John Huston |
Entre as diversas vertentes do gênero
western está aquela que produziu filmes ambientados no México com
características e personagens próprios. Hollywood primeiro e o
western-spaghetti posteriormente assimilaram bastante dessa vertente, se bem
que o cinema norte-americano de há muito se interessara pela História e por
histórias do país vizinho, como o fez em 1934 com “Viva Villa!”. Em 1935 o
jovem roteirista John Huston leu “The Treasure of the Sierra Madre” e desde
então ficou obcecado por essa aventura escrita por um misterioso autor que
assinava B. Traven e que vivia no México. De roteirista (“Jezebel”, “Juarez”,
“Sargento York” e “Seu Último Refúgio”) Huston passou a diretor e “Relíquia
Macabra” foi seu primeiro filme na nova função, tendo ainda voltado a dirigir
Humphrey Bogart em “Garras Amarelas”. Somente em 1947, após a guerra, Huston
conseguiu retomar o projeto de filmar a história de Traven, fazendo chegar um
roteiro ao escritor que o aprovou mesmo tendo sido atenuados os fortes aspectos
anticapitalistas do livro e ignoradas as menções ao anarquismo. Para dar maior
autenticidade ao filme Huston conseguiu com Jack Warner que as locações fossem
no México, algo pouco comum naqueles anos. Os três personagens principais da
história seriam vividos por Humphrey Bogart, Walter Huston (pai de John) e
Ronald Reagan, este como o mais jovem da expedição que parte para as montanhas
em busca de ouro. Reagan acabou sendo substituído por Tim Holt. Definido
inicialmente como um filme de aventura e apesar de a ação se passar em 1925,
estão certos os autores Phil Hardy, Buck Rainey-Les Adams e Paul Simpson que classificam
“O Tesouro de Sierra Madre” como um western, dentro daquela amplitude que o
gênero ganhou.
Acima Tim Holt e Humphrey Bogart; Walter Huston; e abaixo Alfonso Bedoya. |
O
ouro perdido - Fred C. Dobbs (Humphrey Bogart) é um norte-americano que perambula
pela cidade de Tampico onde conhece o conterrâneo Curtin (Tim Holt), igualmente
desempregado. Ambos são enganados por um empregador desonesto (Barton MacLaine)
com quem travam luta e acabam por receber o salário combinado. Ao dormir num
albergue escutam a conversa de Howard, um velho também norte-americano (Walter
Huston) que convence os dois a juntarem o pouco dinheiro que têm para formar
uma expedição para prospectar ouro numa montanha (Sierra Madre). Graças à
experiência de Howard conseguem superar várias dificuldades e juntar quase 100
mil dólares em ouro bruto. Surge então o texano Cody (Bruce Bennett) que
pretende se tornar sócio do trio, o que não chega a acontecer pois são atacados
pelo bando de Gold Hat (Alfonso Bedoya). Defendem-se como podem e ao final Cody
é morto e os bandidos fogem com a aproximação dos rurales que querem
capturá-los. Dobbs, Curtin e Howard decidem encerrar a expedição e é quando
Dobbs aos poucos muda seu comportamento passando a desconfiar dos amigos e em
seguida tenciona ficar sozinho com o tesouro acumulado. Dobbs tenta matar
Curtin quando Howard se afasta para atender a uma criança doente numa aldeia
índia. Dobbs deixa os companheiros para trás e ao se aproximar de um povoado é
atacado e morto por Gold Hat e mais dois bandidos que desconhecendo que era
ouro o que havia nos sacos que os burros carregavam se desfazem do ouro
jogando-o no chão. Em seguida ocorre uma tempestade de vento e o ouro é todo
levado pelo vento misturando-se à poeira e perdendo-se. Howard e Curtin
conformam-se com a sorte madrasta mas pelo menos continuam vivos.
Humphrey Bogart |
Um
homem obcecado - A forte impressão que este filme deixa no espectador deve-se
muito ao fato de boa parte de sua ação ter sido filmada em locações no México o
que levou o elenco praticamente à exaustão diante das dificuldades encontradas.
John Huston sabia que essa era a melhor forma de extrair dos atores desempenhos
mais convincentes, o que de fato conseguiu. A transformação física e
psicológica de Humphrey Bogart é a mais notável, mesmo porque os personagens de
Walter Huston e Tim Holt são contrapontos à obsessão que passa a dominar Dobbs
levando-o à paranoia. Já idoso, Howard quer apenas um final de vida tranquilo,
o que afinal consegue com a tribo que o adota como espécie de herói, médico e
conselheiro. Curtin intenta conhecer a viúva de Cody no Texas e, quem sabe,
iniciar por lá uma nova vida como agricultor. O realismo obtido por Huston se
aproxima de outro filme que tratou do tema do câncer da cobiça que foi “Ouro e
Maldição”, de Erich Von Stroheim. Howard advertiu que a loucura poderia se
apossar dos homens se estes não tivessem controle diante da riqueza. É quando
ele diz com seu jeito gaiato que sabe o que o ouro faz com os homens. Previa o
que aconteceria com Fred C. Dobbs que se torna um verdadeiro monstro psicótico.
