Henry Fonda e James Stewart, grandes amigos antes da fama. |
É bastante conhecido o episódio das
vidas de Henry Fonda e James Stewart quando, nos tempos difíceis antes do
início de carreira, dividiram um quarto tornando-se desde então grandes amigos.
Jimmy e Fonda estrearam praticamente ao mesmo tempo no cinema e depois de mais
de 30 anos de carreiras só vieram a se encontrar num filme em 1968 (não se
considere “No Nosso Alegre Caminho”, de 1948, em que ambos atuam em sequências
diferentes, sem contracenar um com o outro). Verdadeiras lendas de Hollywood,
era de se esperar que a reunião de ambos resultasse num grande filme, ainda
mais porque se tratava de um western, gênero em que ambos brilharam
intensamente. O faroeste que juntou os dois amigos na tela foi “O Último Tiro”
(Firecreek), com história de Calvin Clements, inicialmente projeto para um telefilme,
mas que a Warner Bros. percebeu que a história tinha bom potencial para uma
produção de primeira linha. Foram contratados os dois veteranos astros e a
direção deveria ficar a cargo de Andrew V. McLaglen que se viu obrigado a
recusar em razão de outro compromisso. O estúdio decidiu arriscar entregando a
direção a Vincent McEveety, diretor com experiência restrita à televisão. “O
Último Tiro” não foi bem recebido pelo público e muitos críticos, ao comentar o
filme, jocosamente o chamaram de ‘Matar ou Morrer geriátrico’. De fato a
história de Calvin Clements é um roteiro com muitos pontos em comum com o
grande western de Fred Zinnemann.
Acima o quinteto de pistoleiros liderado por Henry Fonda; abaixo o duelo entre Henry Fonda e James Stewart. |
Luta
desigual - Larkin (Henry Fonda) lidera um bando de pistoleiros que
aluga suas armas a criadores de gado. Larkin levou um tiro e precisa de
cuidados pois está sangrando bastante e decide descansar na pequena Firecreek,
cidade que parece ter parado no tempo. Firecreek não possui xerife e
informalmente foi eleito para a função o rancheiro Johnny Cobb (James Stewart),
recebendo por esse trabalho dois dólares por mês. Enquanto Larkin se recupera
hospedado no hotel dirigido por Evellyn Pittman (Inger Stevens), seus comparsas
Earl (Gary Lockwood), Morgan (Jack Elam), Drew (James Best) e Willard (Morgan
Woodward) aterrorizam o lugarejo. Drew tenta estuprar a índia Meli (Barbara
Luna) e é morto pelo jovem Arthur (Robert Porter) que em seguida é enforcado
pelos pistoleiros de Larkin. Johnny Cobb é obrigado a deixar sua esposa que
está em trabalho de parto sob os cuidados da vizinha Dulcie (Louise Lathan) para
enfrentar os quatro homens restantes numa luta desigual. Cobb sabe que não pode
contar com nenhuma ajuda dos acovardados habitantes de Firecreek e mesmo assim
consegue superar três dos pistoleiros, restando apenas Larkin. Este alveja Cobb
por duas vezes e quando está prestes a matá-lo, é morto por um tiro de fuzil
disparado por Evellyn, mulher por quem se interessara.
Acima Louise Latham; abaixo Barbara Luna e James Stewart. |
Relação
dúbia - Não errou a Warner Bros. ao apostar que “O Último Tiro”
poderia ser bem sucedido, mas foi um equívoco não insistir em um diretor mais
talentoso para realizar o filme. Comparado a “Matar ou Morrer”, que
inegavelmente serviu de inspiração, este western com Fonda e Stewart tem enredo
com mais situações paralelas, subtramas que tornam bastante interessante.
Faltou, no entanto, melhor ritmo uma vez que a narrativa é por várias vezes
interrompida para dar espaço a discursos desnecessários, como o do senhor Whittier
(Dean Jagger), também ele um personagem dispensável. Ressente-se o filme de um melhor
desenvolvimento justamente nas relações psicológicas explorando mais
profundamente alguns personagens. A ambígua relação de Johnny Cobb com a índia
Meli merecia mais espaço, assim como a senhora Dulcie, irônico nome para uma
mulher amarga que vê em cada homem um fardo que elas mulheres devem carregar. Dulcie
e demais habitantes de Firecreek acreditam que o correto Johnny Cobb mantenha
um romance com Meli e seja o pai do menino louro, filho da índia que vive só. O
expectador é também levado a pensar assim e o próprio desmentido de Cobb não é
suficiente para desfazer a ilação. Até mais que o previsível desfecho final com
o enfretamento dos pistoleiros, a incerteza da relação entre Cobb e Meli é o
ponto intrigante da trama.
