(Matéria revista e ampliada – 1.ª publicação neste blog em 12/4/2011)
O mesmo cinema que em outros tempos romantizava e idealizava enganosamente a vida de homens célebres, passou a mostrar a verdade de suas biografias. Um das mais polêmicas personalidades da história norte-americana foi o General George Armstrong Custer, a quem Hollywood, nas primeiras cinco décadas, retratou como mártir e herói e hoje é visto nas telas de modo bastante diferente, para dizer o mínimo.
Acima o cadete George Armstrong; abaixo o cadete Errol Flynn. |
O PIOR CADETE DE WEST POINT - Se no início da 2.ª Guerra Mundial foi importante para os Estados Unidos levantar o moral do cidadão norte-americano construindo uma imagem fantasiosa de um grande herói, em tempos de pós-Vietnã a desmistificação veio de forma até cruel. E descobrimos que Custer era péssimo aluno, tendo sido o último colocado entre os 34 cadetes graduados em West Point em 1861. Suas notas eram assombrosamente baixas, somente conseguindo se tornar 2.º tenente porque já estava em curso a Guerra de Secessão e mais oficiais eram necessários para enfrentar o Sul que estava fortemente armado e liderado por generais como Robert Lee, Jeb Stuart e Thomas 'Stonewall' Jackson. E descobrimos que Custer era um homem egocêntrico, megalomaníaco e, usando um termo em moda, perfeito ‘marqueteiro’. E descobrimos que Custer era um sádico ávido por exterminar as nações indígenas pois isso lhe dava projeção nacional. E descobrimos que, mesmo como estrategista, Custer foi um fracasso levando à morte, em Little Big Horn, praticamente todo o 7.º Regimento de Cavalaria sob seu comando. Mas independente da verdade histórica o apaixonado por cinema jamais deixará de se emocionar ao rever pela enésima vez Errol Flynn (Custer) sucumbir diante dos milhares de índios comandados por Anthony Quinn (Crazy Horse) na batalha final de “O Intrépido General Custer”.
Ronald Reagan como Custer; Errol Flynn como J.E.B. Stuart |
UM SÉCULO DE CUSTER NO CINEMA - Inúmeras vezes a vida de Custer foi levada ao cinema, outras tantas ele apareceu em filmes como personagem importante nas histórias do Velho Oeste. A TV não ficou atrás, explorou e até hoje explora a imagem do irrequieto oficial da Cavalaria Norte-Americana. A primeira vez que isso aconteceu foi em 1912, em “Custer’s Last Fight”, dirigido e protagonizado pelo então poderoso Francis Ford, que já lançava no cinema seu jovem irmão Jack (John) Ford. Era um filme de 30 minutos, curto mas suficiente para iniciar a glorificação cinematográfica de Custer. Por diversas vezes a Batalha de Little Big Horn seria assunto de westerns no cinema mudo, sendo que as últimas e mais importantes foram em 1926 com produções estreladas por atores de renome como Dustin Farnum em “Flaming Frontier” e John Beck em “General Custer at Little Big Horn”. Custer estreou no cinema falado na pele do ator William Desmond em “O Fantasma Vingador” (The Last Frontier), seriado em 12 episódios estrelado por Creighton Chaney, que depois mudaria o nome para Lon Chaney Jr. Em 1936, o lendário general foi interpretado por John Miljan na superprodução de Cecil B. DeMille “Jornadas Heróicas” (The Plaisman), em que Gary Cooper interpreta Wild Bill Hickok. Em 1940 George Armstrong foi interpretado por Paul Kelly, em “O Bamba do Sertão” (Wyoming), estrelado por Wallace Beery. Em seguida por Addison Richards em “Badlands of Dakota”, estrelado por Robert Stack. Em 1940 foi a vez de Ronald Reagan se transformar no General Custer em “A Estrada de Santa Fé”, filme em que a estrela era Errol Flynn interpretando o general sulista Jeb Stuart, numa das muitas vezes em que foi dirigido pelo diretor Michael Curtiz. E viria, então, o mais famoso filme abordando a vida de Custer.