Acima Walter Huston; abaixo atores mexicanos. |
Influenciando
Peckinpah - Mais que uma mera aventura de homens em busca de um
tesouro, o que a história de B. Traven roteirizada por John Huston faz é
estudar o comportamento humano quando posto à prova. E o faz com rara maestria
transformando Fred C. Dobbs num dos mais abjetos personagens do cinema. E
louve-se a coragem de Bogart, um dos grandes astros da tela submetendo-se a
interpretar esse tipo que ao longo do filme se torna execrável. Huston criou um
admirável filme de ação onde não há mulheres, a exemplo de “Meu Ódio Será Sua
Herança” que Sam Peckinpah filmaria 21 anos depois. E Peckinpah sequer esconde
sua admiração pelo filme de Huston o qual cita quando da disputa pelos bandidos
(Strother Martin e L.Q. Jones) pelas botas de um homem morto e quando o velho
Sykes ri ao descobrir os sacos de arruelas. Contribui enormemente para a
atmosfera única conseguida pelo filme de Huston, além da autenticidade das
locações, a fotografia de Ted D. McCord realçando a crueza da paisagem. E são
raros os momentos em que a tonitruante música de Max Steiner não interfere
negativamente, brigando com as imagens tentando se sobrepor à força destas.
Acima Alfonso Bedoya; abaixo José Torvay à direita. |
Mexicanos
idiotizados - Nem tudo é perfeito em “O Tesouro de Sierra Madre” e além
da referida trilha musical de Max Steiner há também o desleixo de deixar
visível que não são os atores que travam luta na bodega. O pior caso é o de Tim
Holt substituído por David Sharpe com a diferença fisionômica saltando aos
olhos. E de certa forma é inaceitável que os bandidos liderados por Gold Hat se
interessassem apenas pelos burros, armas e peles dos exploradores de ouro, sem
desconfiar que eles trouxessem algo mais valioso da montanha que defenderam com
unhas e dentes. Gold Hat se mostra bastante sagaz e seria incapaz de não desconfiar que os
muitos e pesados sacos que os burros carregavam, escondidos sob as peles,
fossem apenas areia para dar mais peso às peles. Esses detalhes nem de longe
tiram o brilho e a força do filme de Huston, filme bastante violento para seu
tempo com Dobbs tentando assassinar a sangue frio o companheiro Curtin e mais
ainda quando Gold Hat mata Dobbs a golpes de facão. O Código Hays não permitia
que as mortes fossem mostradas, mas Huston consegue mesmo assim criar o horror que
elas causam. O final um tanto quanto moralista ameniza a tensão que domina o
filme e a nefanda figura interpretada por Humphrey Bogart.
Acima Humphrey Bogart e Tim Holt; abaixo Tim Holt e Bruce Bennett. |
Prêmios
merecidos - Se Bogart tem um de seus melhores desempenhos no cinema,
tendo sido ignorado pela Academia, “O Tesouro de Sierra Madre” rendeu dois
prêmios Oscar para John Huston, pelo Melhor Roteiro e Melhor Direção, enquanto
Walter Huston recebeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. O prêmio de Melhor
Filme foi para “Hamlet”, de Laurence Olivier, sendo que o filme de Huston foi
um dos cinco indicados para esse prêmio. Walter Huston tem alguns momentos em
que se excede na composição do velho zombeteiro e falastrão. Tim Holt rende
muito acima do que se poderia esperar e Bruce Bennett (Herman Brix) é uma boa
surpresa num papel pequeno mas marcante. Alfonso Bedoya supervalorizou sua
participação e pode-se dizer que introduziu no cinema o bandido mexicano
gaiato. Bedoya imortalizou a frase “Distintivo? Eu não preciso de distintivos fedorentos”.
Barton MacLane e Robert (Bobby) Blake tem pequenas participações e John Huston
transita por Tampico como o homem de terno branco que dá moedas a Fred C.
Dobbs. Fãs de faroestes B reconhecerão Jack Holt e também David Sharpe, um dos melhores dublês da Republic
Pictures.
Walter Huston |
Bilheterias
fracas - Do orçamento inicial de três milhões de dólares, muito
acima da média para aqueles anos, o custo final passou de cinco milhões de
dólares, isto devido ao tempo a mais que toda a equipe passou nas locações em Sonora e
outros locais no México. Quando do lançamento do filme nos EUA, em janeiro de 1948, o público não prestigiou esta produção da Warner Bros. e, sem chegar a ser um
fracasso completo, não deu lucro ao estúdio. Com as boas críticas e a
repercussão obtida com os prêmios recebidos, através dos anos “O Tesouro de
Sierra Madre” obteve sucessivas reprises e hoje faz parte de qualquer boa
coleção pois é considerado um clássico no gênero aventura e frequenta muitas
listas de melhores westerns, embora, como foi dito acima, não seja um western puro.
Provável foto de B. Traven. |
O
misterioso B. Traven - Um fato importante sobre os
bastidores de “O Tesouro de Sierra Madre” é o que John Huston narrou dizendo que
marcou um encontro com o enigmático B. Traven num hotel na Cidade do México,
onde esperou pelo autor por uma semana e ao final quem apareceu foi um
homenzinho chamado Hal Croves. Este trazia uma carta de Traven dizendo que o
portador era a pessoa certa para qualquer informação pois sabia muito mais a
respeito de Traven que ele próprio. Croves foi contratado como consultor
durante a rodagem do filme mas, para decepção de Huston, pouco ou nada
acrescentou ao que se sabia sobre o esfíngico escritor que continuou sendo um
mistério jamais totalmente desvendado. Muitas histórias de B. Traven foram
levadas à tela, entre elas “Macário” que virou filme com esse mesmo título,
estrelado por Pina Pellicer, a jovem mexicana que atuou com Marlon Brando em “A
Face Oculta” (One-Eyed Jacks). O fato é que “O Tesouro de Sierra Madre” é um daqueles
filmes que merecem ser chamados de ‘filmaço’ e mesmo tendo sido feito há 70
anos conserva seu vigor e força da mensagem.
Documento que seria pertencente a B. Traven, cujo nome verdadeiro seria Traven Torsvan. |