UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

18 de novembro de 2016

CONSCIÊNCIAS MORTAS (THE OX-BOW INCIDENT) - O MODESTO GRANDE WESTERN DE WILLIAM A. WELLMAN


Acima Walter Van Tilburg Clark e Lamar Trotti;
abaixo Darryl F. Zanuck e William A. Wellman
Publicado em 1940, o livro “The Ox-Bow Incident” de autoria de Walter Van Tilburg Clark chamou a atenção tanto de Henry Fonda quanto de William A. Wellman. Fonda era já um dos grandes astros de Hollywood e Wellman um cotadíssimo diretor depois do enorme sucesso de “Beau Geste” e outros filmes. Ambos pediram a Darryl F. Zanuck, então chefe de produção da 20th Century-Fox para comprar os direitos cinematográficos do livro para que Wellman dirigisse um filme nele baseado e tendo Fonda como ator. Percebendo que o potencial para atrair público daquela história era praticamente zero, Zanuck chantageou tanto Fonda como Wellman. A Fox produziria o western, desde que eles recebessem por escala, ou seja, aceitassem os salários-base do estúdio e ainda se comprometessem a participar de dois projetos comerciais do produtor. Além disso Zanuck avisou que “The Ox-Bow Incident” deveria ser rodado em 18 dias, inteiramente dentro do estúdio que possuía uma pequena cidade western vista em dezenas de filmes e sem nenhum outro grande nome no elenco para evitar maiores despesas. A única concessão feita por Zanuck  foi entregar a Lamar Trotti, um dos principais roteiristas de Hollywood, a incumbência de escrever o roteiro. Zanuck acertou em cheio em suas previsões pois “The Ox-Bow Incident” (“Consciências Mortas” no Brasil), com duração de meros 75 minutos, não conseguiu atrair o público, mas cedo ganhou o status de pequena obra-prima não só do gênero, mas do cinema norte-americano.


Acima Hank Bell e Frank Conroy ladeando
Anthony Quinn e Danna Andrews; abaixo
Quinn com Jane Darwell e outros.
Noite de terror - Os cowboys Gil Carter (Henry Fonda) e Art Croft (Harry Morgan) retornam a Bridger’s Wells em 1885 após algum tempo fora e se deparam com a cidade agitada pela notícia de um assassinato seguido de roubo de gado. Com o xerife ausente, seu assistente reúne de imediato um grupo formado pelos moradores, a maior parte deles disposta a fazer justiça enforcando o assassino. Lidera o grupo o Major Tetley (Frank Conroy), que se diz ex-oficial Confederado e que retira do armário uma farda para garbosamente comandar a turba. Na primeira noite de busca encontram três homens acampados e dormindo ao redor de uma fogueira. São eles o rancheiro Donald Martin (Dana Andrews), o mexicano Juan Martinez (Anthony Quinn) e o velho ‘Dad’ Hardwick (Francis Ford). Acusados de serem os assassinos mesmo sem evidências concretas e negando o crime, o trio é condenado por um júri formado pela maior parte do grupo que quer enforcá-los. Os três são sumariamente enforcados após o que surge o xerife informando que o homem supostamente assassinado está vivo e que, portanto, o grupo havia linchado três inocentes.

Anthony Quinn; Paul Hurst
Dominados pela fúria - Em diversas ocasiões Henry Fonda afirmou que, de sua longa filmografia, dois eram os filmes que mais gostava: “Consciências Mortas” e “Doze Homens e Uma Sentença”. Este segundo, realizado 14 anos depois, em 1957, tem pontos de semelhança com o western de William A. Wellman pois ambos tratam da irracionalidade que domina os homens diante da possibilidade de uma execução, mesmo que não haja certeza dos fatos. Pior ainda no caso de “Consciências Mortas” em que sequer ocorreu o suposto assassinato que motivou a barbárie. Este é um filme psicologicamente tenso, sem nenhuma sequência de ação, exceto uma rápida troca de socos entre cowboys logo no início. Um sombrio e perturbador estudo do comportamento de grupos que reagem com histeria diante de acusados aos quais não é dado o mínimo direito de defesa. Homens dominados pela fúria comum em grupos que se deixam levar pelo desvario desconsiderando a razão e a consequência de seus atos. Passado no Velho Oeste, o acontecimento e a tensão instalada no lugarejo não raro ocorre em pequenos e grandes centros em tempos menos remotos.

