A série de excelentes filmes de John
Sturges nos anos 50 culminou com o sucesso de crítica e público que ele
conseguiu com “Sete Homens e Um Destino” (The Magnificent Seven). A reputação
de Sturges como diretor só cresceu e sua associação com os irmãos Mirisch
possibilitou voos cada vez mais altos, um deles “Fugindo do Inferno” que
catapultou de vez o nome de John Sturges para o panteão dos mais prestigiosos
diretores de Hollywood. Podia ele então filmar o que quisesse, mas como
acontece muitas vezes no mundo do cinema, as escolhas nem sempre são as mais
acertadas. Depois de “Fugindo do Inferno”, que custou quatro milhões de dólares
e arrecadou 12 milhões só nos Estados Unidos, Sturges produziu e dirigiu “O
Mundo Marcha para o Fim”, policial mesclado com ficção-científica que custou
seis milhões de dólares e pouca gente assistiu. Mesmo depois desse fracasso
Sturges manteve o crédito inabalado e fez nova aposta ousada para seu filme
seguinte: filmar um western-comédia, algo fadado a não dar certo uma vez que o
gênero western começava a dar sinais de esgotamento. “Cat Ballou” (Dívida de
Sangue) vinha sendo empurrado de um lado para o outro porque nenhum grande ator
queria se arriscar a interpretar o pistoleiro bêbado com irmão gêmeo, filme que
acabou sendo rodado em 1965 e paradoxalmente se tornou uma das grandes
bilheterias do ano (arrecadou nada menos que 20 milhões de dólares). O western
que deu um Oscar a Lee Marvin foi uma produção de médio orçamento e, a rigor,
Jane Fonda era o único grande nome do elenco. Já o novo projeto de Sturges com
os Mirisch seria em ‘road show’ UltraPanavision 70mm para ser lançado apenas em
cinemas de luxo, com direito a intervalo pois seria um longuíssima-metragem.
Havia até mesmo um título alternativo que seria ‘How the West Was Undone’,
parodiando o título original da também superprodução “A Conquista do Oeste”.
Mas o que os produtores objetivavam com o western que acabou se chamando “The
Hallelujah Trail” (Nas Trilhas da Aventura) era repetir o sucesso de “Deu a
Louca no Mundo”, fazendo o público rir com loucuras passadas no Velho Oeste. O
próprio John Sturges declarou sobre “The Hallelujah Trail”: “Esta foi uma escolha errada que se tornou
um verdadeiro desapontamento para nós que o produzimos. Acreditávamos que
tínhamos em mãos um sucesso, um filme muito engraçado e afinal descobrimos que
apenas 10% do público viu alguma graça nele. Mas a culpa é toda minha pois eu
tinha total controle sobre o filme.” Entre as dificuldades encontradas para
formar o elenco principal estão as recusas de James Garner (não gostou da
história) e Lee Marvin, que interpretaria o oráculo, mas que preferiu
interpretar ‘Kid Sheleen’ (“Cat Ballou”) que acabou mudando sua vida como ator.
O personagem do oráculo ficou com Donald Pleasence enquanto Burt Lancaster,
cumprindo último compromisso de antigo contrato que tinha com a United Artists,
aceitou o papel principal (que seria de Garner). Lancaster trabalhou pelos 150
mil dólares rezados no contrato, isto quando não aceitava trabalhar por menos
de 750 mil dólares por filme.
Nas fotos acima vemos o escritor Bill Gulick e seu livro;
John Sturges; Burt Lancaster; Lee Marvin
Acima Jim Hutton e Burt Lancaster; Bing Russell, Donald Pleasence e Billy Benedict; abaixo Robert J. Wilke e Martin Landau |
40
carroções de whisky - O livro de William Gulick foi
roteirizado por John Gay, um dos mais ativos roteiristas de Hollywood, contando
os embaraços encontrados pelo Coronel Thaddeus Gearhart (Burt Lancaster)
incumbido de dar proteção a uma caravana composta por 40 carroções, todas
transportando whisky. A cidade de Denver ficou sem a bebida e o comerciante
Frank Wallingham (Brian Keith) providenciou o carregamento bem como solicitou a
proteção da Cavalaria. A preciosa carga acaba sendo alvo de diferentes grupos:
tribos Sioux a desejam; uma milícia de Denver composta por mineiros também;
irlandeses contratados por Wallingham como condutores querem parte da carga e
ameaçam fazer greve. Não bastasse tantos litigantes há ainda o grupo de
mulheres da Liga da Temperança de Denver que comandadas por Cora Templeton
Massingale (Lee Remick) desejam destruir o carregamento de bebida. Cora tem
boas razões para isso pois é viúva de dois finados maridos alcoólatras. Uma das
mais ativas seguidoras de Cora é Louise (Pamela Tiffin), filha do Coronel
Gearhart que é noiva do Capitão Slater (Jim Hutton), que comanda um batalhão
que acompanha a caravana. Frank Wallingham e os mineiros seguem à risca os
vaticínios do Oráculo Jones (Donald Pleasence) e a cada presságio deste exultam
gritos de ‘aleluia’. Os belicosos encontros dos grupos acontecem em dois pontos
que são Whiskey Hills e depois Quicksand Bottons. Nas disputas entre militares,
índios, mineiros e as mulheres o que sobra do carregamento acaba afundando nas
areias movediças de Quicksand Bottons. Ao final o Coronel Gearhart se torna o
novo marido de Cora na mesma cerimônia do matrimônio entre Louise e o Capitão
Slater.