Jamais alguém comandou um regimento de Cavalaria como Errol Flynn. |
O INTRÉPIDO ERROL FLYNN - O ano era 1941 e a Warner escalou a dobradinha Michael Curtiz-Errol Flynn para mais um sucesso garantido que seria a biografia de George Armstrong Custer, exatamente num momento em que eclodia o maior conflito mundial de todos os tempos. Errol Flynn sempre gostou de uma boa confusão e avisou Jack Warner que não queria mais trabalhar com aquele húngaro maluco (Curtiz). Como o papel de Custer era talhado para Errol Flynn, Jack Warner substituiu o detestado mas confiável diretor por Raoul Walsh que por sinal ficava muito mais à vontade no gênero western que o diretor de “As Aventuras de Robin Hood” e “Capitão Blood”. O filme biográfico se chamou “O Intrépido General Custer” (They Died With Their Boots On) e arrasou nas bilheterias, como não poderia deixar de ser. Hoje pode-se dizer que o sucesso desse filme foi tão grande quanto as críticas negativas que passou a sofrer nas últimas décadas, isto por ser um filme sem nenhum compromisso com a verdade histórica, ou seja, típico produto da Hollywood da época de ouro do cinema. Porém, todo garoto, após ver o filme, saia do cinema sonhando ser tão heróico como aquele general de cabelos longos e jaqueta de couro amarela com franjas. E nas brincadeiras de mocinho a meninada gostava de morrer de forma épica como o Custer de Errol Flynn, com a espada em uma mão e o revólver na outra em meio aos ‘covardes’ índios. Afinal o cinema sempre foi uma fábrica de ilusões.
Acima Ty Hardin, Jeffrey Hunter e Robert Shaw; no centro Wayne Maunder, Joe Maross e Phillip Carey; abaixo o Custer de Leslie Nielsen com Don Murray e Guy Stockwell. |
CUSTER, UM ETERNO PERSONAGEM - Errol Flynn encarnou o definitivo General Custer nas telas. No entanto o fantasma desse general rondava o cinema e seus roteiristas, até que em 1951 o ator James Millican (“Matar ou Morrer”), trouxe Custer novamente para as telas no filme “Sanha Selvagem” (Warpath), estrelado por Edmond O’Brien e pela linda atriz iniciante Polly Bergen. No ano seguinte Custer foi revivido por Sheb Wooley (também de “Matar ou Morrer”) em uma ‘pontinha’ em “O Último Baluarte” (Bugles in the Afternoon), estrelado por Ray Milland. Em 1958 foi a vez de Walt Disney se aproveitar da fama do lendário General Custer num western para toda família chamado “Tonka, o Bravo Comanche” (Tonka). Sal Mineo é um jovem índio dono do cavalo Tonka e Custer foi interpretado por Britt Lomond. Em 1965 Philip Carey interpretou Custer em “O Grande Massacre”, com Joseph Cotten como o Major Reno. Somente em 1968 o cinema se lembraria outra vez de Custer, em “As Espingardas do Faroeste”, uma refilmagem de “The Plainsman”, desta vez com Don Murray no papel que fora de Gary Cooper (Wild Bill Hickok), enquanto Custer foi interpretado por um ainda sério Leslie Nielsen. 1967 seria um grande ano para a figura de Custer pois o respeitado diretor Robert Siodmak dirigiu “Os Bravos não se Rendem” (Custer of the West), ambicioso filme programado para o processo Cinerama e que era para ser dirigido por Akira Kurosawa. O ator inglês Robert Shaw é quem interpreta Custer, coadjuvado por um elenco onde se destacam Robert Ryan, Jeffrey Hunter e Guy Stockwell. Nesse mesmo ano a TV norte-americana colocou no ar a série “Custer”, com Wayne Maunder vivendo o intrépido general e com Slim Pickens também no elenco. A série durou apenas 17 episódios, não fazendo sucesso e sendo cancelada na primeira temporada. Aproveitando os cenários da série foi produzido o longa-metragem “Os Bravos Nunca Morrem” (The Legend of Custer), feito para o cinema, com o mesmo elenco da série da TV, ou seja, Wayne Maunder interpretou Custer também na tela grande. A figura do General Custer apareceu até em séries não westerns, como em O Túnel do Tempo, no episódio “Massacre”, exibido em outubro de 1966. Nesse episódio a viagem no tempo transporta Tony (James Darren) e Doug (Robert Colbert) para o ano de 1876 quando Cavalaria e índios se enfrentavam com Custer e Crazy Horse presentes. O ator Joe Maross interpretou o discutido comandante do 7.º Regimento de Cavalaria.
