UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

13 de dezembro de 2019

O RENEGADO DO FORTE PETTICOAT (THE GUNS OF FORT PETTICOAT) – AUDIE MURPHY E SEU REGIMENTO DE SAIAS


George Marshall
jovem e idoso
Historias reais ou não tendo como pano de fundo a Guerra de Secessão, Cavalaria contra índios, heroísmo de um ou mais soldados ou de todo um regimento e defesa de forte sitiado por índios, isso tudo já havia sido levado à tela incontáveis vezes por Hollywood. Vez ou outra alguma mulher se destacava em uma historia escapando de ser apenas um complemento romântico e até pegando em armas. Nada porém que chegue perto de “O Renegado do Forte Petticoat”, western em que as mulheres é que formam um pequeno e destemido exército defendendo-se numa espécie de ‘Álamo’ feminino. Nem o autor da historia original (C. William Harrison) ou o roteirista (Walter Doninger) demonstraram através de seus trabalhos maior afinidade com o faroeste, daí a surpresa maior desta emocionante e insólita aventura dirigida por George Marshall. Este veterano diretor, que iniciou sua carreira em 1916, passou por diversos gêneros de filmes até que em 1939 chamou a atenção com o hoje clássico “Atire a Primeira Pedra” (Destry Rides Again), mesclando com maestria ação, romance e comédia. A seguir Marshall dirigiu mais alguns faroestes mas nunca se tornou um especialista no gênero. Mesmo assim Marshall foi designado para dirigir um dos segmentos mais difíceis do épico “A Conquista do Oeste” (How the West Was Won), o segmento intitulado ‘A Estrada de Ferro’. George Marshall já havia dirigido Audie Murphy no ótimo “Antro da Perdição”, justamente uma refilmagem de “Atire a Primeira Pedra”, mas foi com “O Renegado do Forte Petticoat” que realizou um dos melhores westerns estrelados por Audie Murphy.


Audie Murphy
O heroico desertor de dois exércitos - Durante a Guerra Civil um Coronel do Exército da União, comandante do Forte Petticoat, ordena o massacre de Sand Creek, no Colorado. O Tenente Frank Hewitt tenta a todo custo evitar a ação de seu comandante mas o extermínio dos Cheyennes acontece. O Tenente Hewitt (Audie Murphy) é texano e, tendo recebido voz de prisão por criticar seu tresloucado superior, deserta do Forte e ruma para Jonesville, sua cidade no Texas, tencionando avisar a população que os Comanches atacarão os brancos após o massacre no Colorado. Nessa cidade texana restam apenas velhos, mulheres e crianças uma vez que os homens estão todos no Exército Confederado. Hewitt é mal recebido porque é considerado traidor por defender o Norte e usar a desprezível farda azul inimiga. Hewitt decide levar as mulheres até uma missão abandonada para evitar que elas sejam vítimas do iminente ataque Comanche. Relutantes elas acabam acompanhando Hewitt que na missão as treina com seus conhecimentos militares ensinando-as a atirar e até mesmo técnicas de combate corpo-a-corpo. Três bandidos ficam sabendo que as mulheres estão na missão e decidem tirar proveito das mesmas considerando-as indefesas. São, no entanto rechaçados por elas, afastam-se e são emboscados pelos comanches, a quem contam que na missão há mulheres e ouro. Os Comanches atacam a missão e bravamente o exército feminino se defende liderado pelo Tenente Hewitt secundado pela Sargento Hannah Lacey. Após uma violenta batalha onde ocorrem muitas baixas entre as mulheres, Hewitt captura o feiticeiro Comanche e isto faz com que os supersticiosos guerreiros índios batam em retirada.

Audie Murphy entre Kathryn Grant
Patricia Tiernan
Mulheres lutando e amando - “O Renegado do Forte Petticoat” é um daqueles filmes que se assiste com prazer do começo ao fim e ainda se lamenta quando termina. Muita ação de excelente qualidade com pequeno show dos stuntmen Charles Horvath, Al Wyatt Sr. e Jack N. Young. Como Evelyn Finley foi creditada no elenco, muito provavelmente ela tenha dublado algumas mulheres em sequências de lutas. Sim, porque as mulheres fazem de tudo neste western, inclusive duas delas (Kathryn Grant e Patricia Tiernan) disputam o amor de Murphy. A historia pode soar inverossímil, assim como o desfecho, quando tudo parecia perdido com os índios cada vez mais ferozes dentro da missão, mas a simpatia irradiada pelo exército de saias minimiza esses aspectos discutíveis.