Frank Conroy; Marc Lawrence
Confederado reprimido - Entre todas as personagens de “Consciências Mortas” destaca-se a do ex-oficial Confederado que vê se apresentar a oportunidade de mostrar que, com mais homens como ele, o resultado da Guerra Civil ocorrida duas décadas antes seria outro. Pomposo, arrogante, autoritário, elege-se naturalmente como o líder tanto dos sedentos vingadores como daqueles que se conformam em ficar ao lado dos mais fortes, no caso a turba desatinada. Gil Carter chega a dizer que Tetley sequer teria lutado. Esconde-se por trás desse homem o nunca superado abatimento pela derrota, sentimento reprimido e que irrompe quando a ocasião se apresenta. Para seu desespero seu próprio filho não comunga de seu comportamento perturbado e, humilhado pelo pai, reluta a obedecê-lo. Sete são os homens que não perdem a lucidez diante da excitação da turba e reagem opondo-se ao linchamento, entre eles um negro que profere orações em forma de música, contraponto ao opressivo sulista fardado. E o racismo se manifesta também quando Jeff Farnley (Marc Lawrence) pede para chicotear o cavalo do mexicano (Anthony Quinn) e com ódio no olhar diz: “O mexicano é meu!”.

Henry Fonda
A opção de Henry Fonda - Conhecido por suas atuações que, mesmo contidas, atingem uma pungência incomum, Henry Fonda dá uma demonstração de como um ator talentoso como ele pode prescindir de seus direitos de astro. O personagem de Fonda é apenas mais um entre os tantos que se agrupam na busca dos criminosos que não existem. Embora seu drama pessoal seja abordado - foi trocado pela amada por outro homem - isto em nada altera sua atitude na história e mesmo sua participação vai pouco a pouco sendo reduzida à medida que a tensão se eleva. Somente ao final, lendo a carta escrita para a esposa por um dos executados, é que Fonda se destaca lembrando a angústia de Tom Joad em “Vinhas da Ira”, este sim, um extraordinário momento do ator. O humanismo de Fonda é tão imenso quanto seu talento, isto num meio em que se briga por closes por segundos a mais ou a menos na tela e por salários cada vez maiores. Fonda sabia que naqueles tempos de guerra o público norte-americano queria ver seus astros matando alemães ou se envolvendo em dramas românticos em lugares exóticos como Casablanca. Mais importante para Henry Fonda (e William A. Wellman também) era levar o público à reflexão com uma história como a de “Ox-Bow Incident”, infelizmente um dos poucos westerns rodados naqueles anos.

Acima Harry Davenport e Leigh Whipper;
os sete homens contra o linchamento. 
Excelente time de coadjuvantes - Western conciso, com diálogos sucintos diretos e eficientes, "Consciências Mortas" prescinde apenas da presença desnecessária de Mary Beth Hughes que interpreta numa rápida sequência a mulher que Gil Carter (Fonda) amava. Mary Beth foi uma aposta da Fox que não se confirmou como grande estrela. Para compensar, este western reúne um notável e numeroso elenco de apoio e William A. Wellman consegue que cada um deles tenha relevância mesmo com as poucas falas individuais, suficientes para caracterizar cada personagem. Destaque maior para Harry Davenport e Leigh Whipper entre os menos conhecidos. Harry Morgan limita-se a dividir com Fonda a tristeza diante da covardia e histeria coletiva. Dana Andrews a caminho do estrelato tem os melhores momentos dramáticos como o infeliz rancheiro que vive o aterrorizante drama. Anthony Quinn como o desafiador mexicano já dava mostras de seu enorme talento que faria dele, em curto espaço de tempo, um dos maiores atores do cinema. Atenção para a presença de Rondo Hatton, ator acometido por acromegalia e que viria a falecer poucos anos depois deste trabalho, em 1946.

Frank Conroy, Chris-Pin Martin, Anthony Quinn e Marc Lawrence;
à direita Dana Andrews.

Excepcional faroeste - Magnífico trabalho de iluminação criando a atmosfera precisa nas apavorantes sequências de enforcamento, a cinematografia de Arthur C. Miller é um dos pontos altos de “Consciências Mortas”, além da ótima música incidental de Cyril J. Mockridge. Mais até que o tema principal do filme, assunto poucas vezes focalizado por Hollywood, a virtude maior deste western de William A. Wellman reside em exemplarmente demonstrar que excepcionais filmes não se fundamentam necessariamente em produções dispendiosas. Certa vez Orson Welles declarou que esta era a película que mais admirava e Clint Eastwood afirmou que em sua adolescência este foi o faroeste que mais o fascinou. Mesmo tendo produção de western B, “Consciências Mortas” concorreu ao Oscar de Melhor Filme na premiação de 1944, perdendo para “Casablanca”; ganhou porém o então importante prêmio do National Board Review como Melhor Filme do Ano e ainda ficou com o segundo lugar na escolha do New York Film Critics Circle Awards em 1943. Um dos melhores filmes do gênero, “Consciências Mortas” nunca deixou de ser uma lição de coragem, humildade e talento de seu diretor, bem como de Henry Fonda.


