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David Webb Peoples e Clint Eastwood |
Clint Eastwood pretendia encerrar sua
trajetória em westerns em 1985, quando estava com 55 anos de idade. Havia dois
projetos possíveis, “The Cut-Whore Killings” (Os Esfaqueadores de Prostitutas),
roteiro original de David Webb Peoples, e um outro denominado “Pale Rider” (O
Cavaleiro Solitário), cujo enredo muito se aproximava de “Os Brutos Também
Amam” (Shane). Eastwood entendeu que ainda não estava suficientemente velho
para interpretar o ex-pistoleiro, personagem central da história de David Webb Peoples
e decidiu atuar e dirigir aquele que seria seu último faroeste, “O Cavaleiro
Solitário”, magnífico filme que custou quatro milhões de dólares e rendeu mais
de 40 milhões de dólares. Os filmes seguintes de Eastwood não foram tão bem nas
bilheterias, especialmente “Coração de Caçador”, de 1990, que ele dirigiu e
atuou, resultando em retumbante fracasso. Nesse mesmo ano de 1990 Kevin Costner
dirigiu “Dança com Lobos” (Dances with Wolves), western que recebeu sete
prêmios Oscar e foi estrondoso sucesso de público. O êxito do filme de Costner
motivou Clint Eastwood a reler o roteiro de Peoples, que havia alterado o
título para “The William Munny Killings” (Os Assassinatos de William Munny) e
filmá-lo, com o título para “Unforgiven” (Os Imperdoáveis). Para compor o
elenco a Malpaso de Eastwood contratou Gene Hackman, Richard Harris e Morgan
Freeman, atores consagrados, respeitados e caros, o que não era comum nas
produções da Malpaso, nos quais Eastwood era sempre o único grande astro. Com
“Os Imperdoáveis”, Clint Eastwood a quem a crítica e parte do público sempre
torceram o nariz, foi, finalmente, reconhecido como diretor talentoso e ótimo
ator.
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Acima Tara Frederick, Anna Thomson e Frances Fisher; nas demais fotos Morgan Freeman e Clint Eastwood |
Recompensa
incomum - Em Big Whiskey, cidade dominada com mão de ferro pelo
xerife Little Bill Daggett (Gene Hackman), dois cowboys estão em um bordel com
prostitutas. Um deles agride a meretriz Delilah (Anna Tomson) e retalha com
faca o rosto da moça. As demais prostitutas do bordel, lideradas por Strawberry
Alice (Frances Fisher) se revoltam por Little Bill não ter punido devidamente
os dois cowboys e resolvem dar um prêmio a quem executá-los. A notícia se
espalha e o jovem The Schofield Kid (Jaimz Woolvett) se interessa pelos mil
dólares oferecidos pelas mulheres do prostíbulo. The Schofield Kid procura um
parceiro para a empreitada e vai até a fazenda de William Munny (Clint
Eastwood), criador de porcos que foi no passado um violento pistoleiro
responsável por muitas mortes. Munny aceita a proposta e convida seu amigo Ned
Logan para se juntar a eles. Logan é um negro, companheiro de Munny nos tempos
de vida criminosa. Ao chegar em Big Whiskey, Munyy é surrado por Little Bill que
o expulsa da cidade. Recuperado do brutal espancamento, Munny reencontra os
dois companheiros e conseguem executar a dupla de cowboys. Ned Logan é
capturado e chicoteado por Little Bill até a morte, tendo seu corpo colocado
num caixão e exposto à porta da taverna-prostíbulo. William Munny decide
retornar a Big Whiskey e vingar a morte do amigo, matando Little Bill e seus assistentes,
além de Skinny (Anthony James), dono do prostíbulo.
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Morgan Freeman e Gene Hackman; Morgan Freeman sendo açoitado. |
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Clint Eastwood |
Reação
à violência - Considerado um western ultraviolento, em “Os
Imperdoáveis” nenhuma sequência brutal acontece gratuitamente pois as ações
decorrem como reação ao comportamento autoritário e soberbo de Little Bill.
Mesmo a reação do cowboy que corta o rosto da prostituta Delilah, ocorre por
esta ter achado graça do tamanho do pênis do vaqueiro a quem ela deveria
satisfazer. Após concretizar a missão, Will Munny quer retornar para sua fazenda,
onde deixou sozinhos o casal de filhos (Munny é viúvo há três anos), momento em
que fica sabendo Ned Logan foi assassinado. Daí em diante nada mais importa
para Munny, a não ser vingar Ned Logan, ainda que isso lhe custe a vida.