Hope Emerson e Peggy Maley; Peggy maley e Audie Murphy

Charles Horvath e Willard W. Willingham
Comanches supersticiosos - O roteiro foi bastante feliz ao situar a historia no período da Guerra Civil e colocando o Tenente Hewitt como desertor de ambos os lados. E mais ainda por ser ele um texano e também por a ação se passar numa missão abandonada, certamente uma referência ao Álamo onde houve a heroica e conhecida resistência. Sem nenhum pudor foi ainda inserido na historia o massacre de Sand Creek lembrando a que ponto pode chegar a insanidade de um oficial neurótico, contestado, é certo pelo Tenente Hewitt. Para um western rodado em 1957, quando o revisionismo era ainda incipiente, é bastante louvável esse achado do roteiro. Por outro lado, se os Cheyennes foram dizimados no Colorado, os Comanches no Texas são mostrados como impiedosos e só não ocorreu um segundo massacre no filme, o das mulheres que se encontravam na missão, devido à superstição dos Comanches, o que não deixa de ser uma solução inteligente. Até porque não haveria como a Cavalaria tocar sua corneta e arremeter contra os índios uma vez que havia uma guerra se desenvolvendo e praticamente todos os soldados dela participando.

Foto da missão com Audie Murphy e as defensoras, lembrando o Álamo

Audie Murphy na defesa da missão sitiada
Audie Murphy, astro único entre as mulheres - Este western foi produzido pela associação de Audie Murphy com Harry Joe Brown, o produtor mais conhecido por sua parceria com Randolph Scott. Faroeste quase inteiramente rodado no Arizona, em belíssimas locações, deixa um pouco a desejar quanto à preocupação com a autenticidade, a começar pela farda de Audie Murphy cujo modelo não era ainda usado durante a Guerra de Secessão, bem como alguns fuzis utilizados nas sequências de batalha. Sem falar nos penteados de algumas das ‘soldados’ que jamais poderiam se manter tão bem arrumados naquela situação em que salvar a vida era a prioridade. Mas num filme movimentado e emocionante como este, quem vai se preocupar com esses detalhes, até porque não é uma superprodução e sim um faroeste com orçamento médio e no qual Murphy é a única grande estrela. Das duas ou três dezenas de mulheres que contracenam com o ator nenhuma era estrela capaz de atrair maior público. O mesmo vale para os coadjuvantes masculinos, muito bons por sinal, mas apenas isso. Mesmo assim não se pode dizer que Audie Murphy carrega o filme sozinho porque entre ‘seus homens’, como ele chama o exército de saias estão as ótimas Hope Emerson, Jeanette Nolan e a boa surpresa que é Peggy Maley.

Hope Emerson e Audie Murphy;
abaixo Jeanette Nolan
A gigante ‘Sargento Lacey’ - Confesso que não sou o maior fã de Audie Murphy e isso tem ficado patente nas inúmeras resenhas nas quais não raro lembro das limitações interpretativas do pequeno ator. E Audie possui muitos defensores não só de seus faroestes, alguns de fato muito bons, mas também dele dele como intérprete. Em “O Renegado do Forte Petticoat” Audie se sai esplendidamente, ele que nasceu no Texas assim como o Tenente Frank Hewitt da historia. Audie é discreto como soldado, enérgico como líder das mulheres e tímido o suficiente quando é disputado por duas soldados. Ray Teal, James Griffith e Nestor Paiva, nenhum deles um vilão do porte de Dan Duryea, por exemplo, formam um trio de bandidos assustadores pela frieza e maldade. John Dierkes tem uma pequena participação e Sean McClory não desaponta como o texano covarde. Entre as muitas mulheres deste faroeste o destaque fica, como não poderia deixar de ser para Hope Emerson, a ‘Sergeant Lacey’, ela que do alto dos seus 1,88m impõe respeito e é muito engraçada. A ótima Jeanette Nolan desta vez como uma fanática religiosa que irrita a todos na missão. Kathyn Grayson (esposa de Bing Crosby na vida real) e Jeff Donnell desperdiçam os dois melhores papeis femininos permitindo que Peggy Maley se destaque como a saloon girl de coração de ouro.

Diversão garantida - Distante das tantas historias com os costumeiros enredos, “O Renegado do Forte Petticoat” merecia ser muito melhor lembrado na filmografia de Audie Murphy. E é um ponto alto na carreira do diretor George Marshall, mesmo tendo sido produzido para os saudosos programas duplos dos antigos cinemas de bairro e do interior. Diversão garantida para quem gosta do gênero, mesmo aqueles que não estão entre os maiores fãs de Audie Murphy.

