UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

26 de junho de 2013

ENNIO MORRICONE COMPÕE A MAIS SUBLIME CANÇÃO DE UM FAROESTE


“Era Uma Vez no Oeste” (Once Upon a Time in the West / C’Era Uma Volta Il West) é um majestoso faroeste dirigido por Sergio Leone. Muito da beleza visual desse filme deve-se ao maestro e compositor Ennio Morricone pois como é sabido, Leone pediu a Morricone que compusesse os temas musicais do filme, o que o compositor fez a partir da leitura do roteiro e de suas conversas com o diretor. Para as sequências e personagens principais, Morricone criou composições específicas e Leone executava essas peças durante as filmagens. Isso não só ajudou os atores, mas despertou nele, diretor, uma transcendente inspiração.


Ennio Morricone e Sergio Leone
Em 1968 Ennio Morricone já havia criado admiráveis e inovadoras trilhas sonoras para westerns spaghettis. Nenhuma delas, porém, atingiu a perfeição das peças musicais composta para “Era Uma Vez no Oeste”, especialmente o tema principal que tem o mesmo título do filme. Outros temas de “Era Uma Vez no Oeste” tornaram-se clássicos como “Man With Harmonica”, “Farewell to Cheyenne” e “As a Judgement”, respectivamente compostos para os personagens Harmonica, Cheyenne e Frank. A alegre canção “Bad Orchestra” mostra uma indisfarçada influência de Henry Mancini, outro grande maestro compositor que fez trilhas imortais para o cinema. “Death Rattle” é o próprio macabro caminho sonoro trilhado pela Morte. E há ainda “The Transgression”, “The First Tavern” e “The Man”, completando os momentos escolhidos para compor o extraordinário álbum de “Era Uma Vez no Oeste”.  Ouve-se durante a sequência no rancho dos McBain a canção irlandesa “Danny Boy” interpretada por Simonetta Santaniello (Maureen no filme) que não faz parte do álbum.

Edda Dell'Orso, a magnífica soprano,
que colaborou com Ennio Morricone em
muitos trabalhos do maestro-compositor.
As peças musicais “A Dimly Lit Room” e “Jill’s America” reutilizam o tema principal criando atmosferas igualmente dramáticas. O tema principal de “Era Uma Vez no Oeste” tem duas versões. A primeira delas quando Jill (Claudia Cardinalle) chega à estação de Flagstone, executada pela orquestra regida por Morricone e contando com as vozes do Coral Alessandroni. A segunda versão é ouvida no Finale, com destaque para a voz da soprano Edda Dell’Orso. Ambas as versões são exuberantes, mas a voz de Edda Dell’Orso torna a canção ainda mais assombrosa e ao mesmo tempo lânguida e enternecedora. Edda Dell’Orso fazia parte do grupo I Cantori Moderni, criado por Alessandro Alessandroni e participou de muitos trabalhos de Ennio Morricone para o cinema, entre eles o filme “Três Homens em Conflito”. Nesse clássico western spaghetti de 1966 a voz de Edda é ouvida na sequência em que Tuco (Eli Wallach) procura desesperadamente pelo ouro enterrado num dos túmulos.

O coral I Cantori Moderni, de Alessandro Alessandroni, em 1964. Edda Dell'Orso
está no centro da foto, de vestido preto, com Alessandroni à sua esquerda.

Uma das mais belas páginas musicais do cinema, “Era Uma Vez no Oeste” foi ignorada pelo Oscar, em 1969, seja como trilha sonora musical ou como canção. Sobrevive, no entanto, esse trabalho do grande compositor Ennio Morricone aos tempos e mesmo ao gênero western, ao qual extrapola, convertendo-se num dos mais ricos momentos musicais criados para um filme.



