida em Washington
em relação aos índios. E há ainda as menos relevantes intrigas amorosas para
contentar os espectadores mais românticos. O negligente comandante do Fort
Delivery (Tenente Mainwarring) faz de conta que não percebe a insatisfação de
sua volúvel esposa no primeiro triângulo amoroso que se finda com a morte de
Mainwarring. Chega então ao forte, vinda do Leste, Laura (Diane McBain), a noiva
do Tenente Hazard que impede a insinuação da viúva Mainwarring sobre seu noivo,
segundo triângulo envolvendo Hazard e Mary. No entanto o tratamento dado a
essas subtramas não é satisfatório, seja pelos diálogos inócuos ou pela própria
construção da trama. Numa sequência típica dos menos imaginativos westerns B, Hazard
salva Mary que está sozinha dentro de uma carroça em disparada. O dia ensolarado
dá lugar um temporal que molha as roupas da mulher e magicamente surge uma
caverna onde ambos se abrigam. Mary fica seminua pois suas roupas estão
secando enquanto a farda de Hazard permanece, estranhamente, seca. Cai a noite
para alegria da moça que conquista o jovem oficial nessa sucessão incrível de
clichês. Tempos depois não é difícil para Mary vencer a disputa contra a
preconceituosa Laura que, coincidentemente, é sobrinha do General Quaint. Só
mesmo Laura não percebe que o Tenente Hazard é um exemplo de integridade, ainda
que liberal o bastante para amar uma mulher casada, tipo de homem que jamais se
casaria com alguém com pensamento tão radical como o de Laura.
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Troy Donahue entre dois amores (Pleshette e McBain) no Fort Delivery. |
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Cenas de uma inquisição: James Gregory inquire Bartlett Robinson, Judson Pratt e Troy Donahue; depoimento de Claude Akins. |
A
vida num forte - “Um Clarim ao Longe” é muito mais interessante quanto
trata da vida na caserna, mesmo que falte a deliciosa poesia com que John Ford realizou
sua memorável Trilogia da Cavalaria. O Tenente Hazard chega a Fort Delivery e
transforma a tropa indolente em cavaleiros hábeis dispostos a enfrentar as árduas
missões contra os apaches. A chegada ao forte do comerciante-proxeneta Seely
Jones (Claude Akins) trazendo diversão (e doenças) em forma de bebida e
mulheres é momento incomum em filmes de Cavalaria. Também insólito é o castigo
imposto ao acovardado soldado desertor, marcado a ferro por ordem de Hazard. Inaudita
é também a farsa em forma de julgamento montada pelo General Quaint para
enganar os Apaches e ludibriar os esperto Seely Jones, personagem que mesmo
pouco explorado é um dos mais completos escroques mostrados em faroestes. E
bastante feliz é o roteiro de John Twist quando toca no antagonismo de posições
em relação à causa indígena e quanto ao que sofreram os nativos por acreditar
na palavra dos brancos. Conquistas para os índios só podiam ser conseguidas
através do idealismo de alguns poucos homens, no filme os oficiais Quaint e
Hazard, e mesmo assim através da chantagem da devolução das comendas diante de
convidados e da imprensa. Quaint lembra ao pusilânime Secretário de Guerra que “a imprensa livre e o eleitor americano”
são as únicas armas possíveis para que os índios mereçam tratamento digno. E na
linha de revisionismo da questão dos nativos iniciada no cinema nos anos 50, o Chefe
Apache War Eagle lembra que os brancos “destroem
nossos homens com balas e uísque, tomam nossas terras, nossa liberdade, enviam
homens para matar nossas mulheres e nossas crianças e nos tratam como feras”.
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Claude Akins leva diversão ao Fort Delivery. |
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Acima tropas e índios em movimento no Red Rock State Park; algumas das dezenas de quedas de cavalos. |
Estupenda
cinematografia - Nada, porém, em “Um Clarim ao Longe”, é mais empolgante
que as sequências de batalha filmadas no Red Rock State Park, no Novo México .
Centenas de homens e suas montarias, soldados e apaches, ocupando toda a
extensão da tela em Panavision, num belíssimo balé num tempo em que não se sonhava
com a duplicação de imagens no processo CGI (Computer Generate Imagery).