Acima e abaixo dois belíssimos trabalhos de arte para
promover "O Renegado do Forte Petticoat"



11 de dezembro de 2019

QUADRILHAS DOS FAROESTES - O bando de "O Renegado de Forte Petticoat"


A maior parte da ação em “O Renegado do Forte Petticoat” (Guns of Fort Petticoat) se passa dentro de uma missão abandonada onde o Tenente interpretado por Audie Murphy comanda um pequeno regimento formado por... mulheres. Audie e seus homens, digo, mulheres, defendem-se como podem do ataque dos índios mas antes são alvos de uma quadrilha formada por três facínoras que não hesitam em matar para alcançar seus intentos. Eles acreditam que haja ouro escondido na missão, além das mulheres que também os interessam. Mas o trio se dá mal, primeiro com o exército de saias e depois com os índios. Liderados por James Griffith, Ray Teal e Nestor Paiva completam o terceto assassino, todos velhos conhecidos de faroestes e de outros gêneros de filmes.

Ray Teal (1902-1976) é o mais conhecido do bando, não só por ter interpretado por anos a fio o Xerife Roy Coffee, de Virginia City, na série “Bonanza”, mas também pelos muitos grandes filmes que contou com sua participação. Teal fazia com igual facilidade papeis de homem da lei ou de malfeitor. Antes de se tornar ator Ray Teal foi o band-leader de uma orquestra e começou a atuar no cinema em 1937. Em seu início de carreira Teal apareceu também em diversos seriados. Entre os filmes mais importantes em que apareceu merecem destaque “A Montanha dos Sete Abutres”, “O Selvagem”, “Horas de Desespero” e “Julgamento em Nuremberg”. Nos faroestes Ray Teal atuou ao lado de Kirk Douglas em “Embrutecidos pela Violência” e “A Um Passo da Morte”. Com Randolph Scott, Ray Teal atuou em “O Laço do Carrasco”, “Homens que São Feras” e “Entardecer Sangrento”. A última aparição de Teal em um western foi em 1970 em “Chisum, Uma Lenda Americana”, com John Wayne. Na série “Bonanza” Ray Teal participou de 98 episódios, mas praticamente não houve série de TV dos anos 60 que não tenha contado com a participação desse querido ator.

James Griffith (1916-1993) é o cérebro da quadrilha com sua eterna imagem de bandido frio e calculista. Usando uma Deringer, Griffith deixa que os outros dois bandidos usem da violência que ele consuma com a pequena pistola que traz no bolso do elegante casado que usa. Assim como Ray Teal, James Griffith atuou bastante na televisão, isto quando o cinema já não mais lhe oferecia maiores oportunidades. Griffith estreou em filmes no ano de 1948 e se notabilizou pelo tipo assustador que era capaz de compor apenas com o olhar e sua figura esguia. Porém seu tipo físico possibilitou a James Griffith interpretar diversos personagens importantes do Velho Oeste, entre eles Pat Garrett em “O Último Matador”; Doc Holliday em “Ases do Gatilho”; Davy Crockett em “O Homem do Destino”. Griffith foi ainda Abraham Lincoln no western B “Emboscada Apache”, estrelado por Bill Williams. Nem sempre creditado nas muitas pequenas participações, James Griffith jamais escapa dos olhares de espectadores mais atentos em filmes como “O Grande Golpe”, “Spartacus”, “Honra a um Homem Mau” e “Fúria no Alasca”. James Griffith despediu-se do cinema em 1977 no policial “Caçada Alucinante”.

Nestor Paiva (1905-1966) – Ao contrário do que se possa imaginar devido às muitas vezes em que interpretou latinos no cinema, esse ator característico nasceu na Califórnia. Nestor Paiva será sempre lembrado como o brasileiro ‘Lucas’ que comanda o barco ‘Rita’ em “O Monstro da Lagoa Negra”, clássico de ficção-científica rodado em 3.ª Dimensão e que se tornou um Cult. Ainda como ‘Lucas’, Nestor Paiva esteve na continuação “A Revanche do Monstro” e ainda nessa série de sci-fi que a Universal produziu nos anos 50, Paiva foi o xerife da cidade em “Tarântula”. No cinema desde 1937, Nestor Paiva atuou em praticamente todos os gêneros, não escapando nem mesmo uma participação em um filme de Johnny Weissmuller que foi “Tarzan em Terror no Deserto”. Nestor Paiva estava sempre à mão quando se necessitava de alguém para interpretar um tipo étnico e alguns nomes de seus personagens demonstram bastante bem essa sua qualidade: ‘Cardoso’, ‘Don Carlos Montalvo’, ‘Gino’, ‘Manuel’, ‘Martinelli’, ‘Gnocchi’, ‘Marouf’, ‘Lorenzo’ e ‘Tortilla’, este em “O Renegado do Forte Petticoat”, são apenas uma pequena parte deles. Nestor Paiva faleceu vítima de câncer aos 61 anos de idade.



Acima o trio de bandidos planejando uma maldade
e abaixo os três assassinos perseguidos pelos índios.