17 de junho de 2013

VINGANÇA TERRÍVEL (THE RAID) - MUITO MAIS QUE UM FILME ‘B’


Os programas duplos nos cinemas foram criados nos anos 30 como forma de atrair o público nos tempos da depressão econômica. Esses programas nos Estados Unidos eram chamados de ‘Double Feature’ ou ‘Double Bill’. Nesse tipo de programa os cinemas exibiam um filme de melhor orçamento, estrelado por astros famosos, que era o filme principal. Como complemento era exibido um filme de menor duração produzido por uma unidade secundária do estúdio ou por estúdios menores, com artistas menos conhecidos ou com carreira em declínio. Esses filmes eram rotulados de ‘B’ e faziam parte dos programas duplos que eram obrigatórios nos bairros das grandes cidades, nas cidades menores e nos drive-ins popularizados nos anos 50 nos Estados Unidos. Entre as pequenas produtoras independentes que produziam filmes ‘B’ a mais famosa foi a American International, de Roger Corman. Uma outra produtora que se tornou conhecida foi a Panoramic Productions, de propriedade de Leonard Goldstein e que nos anos 1954 e 1955 produziu nada menos que dez filmes que completavam programas duplos. Não raramente esses pequenos filmes agradavam mais aos espectadores que os filmes principais do programa. Isso deve ter acontecido com “Vingança Terrível” (The Raid), que a Panoramic Productions produziu e a 20th Century-Fox distribuiu em 1954.

Hugo Fregonese
Reunião de futuros astros - “Vingança Terrível”, como os demais filmes da Panoramic Productions custou ao redor de 500 mil dólares. Esse era o salário de atores como Humphrey Bogart, Gary Cooper, Marlon Brando e John Wayne. O ator mais conhecido do elenco de “Vingança Terrível” foi Van Heflin, muito respeitado, especialmente depois do sucesso de “Os Brutos Também Amam” (Shane), lançado em 1953. O elenco de “Vingança Terrível” foi completado com atores praticamente iniciantes mas que viriam a fazer sucesso no cinema e na televisão antes do final da década. Lee Marvin se tornaria astro com a série de TV “M-Squad”, Richard Boone com “O Paladino do Oeste”, Peter Graves com “Fúria”, Claude Akins com “Xerife Lobo”, James Best nos anos 80 como o xerife Rosco P. Coltrane na série “The Dukes of Hazzard” (no Brasil “Os Gatões”). O principal papel feminino de “Vingança Terrível” foi interpretado por Anne Bancroft, atriz que ganharia projeção em “O Milagre de Anne Sullivan” (que lhe valeu um Oscar) e “A Primeira Noite de um Homem”.  O diretor escalado para essa produção da Panoramic Productions foi o argentino Hugo Fregonese que teve a sorte de contar com o diretor de fotografia Lucien Ballard. No ano anterior, 1953, Hugo Fregonese (que era casado com a atriz Faith Domergue) havia dirigido “Sangue da Terra”, seu filme mais conhecido.


Heflin e Marvin durante a fuga; abaixo
reunião dos ex-prisioneiros vendo-se
George Keymas, James Best, Peter
Graves, Claude Akins e Lee Marvin.
Desforra planejada - “Vingança Terrível” leva à tela um acontecimento real ocorrido em outubro de 1864, quando um grupo de sete confederados, entre eles seis oficiais, consegue escapar de uma prisão situada em Plattsburg (Nova York). Todos escapam, menos o único soldado do grupo que é morto pela patrulha que os persegue. Conseguindo escapar eles se reúnem com células rebeldes clandestinas e, como civis, ganham identidades falsas. Todos os ex-prisioneiros sofreram com a Guerra Civil, perdendo casas e parentes ante a ação violenta comandada pelo General Sherman. Sabedores que a derrota é iminente, objetivam infligir o máximo de danos possíveis à União, começando suas ações predatórias pela pequena cidade de St. Albans, no Estado de Vermont, fronteira com o Canadá. Além de assaltar os bancos de St. Albans, devem destruir o que for possível na cidade, ateando fogo em estabelecimentos e residências. Quem comanda a operação é o Major Neal Benton (Van Heflin) que se fazendo passar por um empresário canadense, hospeda-se na pensão da viúva Kate Bishop (Anne Bacroft). Lá vive também o veterano Capitão Lionel Foster (Richard Boone), nortista que perdeu um braço numa batalha da Guerra Civil. Os planos do grupo sulista são atrapalhados pela presença de um batalhão de soldados da União e pelo Tenente Keating (Lee Marvin). Incontrolável em seu desejo de vingança, Keating mata um soldado ianque e ameaça matar o pastor local durante um culto. Mas Keating acaba morto pelo Major Benton que assim impede que o plano confederado seja descoberto. Os bancos são roubados e muitos prédios são queimados, após o que o Major Benton e seus homens partem de St. Albans, deixando a cidade semi-arrassada.

