Blake Edwards |
Realizar um western-comédia sem
descambar para a paródia sempre foi difícil e a maior parte das tentativas
resultou em fracasso artístico. “Dívida de Sangue” (Cat Ballou) é um dos raros
exemplos em que propostas como essas deram bom resultado, agradando inclusive
ao público. Blake Edwards era nos anos 60 um dos expoentes das comédias
produzidas em Hollywood e emprestou seu nome a uma produção que tencionava
fazer o público rir. A escolha de James Coburn como ator central já indicava,
no entanto, que o projeto poderia dar errado. Coburn era excelente ator e criou
um tipo marcante que após se destacar em inúmeros filmes como coadjuvante
passou à condição de astro principal, insuperável em seu estilo ‘cool’. Mas
Coburn não era engraçado e isso fica mais que evidente em “Ouro é o que Vale”
(Waterhole # 3), western-comédia de 1967 que foi dirigido por William A.
Graham, que passou quase toda longa carreira dirigindo séries e filmes para a
televisão. Blake Edwards participou como roteirista e ator dos westerns “Expiação”
(Panhandle) e “Debandada” (Stampede), respectivamente de 1948 e 1949, antes de
passar a escrever, produzir e dirigir as comédias que o tornaram famoso. Somente
em 1971 Edwards dirigiria seu primeiro faroeste que foi “Os Dois Indomáveis”
(The Wild Rovers). Caso tivesse assumido a direção de “Ouro é o que Vale”, que
não foi escrito por ele, talvez resultasse em um western-comédia com alguma
graça, o que acabou não acontecendo.
James Coburn e Carroll O'Connor |
A disputa
pelo ouro roubado - Lewton Cole (James Coburn) é um
jogador à espera de uma oportunidade melhor para ganhar dinheiro. Quando surge
essa possibilidade Cole não hesita em matar um oponente para descobrir onde
estão escondidos 45 quilos de ouro em barras roubados do Exército. Um pequeno
mapa indica o local e para chegar lá Cole precisa de um bom cavalo e o melhor
que existe na cidade de Integrity pertence ao xerife John Copperud (Carroll
O’Connor). Já procurado pela justiça pelo crime praticado, Cole rouba o cavalo
do xerife, deixa-o nu dentro da cela da delegacia e ainda estupra Billee
(Margaret Blye) a bela filha do xerife. Copperud precisa prender Cole para
refazer sua imagem e para se reeleger xerife de Integrity, saindo na captura do
desafeto. Encontra Cole mas acaba seduzido pela possibilidade de dividir o
tesouro encontrado pelo assassino, escondido num poço d’água natural, o ‘waterhole’
do título original. Outros bandidos disputam o ouro e o Exército também se
empenha em recuperá-lo, mas ao final Cole fica com o ouro e vai desfrutar da
boa vida no México após ultrapassar a fronteira.
Margaret Blye e Carroll O'Connor. Carroll O'Connor e Bruce Dern |
Código
particular - Chamar Lewton Cole de amoral seria eufemismo. Entre suas
atitudes infames ele concorda em duelar com o líder da quadrilha que roubou o
ouro (Roy Jenson), desrespeitando porém as clássicas leis de um duelo, ocasião
em que assassina covardemente o adversário. Para ficar com o cavalo do xerife
Copperud, não se satisfaz em prendê-lo em sua própria cela mas o humilha
deixando-o totalmente despido juntamente com o apalermado auxiliar (Bruce Dern).
Encontrando a apetitosa Billee não hesita em possuí-la, ainda que a resistência
oferecida pela moça tenha sido relativamente pequena. Cole corrompe o
corruptível xerife porque naquele momento esta é sua melhor opção. Outro
bandido (Timothy Carey) sucumbe à sua fria covardia e quantas mentiras forem
necessário, quantas vezes Cole mentirá. A pobre Billee que por ele se apaixonou
e a quem volta a se entregar na esperança de ficar com seu violador é
desprezada. Mal imagina a moça que para ele ‘ouro é o que vale’ e só pelo ouro
se interessa para valer. Tudo o mais Cole usa como usa um cavalo. Esse é o
código todo particular das leis do Oeste para Lewton Cole.
Margaret Blye |
A irrelevância
da mulher - Um enredo que poderia ser interessante se desenvolvido
dramaticamente é comprometido pela opção pelo western-comédia, ainda que em “Ouro
é o que Vale” todos se esforcem para parecerem engraçados. Apenas Carroll
O’Connor chegue perto disso. A
balada-tema “Code of the West” cantada por Roger Miller indica a subversão dos
códigos tradicionais inclusive os de honra, mas com a intenção de fazer graça o
filme é excessivamente agressivo ao mostrar o desprezo pela mulher. O pai da
moça estuprada nem se importa com o fato, encarado como natural já que mulheres,
segundo ele, servem para atender aos instintos masculinos. Repulsivo é o mínimo
que se pode dizer desse desnecessário e deslocado, mesmo em 1967, enfoque.
James Coburn e Carroll O’Connor deveriam formar uma dupla tão desajustada
quanto desonesta, porém a parceria não funciona. Não por culpa de O’Connor, mas
porque o cinismo, a frieza e o despudor de Coburn operam em sentido contrário.
James Coburn e Carroll O'Connor |
O
persistente baladeiro - À parte a absoluta falta de graça, a
narrativa não prende a atenção embora trate da clássica disputa por ouro. E a
surpresa da mensagem final demonstra que o crime pode sim compensar e, aí sim,
ninguém melhor que James Coburn para sarcasticamente expressar a impudência. Procurando
copiar o que deu certo em “Cat Ballou”, um baladeiro, cansativamente, se torna
narrador não escondendo que isso foi necessário para que o faroeste não
perdesse o rumo. O cantor Roger Miller não aparece no filme, ao contrário de
Nat ‘King’ Cole e Stubby Kaye, cujas presenças alegram ainda mais o
western-comédia estrelado por Lee Marvin. O excelente elenco de apoio de “Ouro
é o que Vale” contou com James Whitmore, Claude Akins, Bruce Dern, Roy Jenson e
Timothy Carey não tem oportunidade de brilhar. A veterana Joan Blondell é a
cortesão de Integrity e o destaque do cast fica para Margaret Blye.
James Whitmore, Timothy Carey e Claude Akins |
Imagens
é o que vale... - Uma curiosidade é Robert Burks ter
sido o Diretor de Fotografia, ele que era o cinegrafista preferido de Alfred
Hitchcock. Este não foi o primeiro western de Burks pois é dele a ótima
fotografia (3D) de “Caminhos Ásperos” (Hondo), de 1953, mas após tantos filmes
trabalhando com Hitch é inesperado o retorno ao Velho Oeste. E a cinematografia
acaba sendo o ponto alto de “Ouro é o que Vale”. O fracasso deste faroeste em
nada abalou a carreira de James Coburn que entre outros grandes filmes
interpretaria o melhor Pat Garrett que o cinema já viu. Pelas mãos de Sam
Peckinpah, o que é outra conversa...
À direita James Coburn.