John Sturges já havia dirigido cerca de
20 filmes quando filmou “A Fera do Forte Bravo” (Escape from Fort Bravo), em
1953 e em seguida “Conspiração do Silêncio” (Bad Day at Black Rock), em 1955.
Com esses dois filmes Sturges chamou a atenção da crítica, especialmente este
último, considerado por muitos uma obra-prima e também por vezes erroneamente classificado
como um western, o que obviamente não é. Quando, em 1956, a Universal
International decidiu produzir um faroeste classe ‘A’, ao custo de um milhão de
dólares, com roteiro de Borden Chase baseado numa história de Frank Gruber, não
teve dúvidas e contratou John Sturges, então com 45 anos. O western recebeu o
título de “Backlash” e foi chamado no Brasil “Punido pelo Próprio Sangue”,
sendo lançado em São Paulo no dia 11 de março de 1957 no Cine Art Palácio.
Quando saiu por aqui em DVD o título foi alterado para “Unidos pelo Próprio
Sangue” e a tentativa posterior de corrigir o erro resultou em “Punidos pelo
Próprio Sangue”, mais uma vez em desacordo com o título original. Curiosamente
o título mais errado é o que mais está mais próximo do que ocorre no filme.
O cartaz promovendo a estréia de "Punido pelo Próprio Sangue" em São Paulo; à direita capas de DVD com títulos diferentes do original. |
Robert J. Wilke encantado com a beleza de Donna Reed. |
A
ação da censura altera o roteiro - O mesmo Borden Chase já havia
focalizado o tema de vingança em família quando roteirizou “Winchester 73”
(1950), dirigido por Anthony Mann. Desta vez, com “Punido pelo Próprio Sangue”
Chase alterou bastante a história original de Frank Gruber, na qual pai e filho
se reencontram e seguem juntos rumo ao futuro. Chase preferiu dar contornos
mais trágicos à história fazendo com que Jim Slater (Richard Widmark) ao
encontrar seu pai Jim Bonniwell (John McIntire) termine por matá-lo. A censura,
no entanto, obrigou a Universal Pictures a promover diversas alterações no
roteiro, entre elas o final edipiano e num trabalho de edição, quando o filme já
estava pronto, Bonniwell é morto por um dos tiros disparados por um grupo de
cowboys. A edição final excluiu ainda uma tentativa de estupro sofrida pela
viúva Karyl Orton (Donna Reed), além de sequências apontadas pelo Código de
Produção como demasiado violentas.
O revólver na mão de Richard Widmark indica que ele teria matado John McIntire. |
Punido
por uma bala perdida - Jim Slater é um viajante texano que
foi abandonado pelo pai quando tinha um ano de idade e não descansa até
descobrir o que aconteceu com seu progenitor. As pistas o levam até um local
chamado Gila Valley onde há cinco covas e pouco a pouco Slater descobre a
identidade de cada um dos cadáveres ali enterrados. A princípio Slater acredita
que seu pai seja um dos mortos, concluindo posteriormente que um sexto homem
chamado Jim Bonniwell é não só é responsável pelas mortes dos cinco homens ali enterrados,
como também fugiu com 60 mil dólares em ouro roubados de um banco. Os cinco
homens foram mortos por índios apaches. Com esse dinheiro Bonniwell tornou-se pecuarista,
aumentando seu rebanho com gado roubado de outros fazendeiros. Quando Slater
descobre que Bonniwell não é outro senão seu pai, este tenta matar o filho desafiando-o
para um duelo traiçoeiro. Nesse ínterim trava-se uma batalha entre os homens de
Bonniwell e os do Major Carson (Roy Roberts), um fazendeiro rival. Quando
Bonniwell está pronto para matar seu filho é atingido fatalmente por uma bala perdida
disparada pelo grupo do Major Carson, não chegando a consumar o duelo com o
filho e portanto não sendo punido pelo
próprio sangue como indica o título nacional.
Acima Richard Widmark, abaixo John McIntire. |
Sequência
interminável de mortes - Mais que um faroeste, “Punido pelo
Próprio Sangue” é uma história de mistério na linha dos mais complexos filmes
noir e por isso mesmo nada fácil de ser compreendida. Na busca por seu pai Jim
Slater encontra inúmeros personagens que o ajudam a desvendar as sendas
percorridas por Jim Bonniwell. Não falta na história, como não poderia deixar
de ser uma estranha e bela mulher que é Karyl Orton, viúva de um dos homens
enterrados em Gila Valley. Karyl é experiente, confessando ter sido prostituta
para sobreviver após o desaparecimento do marido e mesmo assim se apaixona por
Slater. O Sargento Lake (Barton MacLane) possui informações sobre Jim Bonniwell
e antes de morrer ajuda Slater. Os irmãos Tony Welker (Harry Morgan) e Jeff
Welker (Robert J. Wilke), irmãos de um Welker enterrado em Gila Valley são
igualmente mortos, o mesmo ocorrendo com Tom Welker (Regis Parton), o quarto
irmão Welker, este morto em legítima defesa por Jim Slater. De passagem são
também mortos um jovem metido a pistoleiro chamado Johnny Cool (William
Campbell) e o xerife Olson (Robert Foulk), de Sierra Blanca. Tantos personagens
e tantas mortes confundem ainda mais o espectador que espera pelo encontro e
possível confronto entre pai e filho.