Acima Richard Mulligan, o Custer de "O Pequeno Grande Homem"; abaixo Mastroianni como o General Custer ao lado de Phillipe Noiret. |
UM ÍNDIO CENTENÁRIO FALA DE CUSTER – A partir dos anos 60 o cinema norte-americano já havia adotado alinha revisionista e em 1970 Arthur Penn rodou “O Pequeno Grande Homem” (Little Big Man), talvez a mais cara produção envolvendo a presença do General Custer. O filme é narrado pelo índio Jack Crabb (Dustin Hoffman) que atingiu a idade centenária de 121 anos, tendo sobrevivido a Little Big Horn e tendo convivido com Custer. E é Jack Crabb quem conta de forma realista quem foi o mais famoso general da Cavalaria dos Estados Unidos. Quem interpreta Custer é Richard Mulligan e o massacre de Washita River, em 1868, é um dos pontos altos deste que foi um dos principais westerns daqueles anos. “O Pequeno Grande Homem” relata a história de Custer como nunca antes havia sido contada no cinema. O grande destaque do elenco é Chief Dan George, índio de 71 anos que teria outra brilhante atuação em “Josey Wales, o Fora-da-Lei”. E para quem achava que os europeus já haviam cansado de brincar de mocinho, eis que em 1974, o diretor italiano Marco Ferreri (de “A Comilança” e “A Crônica do Amor Louco”) decide falar de Little Big Horn. Para isso reuniu Michel Picolli, Philippe Noiret, Ugo Tognazzi e Catherine Deneuve para uma insólita recriação da vida de Custer. Ah, George Armstrong é interpretado por Marcello Mastroianni. Essa absurda comédia intitulada “Não Toque na Moça Branca” (Touche Pas à La Femme Blanche), apesar do elenco de primeira foi um fracasso de bilheteria.
100 ANOS DE GENERAL CUSTER NO CINEMA - Custer esperaria mais 12 anos para que, em 1991, outro filme focalizasse sua vida em “Son of the Morning Star”, produzido para a TV e com o personagem principal de General Custer interpretado por Gary Cole. Com 187 minutos, esse western é original porque a vida de Custer é contada a partir da visão de sua mulher Libbie (Rosanna Arquette) e de Kate Bighead (Buffy St. Mary). O papel de Custer foi oferecido a Kevin Costner que vinha do grande sucesso com “Dança com Lobos”, no entanto Costner não aceitou a proposta de trabalho para essa produção para a TV. Entre tantos intérpretes de Custer no cinema certamente Gary Cole é aquele que mais se assemelha fisionomicamente com o general. Em 2009, foi produzido para o cinema “Uma Noite no Museu 2” e entre Napoleão, Ivan o Terrível, Al Capone, Átila e Lincoln, surge o General Custer. Notícias de Hollywood dão conta que será filmado em agosto próximo e lançado em 2013 o filme “O Importante é Vencer” (The Hard Ride) com Val Kilmer de volta à sela novamente, ao lado de Wes Studi e Don Murray. Neste western passado em 1876 o ator Christopher Atkins (o menino de “A Lagoa Azul”) interpretará George Armstrong Custer. Esse lançamento ocorrerá 101 anos após Francis Ford ter interpretado o General Custer pela primeira vez no cinema e por certo não será esta a última vez que o lendário General do 7.º Regimento da Cavalaria surja orgulhoso e garbosamente nas telas.
Nas fotos à direita: o verdadeiro George Armstrong Custer;
Gary Cole em "The Son of Morning Star";
abaixo Francis Ford, irmão de John Ford, o primeiro Custer do cinema.
Nas fotos à direita: o verdadeiro George Armstrong Custer;
Gary Cole em "The Son of Morning Star";
abaixo Francis Ford, irmão de John Ford, o primeiro Custer do cinema.