Van Heflin e John Dierkes.
Episódio contado por um sulista - Baseado em história de Herbert Ravenel Sass e com roteiro de Francis M. Cockrell e Sidney Boehm, “Vingança Terrível” é um dos raros filmes sobre a Guerra Civil que mostram algum tipo de triunfo dos confederados. Isso porque Herbert Ravenell Sass era um autor nascido na Carolina do Sul e seus livros sempre enalteceram os sulistas mostrando-os como virtuosos e justificando atos de guerra por eles praticados, como os narrados neste filme. Atrocidades ocorreram de ambos os lados mas “Vingança Terrível” faz crer que apenas os ianques usaram de crueldade e justifica o ataque a partir do ponto de vista dos confederados como no caso do Capitão Dwyer (Peter Graves) que teve a casa queimada e a esposa morta pelos nortistas. Infelizmente a história levada à tela omite que dos 208 mil dólares roubados dos três bancos, a maior parte foi perdida durante a fuga, sendo recuperada em seguida. E St. Albans não foi em grande parte queimada como mostra o filme uma vez que apenas um celeiro ardeu em chamas e os estragos foram poucos. Como um bem planejado ataque a uma pequena e desprotegida cidade, o plano confederado foi coroado de êxito e justificado como forma de retaliação contra as muitas pilhagens e mortes praticadas pelo nortistas.

Anne Bancroft com Van Heflin e com
Richard Boone.
Tramas paralelas - Esquecida a visão parcial do autor que foi aceita pelos roteiristas, “Vingança Terrível” é um western narrado com suspense nos preparativos do ataque final a St. Albans. E o filme contém excelentes subtramas construídas pelas consequências da guerra, uma delas o conflito particular do Capitão Foster (Richard Boone), cujo braço foi acidentalmente automutilado para que ele, ferido, fosse afastado dos campos de batalha. Homem amargurado, Foster revela que é incapaz de conviver com sua covardia, tendo durante o ataque a St. Albans a oportunidade de lutar contra sua índole, reagir e se tornar um homem digno. O triângulo entre o Capitão Foster, Kate Bishop e o Major Benton se encaixa naturalmente na trama com o ciúme do Capitão Foster motivando-o a encontrar uma bravura que desconhecia possuir. Há ainda espaço para aproveitar bastante bem a presença de Lee Marvin como o psicótico tenente Keating, cuja perda de controle emocional coloca em risco o plano confederado, até Keating ser baleado e morto pelo Major Benton dentro da igreja de St. Albans.

Van Heflin e Tommy Rettig, a dolorosa
descoberta da verdade.
Destruição de uma imagem - “Os Brutos Também Amam” foi um filme que marcou bastante pela presença do personagem do pequeno Joey Starrett, influenciando muitos outros roteiros de westerns em que crianças desempenhavam papéis importantes para a história. Em “Vingança Terrível” há a presença de Larry Bishop, interpretado pelo excelente ator infantil Tommy Rettig. Assim como Joey Starrett idolatrava Shane, Larry sente admiração pelo estranho que chega à cidade (Major Benton). Larry chega a imaginá-lo mesmo como novo esposo de sua mãe viúva, para mais tarde ser abalado pela decepção da descoberta da real identidade de Benton. Nessa sequência Larry se depara com o homem que tanto admira vestido com uma farda confederada, verdade cruel e ao mesmo tempo pungente que destrói o sonho do menino. Crianças nortistas foram ensinadas a odiar os inimigos de guerra e são mostradas no filme brincando de matar sulistas. “Meu pai matou mais inimigos que o seu”, diz Larry a um amiguinho. O próprio pai de Larry foi vítima da guerra fratricida.