Acima Lee Remick e Pamela Tiffin; abaixo Donald Pleasence e Robert Keith |
As
gags que não funcionam - O western-comédia que se pretendia
hilariante não produz as gargalhadas esperadas porque Sturges não tem para a
comédia a mesma familiaridade que demonstrou nos westerns e filmes de
aventuras. A isso que comumente se chama de ‘timing’ o diretor já havia
demonstrado não possuir em “Os Três Sargentos” (Sergeants 3), western em ritmo
de comédia que divertiu apenas o rat-pack de Frank Sinatra. A desculpa nesse
caso até poderia ter sido a dificuldade em trabalhar com Sinatra, ator de pouca
ou nenhuma graça, ainda que Dean Martin estivesse no elenco. Em “Nas Trilhas da
Aventura” passa-se metade dos 165 minutos do filme nos preparativos articulados
para o grande encontro dos grupos, longo tempo em que apenas esboços de
sorrisos são conseguidos e ainda assim porque o oráculo é interpretado por
Donald Pleasence, ator acostumado a assustar as plateias com seus tipos
psicóticos. Na segunda metade o western-comédia melhora, mais em função da ação
que Sturges domina bastante bem que das gags. Uma dessas sequências, que no
papel deveria provocar grandes gargalhadas, é quando índios ordenam que os
carroções formem círculos enquanto a Cavalaria os ataca, numa inversão que
filmada não chega a ser tão engraçada.
Martin Landau |
O
engraçado índio de Martin Landau - Carroções em disparada, índios se
embriagando, atacando, sendo atacados e caindo de cavalos, soldados e oficiais
atônitos e um oráculo movido a whisky melhoram o ritmo do filme. Continuam, no
entanto, os muitos banhos em autêntico non-sense pois, afinal, de onde tiram
tanta água para tantos banhos naquelas plagas ermas? As melhores gags ficam por
conta das traduções equivocadas do intérprete e do chefe Walks-Stooped-Over
(Martin Landau), aquele que entende a língua dos brancos sem que eles percebam.
Landau que nunca demonstrou tendência para a comédia é quem diverte de verdade.
As sequências de carroções em disparada são bem feitas e uma delas acabou
causando uma vítima fatal, o stuntman Bill Williams que faleceu ao não
conseguir pular a tempo de uma carroça que despenca numa despenhadeiro. A morte
do dublê não sensibilizou os produtores que utilizaram a sequência assim mesmo.
Além dessa tragédia houve tanta tempestade de areia durante as filmagens que
estas tiveram de ser interrompidas por vários dias. Paradoxalmente técnicos
tiveram que operar os enormes ventiladores para produzir... tempestade de
areia.
Lee Remick e Burt Lancaster |
Burt Lancaster |
Os
dentes de Lancaster - Burt Lancaster, que vinha de dramas
como “Entre Deus e o Pecado”, “O Homem de Alcatraz”, “O Leopardo” e “O Trem” se
viu forçado a tentar fazer rir e o máximo que consegue é mostrar os dentes numa
autoparódia aos personagens pretensamente engraçados que fez em sucessos como
“O Pirata Sangrento” e “Vera Cruz”. Lee Remick empata com Lancaster na falta de
graça e a surpresa, como foi dito, é Martin Landau enquanto Brian Keith, John
Anderson, Robert J. Wilke, Jim Hutton e outros se esforçam sem sucesso para
fazer rir. Donald Pleasence, ainda bem, logo voltaria a interpretar os tipos
marcantes e violentos, sua especialidade.
Pausa durante as filmagens: Lee Remick e John Sturges, este com um chapéu 'seven gallons' |
Na
trilha de “Deu a Louca no Mundo” - O melhor de “Nas Trilhas da
Aventura” é o que se ouve na trilha composta por Elmer Bernstein, variada e
inspirada completando as belas imagens do veterano cinegrafista Robert Surtees,
concebido que foi para impressionar em 70 mm. Outro problema do filme de
Sturges é que ele é longo demais, longo e cansativo, ao contrário de “Deu a
Louca no Mundo”. Nesta ultra bem sucedida comédia os muitos (e engraçados)
personagens e as situações hilárias impedem que o espectador perceba que está
assistindo a um filme de mais de três horas de duração. “Nas Trilhas da
Aventura” deu tão errado que o próprio estúdio autorizou diversas versões com
metragens mais curtas de 156, 146 e 134 minutos respectivamente, o que pouco
ajudou pois o western de John Sturges nunca se livrou da fama de comédia que
não faz rir.
As belas imagens capturadas pela câmara de Robert Surtees; abaixo a sequência em que o stuntmanBill Williams perdeu a vida. |