5 de novembro de 2016

EU MATEI JESSE JAMES (I SHOT JESSE JAMES) – O DRAMA PESSOAL DE ROBERT FORD


Samuel Fuller
Trabalhando com pequenos orçamentos no início de carreira, Samuel Fuller construiu uma invejável reputação como diretor e como roteirista de seus filmes. Ganhando a confiança dos produtores, Fuller realizou mais tarde o admirado “Dragões da Violência” (Forty Guns) e o superestimado “Renegando Meu Sangue” (Run of the Arrow), ambos de 1957. Do que Samuel Fuller nunca abriu mão foi de criar alguma polêmica com seus filmes e isso pode ser comprovado já em sua estreia como diretor, em 1949, quando dirigiu “Eu Matei Jesse James” (I Shot Jesse James). Tendo assinado contrato com a produtora de Robert L. Lippert para dirigir três filmes (todos por ele próprio roteirizados), Fuller em apenas dez dias de filmagens e com elenco e técnicos que o orçamento podia pagar entregou este western que se interessa menos por Jesse James e mais por aquele que passou para a história como seu ‘covarde assassino’.


Barbara Britton com John Ireland (acima)
e com Preston Foster.
Tudo por uma mulher - Após um frustrado assalto comandando sua quadrilha, Jesse James (Reed Hadley) reassume sua vida disfarçado como o pacato Tom Howard, homem casado e pai de filho que vive em St. Joseph, no Missouri. Abrigam-se na casa de James seu irmão Frank (Tom Tyler) e os irmãos Ford - Robert (John Ireland) e Charles (Tommy Noonan) - seus amigos. Robert Ford pretende se casar com a atriz Cinthy (Barbara Britton) e vê na recompensa de 10 mil dólares estipulada pela captura ou morte de Jesse James a possibilidade do matrimônio e início de uma vida honesta. Mais ainda depois de o governador declarar anistia a todos os bandidos, menos aos irmãos James. Robert Ford executa Jesse James mas não obtém a recompensa esperada e sim adquire a fama de covarde, o que faz com que Cinthy repense a ideia de se casar com ele. Surge então Kelley (Preston Foster) que também se interessa por Cinthy. Robert enriquece descobrindo prata em Creede, no Colorado, ao mesmo tempo que perde Cinthy para Kelley. Os dois homens duelam em frente ao saloon Silver King e Robert Ford é morto.

Reed Hadley
Insólita narrativa - No início de “Eu Matei Jesse James” um letreiro informa sobre as liberdades que o roteiro de Samuel Fuller tomou com os fatos históricos envolvendo Robert Ford. A partir daí pode-se esperar por qualquer coisa e Fuller não deixa por menos surpreendendo com sua insólita narrativa. Esqueça-se a lembrança do formoso Jesse James de Tyrone Power pois o lendário bandido agora interpretado por Reed Hadley está mais para Abraham Lincoln, faltando apenas a cartola para completar o personagem. E este Jesse James nunca se cansa de praticamente pedir para ser alvejado pelas costas por seu amigo Robert Ford, mesmo após ter discutido com este as vantagens desse assassinato. Fuller transforma seu western num melodrama ao trazer para a história um certo Kelley que viria a formar um triângulo amoroso entre Robert Ford e sua amada Cinthy. Porém antes desse bem declarado triângulo, houve outro sugerido pelo provocador Fuller.