Henry Fonda e Inger Stevens; abaixo Brooke Bundy. |
Um
distintivo de lata amassada
- Poucos westerns como “O Último Tiro” contam com a presença de tantos personagens
femininos relevantes pois, além das citadas Meli e Dulcie, há ainda a esposa
grávida de Cobb (Jacqueline Scott), a triste e áspera Evellyn e a buliçosa Leah
(Brooke Bundy). Evellyn, mesmo com sua repressada sexualidade, desperta em
Larkin o desejo de mudar de vida, levando-a para distante do semicemitério que
é Firecreek, onde a amargurada e solitária madura senhorita mais se enterra a
cada dia. Quanto à atrevida Leah, é uma figura rara nos westerns que quase
sempre mostram adolescentes assexuados. O ingênuo mas observador Arthur é quem
cita que “tudo nesta cidade acontece à
noite” e Earl deixa claro que prefere “o
que está dentro do vestido” que Leah exibe para ele, exatamente à noite. Johnny
Cobb é um Will Kane (o delegado de “Matar ou Morrer”) sem distintivo, ou
melhor, com uma estrela de lata cortada por seu filho com a inscrição incorreta
‘Sheraf’. As razões levam Cobb a lutar de forma suicida contra Larkin e seus
homens é a mesma que motivou Kane no clássico de 1952 a desistir de ficar ao
lado da esposa, ou seja, a voz de sua consciência e sua integridade. Como virar
as costas e se esconder diante da brutalidade de homens que humilham e apavoram
indistintamente velhos e crianças, raciocinou o angustiado Cobb. Desesperado
pergunta aos assustados e medrosos cidadãos como todos puderam assistir inertes
ao enforcamento de Arthur.
James Stewart e a estrela de xerife feita por seus filhos. |
Jack Elam |
Referências
a clássicos - Inúmeras são as sequências de violência em “O Último
Tiro”, destacando-se o ritual tétrico do funeral do pistoleiro baleado pelas
costas. E se o filme falha ao distender em diversos momentos a tensão, compensa
de certa forma com o dramático confronto que ocorre nos últimos dez minutos.
Exceto pela saída de cena do pistoleiro Willard que tem o pé preso ao estribo e
é arrastado por seu cavalo, são bem encenadas as duas outras mortes: a de
Morgan (dentro do estábulo) com o garfo de feno enterrado em sua barriga e a
morte de Earl em clara referência a “Os Brutos Também Amam” (Shane) quando os
dois pequenos filhos de Cobb o avisam do inimigo pronto para atingi-lo. É, no
entanto, despido de inspiração o duelo entre Larkin e Cobb, com James Stewart
repetindo seu inapto personagem de “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who
Shot Liberty Valance) e sendo salvo pelo tiro preciso disparado por Evellyn que
alveja mortalmente Larkin. Mais uma indisfarçada e pouco imaginativa citação de
“Matar ou Morrer”.
Inger Stevens; James Stewart; Kevin Tate e Christopher Shea. |
James Best e Barbara Luna; Ed Begley como pastor. |
Magnífico
personagem feminino - Qualquer filme que tenha no elenco
em papéis principais Henry Fonda e James Stewart torna-se obrigatório e os dois
atores confirmam seus talentos. Fonda (1905), três anos mais velho que Stewart
(1908) apresenta-se mais jovial que o amigo cujo personagem exigia alguém mais
jovem. Como ocorrera em “O Homem que Matou o Facínora”, Stewart supera esse
problema, relembrando mesmo seus melhores momentos nos filmes que fez com Anthony
Mann. O esplêndido cast destaca os ótimos Jack Elam e Ed Begley, enquanto Gary
Lockwood tenta convencer como perverso pistoleiro. Entre o numeroso grupo de
mulheres avulta com magnífica performance Louise Latham, ainda que com apenas três
sequências. À suave sueca Inger Stevens coube um personagem melancólico e mal
desenvolvido pelo roteiro. As presenças dos veteranos John Qualen, Jay C.
Flippen e Dean Jagger pouco acrescentam e Robert Potter é um ator fraco cuja
característica maior é lembrar incrivelmente James Dean, a quem procura imitar
no estilo de atuar. Os dois meninos são Kevin Tate (o mais velho) e Christopher
Shea, sendo que este interpretou Joey Starrett na fracassada série de TV “Shane”.
Nessa série Marian Starrett ficara viúva e Shane (David Carradine) torna-se o
padrasto do pequeno Joey.
Western
sem identidade - “O Último Tiro” foi um filme pouco visto e menos
lembrado, o que não deixa de ser uma injustiça pois se não chega a ser um
western memorável jamais poderia passar tão despercebido. Certo que Fonda e
Stewart não conseguiram torná-lo um clássico, mas as sempre admiráveis imagens
de William B. Clothier e a música precisa de Lionel Newman (atenção para o
violão em “Las Mañanitas”), somados à presença marcante do elenco de apoio e à classe
dos dois atores principais o colocam acima da média dos faroestes. O pecado
maior de “Firecreek” é ser um filme despido de identidade própria tantas são as
referências que contém.
Henry Fonda e James Stewart |
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