Decreta assim a sentença de morte de Little Bill, ou a sua própria. Para
desgraça do xerife e dos que estão com ele, ressurge no velho pistoleiro a
frieza e pontaria de outros tempos fazendo com que sejam todos imperdoáveis
para William Munny.
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Frances Fisher com Anna Thomson e Liisa-Repo Martell; à direita Frances Fisher, Anna Thomson, Liisa-Repo Martell, Tara Frederick e Anthony James. |
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Jaimz Woolvett |
“Você
só usa as mãos?” - Contraponto à exacerbada violência,
“Os Imperdoáveis” tem momentos de delicadeza expressos na sincera amizade entre
Ned Logan e Will Munny, nas vezes em que este se detém ao lado do túmulo de sua
esposa Cláudia e ainda quando renascem as esperanças das prostitutas em ver
punidos os cowboys que cortaram Delilah. Mesmo a morte de Davey (Rod Campbell)
é um hiato na bestialidade que o filme exibe, com a dolorosa agonia do cowboy
alvejado por Munny e com a recusa de Logan em disparar seu rifle Spencer contra
a presa indefesa que se tornara o jovem cowboy. A bizarra figura do jactancioso
fanfarrão Schofield Kid é convertida num infeliz e quase cego pseudopistoleiro
que confessa jamais haver matado alguém. E notável a encantadora franqueza de
Ned Logan perguntando a Munny como ele se virava sem mulher há três anos: “Você
só usa as mãos?”
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Clint Eastwood e Morgan Freeman; Eastwood. |
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Gene Hackman |
A mitificação
de fraudes - Conta-se que Clint Eastwood levou sua mãe a Sonora, para
que ela aparecesse como figurante em uma tomada, cena que acabou sendo não
utilizada. Clint desculpou-se com sua genitora dizendo que o filme havia ficado
um tanto longo e ele teve que cortar algumas sequências. Com 130 minutos de
duração, “Os Imperdoáveis” é um daqueles raros filmes com roteiro apurado e
encadeamento perfeito das ações, mesmo com diversos personagens importantes.
English Bob (Richard Harris) é um vaidoso e pernóstico inglês, acompanhado do
escritor Beauchamp (Saul Rubinek), que mitifica o pretenso exímio e destemido
atirador que é Bob afirma ser. Até que o inglês é espancado, preso e humilhado
por Little Bill que o expulsa de Big Whiskey devolvendo-lhe o Colt com o cano
entortado, degradação suprema para o pedante britânico. Esse episódio, que
pouco tem a ver com a trama central, é fundamental para delinear mais
completamente o sadismo de Little Bill. Esse comportamento aparentemente desnecessário
reflete o ódio que o xerife nutre pelas fantasias criadas no Velho Oeste
mitificando fraudes transformadas em lendas. Permite-se até o trocadilho com o
título da história escrita para glorificar English Bob, título que Little Bill
insiste em chamar de “The Duck of Death” (O Pato da Morte), ao invés do
original “The Duke of Death” (O Duque da Morte). E até mais que isso, a primorosa
e meticulosa descrição das reações dos assistentes de Little Bill, todos tensos
empunhando seus rifles e revólveres mirando o indefeso English Bob.
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Richard Harris e Saul Rubinek; Gene Hackman, Richard Harris e Saul Rubinek. |
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Gene Hackman |
Estilo
personalíssimo - Dedicado a Sergio Leone e a Don Siegel, este western de
Clint Eastwood sofre zero de influência do estilo rebuscado de Leone, primando
pela simplicidade quase austera presente nos filmes de Siegel. Sem floreios ou
malabarismos de câmara, Eastwood cria momentos de invulgar lirismo ao som da
guitarra de Laurindo de Almeida, resultando em imagens de singela beleza, o que
Siegel jamais seria capaz de conceber. Num elenco que destaca atores renomados
como Gene Hackman, Morgan Freeman e Richard Harris, a direção de Eastwood
extrai de cada coadjuvante impecáveis desempenhos. As prostitutas expressam
medo, dor e indignação; os olhares dos assistentes demonstram o temor às
reações sarcásticas e violentas de Little Bill; o silêncio da índia Sally (Charrilene
Cardinal) é altamente significativo, apenas menos que os olhares que Ned Logan
lança a cada bravata contada por Schofield Kid. Se o roteiro norteia as
sequências com os diálogos econômicos e exatos, à irrepreensível direção de
atores somam-se as bem acabadas e igualmente despidas de desnecessário
requintes das sequências de ação. Esse estilo despojado de Eastwood que tanto
impressionou em “Josey Wales, o Fora-da-Lei” e “O Cavaleiro Solitário”, atingiu
a perfeição neste “Os Imperdoáveis”. A matança final dentro da taverna de
Skinny pode soar façanha excessiva, mas o sutil roteiro antecipa através de
Little Bill como agem os verdadeiros pistoleiros. O xerife didaticamente
explica que uma arma só funciona eficientemente se quem a usa tiver o
necessário sangue frio para matar. É o que acontece na antológica sequência,
com os assistentes de Little Bill (que já havia sido baleado) atônitos e
incapazes de mirar em Munny enquanto este certeiramente os atinge nos 24
segundos que dura o claustrofóbico confronto.