Incontáveis quedas de cavalo – quase sempre por parte dos apaches, como se cavalarianos
não fossem nunca atingidos ou jamais perdessem o equilíbrio – dão colorido
especial a essas sequências nunca menos que espetaculares. Esse brilhante canto
do cisne do mestre do filme de ação que foi Raoul Walsh é enriquecido pela
cinematografia estupenda de William H. Clothier, sabe-se lá por qual razão não
indicada para o Oscar de melhor Fotografia em Cores, que nesse ano ficou com
“Dr. Jivago”. A música sempre em crescendo composta por Max Steiner acarreta
ainda mais emoção às imagens e nem mesmo a compulsão de Steiner para o
excessivo uso de temas musicais próximos da mazurka comprometem as verdadeira
pinturas cinematográficas criadas por Walsh e Clothier. Desde “Legião
Invencível” (She Wore a Yellow Ribbon), realizado por John Ford em 1949, o
western não via um tão grande conjunto de esplendorosas imagens.
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Movimentação coreografada da Cavalaria norte-americana. |
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James Gregory e uma de suas muitas frases em Latim; Claude Akins. |
Latin
no Velho Oeste – A Warner Bros. se arriscou demais ao acreditar que o galã
Troy Donahue pudesse convencer como soldado bravo em luta contra Apaches e
contra a política de seu exército. Troy faz o que pode, ou seja, quase nada,
para dar vida ao personagem amorfo que interpreta, mas sua inexpressividade só
é menor que a falta de habilidade para subir e descer do cavalo e para socar um
soldado subalterno desrespeitoso. Ídolo das teenagers, Troy não convence nem
mesmo como homem capaz de conquistar uma surpreendentemente provocante e
frívola Suzanne Pleshette, por sinal ainda sua esposa na vida real. O casamento
que durou um ano acabou com o término das filmagens de “Um Clarim ao Longe”.
Não é de Suzanne a melhor interpretação deste western porque James Gregory
reina absoluto com soberbo desempenho. Certo que a cada diálogo torna-se mais e
mais caricato ouvir o General Quaint interpretado por Gregory gastar o Latim
com frases como “Veni, vidi, vici” e
outras menos conhecidas. Elenco com poucos nomes conhecidos, reunido com a
visível intenção de economizar no cast, destacando-se, como não poderia deixar
de ser, Claude Rains, ainda que um tanto exagerado e tornando seu personagem
caricatural. Bons Judson Pratt e Bartlett Robinson como os oficiais do Fort
Delivery. Uma boa surpresa é ver Lane Bradford ter um minuto inteiro só para
ele na tela, ao contrário das tantas vezes em que morre rapidamente sem merecer
crédito. E difícil é aceitar que o batedor apache não tenha sido creditado após
importante, apesar de fraca, participação no filme. Diane McBain é o
correspondente feminino de Troy Donahue e só. Atenção para a presença de um
bastante jovem Neil Summers como soldado.
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Troy Donahue e Suzanne Pleshette que foram casados na vida real por um ano, casamento que acabou com o fim das filmagens de "Um Clarim ao Longe". |
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Uma caricatura de Raoul Walsh. |
Faltou
McQueen ou Coburn – Assim como John Ford, Raoul Walsh
foi um grande ‘matador de índios’ nos faroestes norte-americanos. E assim como
Ford fez em 1964 com “Crepúsculo de uma Raça” (Cheyenne
Autumn), Walsh também se redimiu com um filme que reconta a história
(verdadeira) das guerras contra os índios que levou ao extermínio das grandes
nações nativas daquele país. Em “Um Clarim ao Longe” os Apaches falam em sua própria
língua, traduzida com legendas, como viria a fazer Kevin Costner em “Dança com
Lobos” (Dances with Wolves). Este canto do cisne de Raoul Walsh deixou de ser
um clássico pela falta de um ator que expressasse a força necessária do
personagem ‘Tenente Hazard’. Com Steve McQueen ou James Coburn nesse papel, “Um
Clarim ao Longe” seria certamente muito melhor. Mesmo assim este é um western
com tom épico que dá aos fãs de faroestes um enorme prazer em ser visto e
revisto.
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Parte do discurso do Chefe Apache War Eagle. |