Reed Hadley e John Ireland
‘Eu matei quem eu amava’ - Se a consciência de Bob Ford não permitiu que ele tivesse um minuto de paz após seu ato covarde, não é menos verdade, ao menos neste “Eu Matei Jesse James”, que seu coração também esteve dividido entre a namorada e seu chefe, o esposo de Zee James (Barbara Woodell). Após o malogrado assalto a banco no início do filme, Jesse procura cuidar do ferimento de Robert Ford, um tiro que trespassa o ombro e do qual não se vê sangue pela pobreza da produção. Pressentindo perigo, Zee pede para o marido se afastar dos irmãos Ford, mas ao invés disso é Bob Ford quem esquenta e traz água e ajuda Jesse James durante o banho deste. É quando Jesse entrega um reluzente Colt 45 para o amigo avisando que a arma é linda e tem um cabo moderno. O mesmo John Ireland viveu cena parecida com Montgomery Clift em “Rio Vermelho” quando ambos trocaram e admiraram mutuamente seus revólveres com evidente simbolismo. Enquanto Bob Ford acaricia o revólver, Jesse James oferece suas costas para o amigo esfregar. E Jesse observa que “quando dou um presente, dou completamente”. A tentação é grande e afinal Ford assassina o amigo, ficando com a indesejável fama que acaba por lhe dificultar o casamento com Cinthy. Após cansativas idas e vindas com portas que nunca se cansam de abrir para compor o triângulo Kelley-Cinthy-Bob Ford, eis que o ‘covarde assassino’ é finalmente morto por Kelley (O’Kelley na história real e não na rua, mas dentro do saloon e com um tiro no pescoço). Antes de morrer nos braços de Cinthy, Bob Ford confessa à perplexa moça que “amava Jesse James”. Samuel Fuller em seu estado mais puro.

Barbara Britton e John Ireland

John Ireland; Preston Foster
Participações pouco interessadas - Este singular western poderia funcionar bem, não fosse o roteiro pouco claro, desconexo mesmo em alguns diálogos e que compromete toda a criativa versão do delirante Fuller. Some-se a isso a não disfarçada pobreza da produção, isto quando se sabe que o que faz a glória de cineastas como Samuel Fuller, Edgar D. Ulmer e Phil Karlson, entre outros, é a capacidade de superar com criatividade a falta de recursos. Há em “Eu Matei Jesse James” um excesso de planos fixos o que dá ao filme uma estaticidade que os muitos e prolongados close-ups pouco ajudam. Sem falar que, por estarem participando de um filme de diretor estreante e certamente por estarem recebendo ínfimos salários por suas participações, Preston Foster e John Ireland não dissimulam a má vontade. Foster vivia o declínio de sua carreira e Ireland, que no ano anterior se destacara no clássico “Rio Vermelho” (Red River), interpretaria em 1949 o repórter de “A Grande Ilusão”, atuação que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

Tom Tyler
Três momentos bilhantes - Em se tratando de Samuel Fuller, felizes imprevistos são perfeitamente previsíveis e eis que o diretor nos dá três grandes momentos neste pequeno faroeste. O primeiro é quando Bob Ford está em cena revivendo num teatro o já famoso assassinato e seu remorso o impede de repetir seu ato fatal, mesmo que numa encenação. Em seguida há a sequência em que um trovador (Robin Short) canta, diante de Bob Ford a balada que fala do assassinato de Jesse James, momento brilhante pelas excepcionais participações do cantor e também de John Ireland, aqui num raro momento de maior comprometimento com o filme. E outra sequência marcante e própria do diretor é quando Bob Ford aparentemente atira em direção ao velho garimpeiro Soapy (Victor Kilian), dando a impressão de tê-lo matado e na sequência seguinte é dito que Ford atirara num puma que estava atrás de Soapy e não no minerador. Três belos momentos, dignos da fama de Fuller, que não conseguem sustentar um roteiro inconsistente.

Robin Short; Victor Kiliam

John Ireland
O incansável John Ireland - Creditado em primeiro lugar nos letreiros, Preston Foster faz o que se espera dele com sua presença forte. John Ireland era então, aos 35 anos, um dos mais fortes candidatos à condição de astro em Hollywood, com excelentes participações especialmente em policiais noir onde se sentia bem à vontade. Entre 1948 e 1949 Ireland participou de nada menos que 13 filmes, sempre em papeis relevantes. No entanto Ireland não atingiu o estrelato como, por exemplo, seus contemporâneos Kirk Douglas e Burt Lancaster. A linda Barbara Britton é do trio principal quem parece levar este western a sério. No elenco ainda o conhecido Victor Kiliam e Tom Tyler e Reed Hadley, ambos astros de seriados da Republic Pictures. Robin Short, que interpreta “A Balada de Jesse James” era um cantor de folksongs que se acompanha ao violão, exatamente como é mostrado neste western. Curioso que Jesse James ficaria marcado no cinema pela imagem de Tyrone Power, mesmo após tantos e tantos filmes (e seriados) sobre o bandido. E não foi desta vez que a lenda sobre Jesse foi desfeita, mesmo sob o enfoque de um diretor abusado como Samuel Fuller.


A cena real do assassinato, com John Ireland e Reed Hadley.

O assassinato encenado em um teatro, com John Ireland (Bob Ford) e um ator