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Clint Eastwood; Gene Hackman |
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Anna Thomson e Clint Eastwood; Clint Eastwood. |
Forçado
sentimentalismo - Imperfeições há neste estupendo
trabalho de Clint Eastwood, como quando ele se mostra incapaz de montar sua
velha égua que o acompanha de longa data, desacostumada em ser cavalgada.
Ênfase desnecessária no envelhecimento do pistoleiro que erra um alvo a três
metros de distância e que chafurda na lama ao tentar sem sucesso agarrar um dos
porcos. Retirar-se do mundo dos pistoleiros, mesmo com a dor da ausência da
esposa amada e redentora, não implica em se arruinar fisicamente dessa maneira.
Sentimental e forçado o contato entre Will Munny e Delilah, com esta se
oferecendo de graça para o pistoleiro que recusa a proposta para não trair a falecida
mulher que o redimiu da vida de quem matava tudo que andasse ou rastejasse. Mais
realista seria Munny aceitar os favores da agradecida e infeliz prostituta.
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Clint Eastwood |
Brilhantíssima
atuação - Atuar e dirigir é uma tarefa para poucos e Clint Eastwood
tem neste western uma das melhores
interpretações de sua carreira, mais que merecendo ser premiado com o Oscar de
Melhor Ator. Clint concorreu com Robert Downey Jr. como Charles Chaplin; com
Stephen Rea em “Traídos pelo Desejo”; e com Denzel Washington como Malcom X.
Clint perdeu para Al Pacino (vencedor por “Perfume de Mulher”) em uma atuação
que pouco exigiu do pequeno grande ator, concretizando mais uma injustiça da
Academia que acreditou que dar o prêmio de Melhor Diretor e de Melhor Filme a
Eastwood já estava de bom tamanho. Gene Hackman foi premiado como Melhor Ator
Coadjuvante com seu ‘Little Bill’, láurea merecida numa interpretação aquém daquela
de Eastwood. Morgan Freeman excelente como sempre e Richard Harris excessivo
como de hábito. Frances Fisher, que então vivia com Clint Eastwood, de quem
engravidou em seguida ao filme e Anna Thomson, igualmente ótimas.
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Clint Eastwood |
O
violão de Laurindo de Almeida - Filmado em 39 dias, cinco acima do
programado, “Os Imperdoáveis” não foi um filme fácil de ser feito, tendo
locações em Alberta e Calgary no Canadá e em Sonora, na Califórnia. Eastwood
usou muitas sequências noturnas, como gosta de fazer e com chuva (artificial),
criando uma atmosfera sombria, típica de filme noir com a cinematografia de
Jack N. Green. O filme recebeu ainda um Oscar de Melhor Edição (Joel Cox) e a
música, creditada a Lennie Niehaus, teve a colaboração de Clint Eastwood que
também compôs parte da trilha musical. O músico brasileiro Laurindo de Almeida
tocou a guitarra que singelamente se escuta em diversas sequências com o tema
de abertura e final, tendo sido este seu último trabalho para o cinema.
Laurindo emprestou sua arte, entre muitos outros filmes, a “O Álamo”, “Os
Comancheiros” e “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo).
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Clint Eastwood |
Merecido
reconhecimento - “Os Imperdoáveis” custou 14 milhões de dólares,
arrecadando nos cinemas 101 milhões de dólares (185 milhões em valores
atualizados), sendo o filme mais rentável de Clint Eastwood depois das duas
comédias em que ele atuou ao lado do orangotango Clyde. Foi também,
infelizmente para o gênero, o derradeiro western da carreira do grande
ator-diretor, sendo considerado pelo American Film Institute o quarto entre os
dez melhores faroestes de todos os tempos. Em 2007 o mesmo American Film
Institute classificou “Os Imperdoáveis” como o 68.º melhor filme de todos os
tempos. Se Clint Eastwood sempre foi sinônimo de extraordinário cowboy das
telas, com este filme o ator gravou com letras de ouro seu nome na história do
western.
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Clint Eastwood no set de "Os Imperdoáveis" e vista da cidade de Big Whiskey construída especialmente para o filme. |
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Clint Eastwood dirigindo "Os Imperdoáveis", no centro com Richard Harris. |