Certamente o leitor já ouviu frase parecida em outros westerns. |
Cinismo
a la Bogart - Em meio a tantas mortes, há uma sucessão de diálogos nada
inteligentes mas pretensamente cínicos como os que ilustravam com brilho os
melhores filmes noir. O gerente de um hotel diz a Karyl Orton: “Posso dizer que está elegante?” “Pode e
obrigada”, responde ela. “É uma
garota engraçada. Gosto de garotas engraçadas” fala sem nenhuma graça
Johnny Cool como se fosse um personagem de Humphrey Bogart. Mas o ápice da
falta de inspiração ocorre quando Jim Slater explica sua determinação a Karyl
Orton dizendo à moça o ressonante clichê “Há
coisas que um homem tem que saber e tem que fazer”. É impossível se fazer
um bom filme sem um bom roteiro e tudo piora quando sequências inteiras são mal
dirigidas e interpretadas. E o mais surpreendente é que o diretor é um
especialista chamado John Sturges que legaria ao gênero filmes importantes como
“Sem lei e Sem Alma” e “Duelo na Cidade Fantasma” e clássicos absolutos como
“Duelo de Titãs” e “Sete Homens e Um Destino”. Nem mesmo as sequências de ação
de “Punido pelo Próprio Sangue” merecem a assinatura de John Sturges.
O pistoleiro empavonado William Campbell. |
Pistoleiro
resplandecente - Relativamente curto (84 minutos) para comportar tantos
personagens, este western de John Sturges tenta aprofundar psicologicamente
alguns deles, o que apenas torna a história pouco coerente. A própria presença
da personagem Karyl Orton somente se justifica para que Donna Reed exiba sua
beleza (e talento) e um interminável guarda-roupa recém-saído de uma boutique
country. Verdadeiro nonsense ocorre quando Karyl despe-se de sua blusa para com
ela estancar o sangue de Jim Slater, permanecendo Karyl com sua anágua para
deleite do espectador. Em seguida Karyl vai até o alforje de seu cavalo e da
bolsa retira uma outra blusa com a qual compõe sua impecável elegância. E não é
que Karyl extrai a bala do ombro de Slater com incrível perícia e sem
necessitar qualquer convalescença... Inteiramente desnecessária é a figura
caricata do pistoleiro irresponsável Johnny Cool que possibilita a William
Campbell fazer a pior imitação de ‘Jack Wilson’, o pistoleiro de “Shane”
imortalizado por Jack Palance. O escritor Glenn Lovell, autor de “Escape Artist”
(biografia de John Sturges) observou saborosamente que Campbell em “Punido pelo
Próprio Sangue” está mais para o pianista Liberace que para Jack Palance. Mas é inegável que Campbell aprendeu bem as lições de manejo de revólver que Kirk Douglas lhe ministrou em "Homem Sem Rumo" (Man Without a Star), um ano antes. E se
o leitor não consegue imaginar Harry Morgan como pistoleiro, procure-o neste
western com risadas garantidas pela figura inconvincente do ator. Nada, no
entanto, é mais engraçado que ver Edward Platt e Robert Foulk tentando passar
por xerifes, Platt que anos depois ficaria marcado como o ‘Chefe’ do
atrapalhado Agente 86 da TV. Por outro lado, bandidos do calibre de Robert J.
Wilke e Jack Lambert permanecem poucos minutos na tela em notável desperdício
de talentos.
Sequência em que Donna Reed cura e seduz Richard Widmark. |
John McIntire e Richard Widmark. |
Western-mistério -
Se há algo que faz com que “Punido pelo Próprio Sangue” mereça ser assistido é
a interpretação contida de Richard Widmark. Perfeito ao expressar a angústia da
descoberta do pai assassino (McIntire) que confessa jamais haver matado alguém
que não merecesse morrer. John McIntire que geralmente interpreta homens
honestos, marcou bastante como o inescrupuloso traficante de armas de
“Winchester 73”. Como Jim Bonniwell, McIntire repete sem o mesmo brilho um vilão
ignóbil. “Punido pelo Próprio Sangue” foi filmado em 34 dias com as principais
locações nos cenários da cidade cenográfica de Old Tucson, em Tucson (Arizona),
ficando a bela fotografia do filme a cargo de Irving Glassberg. Com os tantos e
respeitados nomes envolvidos no elenco sob a direção de John Sturges, esse
faroeste é uma infeliz tentativa de criar o que se poderia chamar de
western-mistério. E decididamente não é o mistério que prende a atenção do
espectador num faroeste, como comprova “Punido pelo Próprio Sangue”.
Ao disparar seu revólver William Campbell fecha os olhos, porém Donna Reed mantém-se impassível sem se incomodar com o estampido. |
Alguns dos modelitos que Donna Reed desfila em "Punido pelo Próprio Sangue". |