O extraordinário Lee Marvin.
A ferocidade doentia de Lee Marvin - Guindado à condição de ator principal, Van Heflin tem boa atuação como o líder da missão. Mas o que não funciona bem em “Vingança Terrível” é o romance entre Heflin e Anne Bancroft. Ambos formam um par incrivelmente incompatível, não só devido à má escolha da excelente atriz mas também por Heflin ser um ator desprovido de qualquer carisma capaz de atrair uma bela e jovem mulher como Anne Bancroft. Tommy Rettig foi um dos mais bem sucedidos atores infantis dos anos 50 e seu desempenho neste filme é uma prova de seu talento. Richard Boone desempenha seu torturado personagem convincentemente, enquanto Peter Graves é o ator insípido de sempre. Uma pena que James Best e Claude Akins tenham sido relegados a papéis inexpressivos, o que não acontece com o veterano Will Wright que desta vez tem uma maior participação, em ótima caracterização. Além de Van Heflin, estão no elenco de “Vingança Terrível” os atores Douglas Spencer e John Dierkes, que também atuaram em “Os Brutos Também Amam”, como o ‘Sueco’ Shipstead e Morgan Ryker, respectivamente. Lee Marvin que vinha de marcantes atuações como gângster em “Os Corruptos” e como Chino, o motociclista provocador de “O Selvagem”, apresenta uma ferocidade doentia como o Tenente Keating,  comprovando que a condição de ator coadjuvante era uma restrição a seu enorme talento.

O elegante Van Heflin.
Imaculadas fardas confederadas - A câmara de Lucien Ballard dá um tom sombrio a esta produção da Panoramic Productions, ele Ballard que entre tantos grandes trabalhos no cinema seria o responsável pela fotografia da obra-prima “Meu Ódio Será Sua Herança”. “Vingança Terrível” tem uma falha quando apresenta, durante o ataque a St. Albans, o Major Benton e outros sulistas trajando impecáveis fardas confeccionadas com esmero e botões reluzentes. A seis meses da rendição ocorrida em Appomattox em 9 de abril de 1865, restavam aos sulistas praticamente apenas andrajos restantes das batalhas e a visão de um elegante Major Benton chega a provocar risos. À parte esse detalhe, a direção de Hugo Fregonese é segura e o nome do diretor argentino que hoje está esquecido merece ser lembrado. Se não pelo conjunto de sua filmografia, ao menos por este filme ‘B’ que é melhor que muito filme ‘A’ e que deve ter complementado nos programas duplos da década de 50.


Os confederados Claude Akins e Van Heflin, antes do 'raid' em St. Albans.

13 de junho de 2013

O ÁLAMO (THE ALAMO), O ÉPICO CLÁSSICO DE JOHN WAYNE


Após a estréia de “O Álamo” (The Alamo), em San Antone, no Texas, parte da crítica arrasou o épico dirigido por John Wayne com frases como: “O mais dispendioso filme B já feito; B de banal” (Newsweek); “John Wayne quis fazer o maior dos westerns mas o que conseguiu fazer o pior de todos os westerns” (Time); “Nada é sério e nada funciona nesse filme que é um modelo de distorção histórica e vulgarização” (The New Yorker). Contrariando a maioria dos críticos, John Ford que nunca foi de falar de filmes alheios disparou: “Para mim ‘O Álamo’ é o mais importante filme que já foi feito; este é o maior filme que eu já assisti; ele vai permanecer para sempre, para todas as pessoas, todas as famílias”. Tanto os críticos se excederam na contundência quanto John Ford se deixou levar pela emoção de ver seu amigo e pupilo dirigir um grande western.



O Generalíssimo Antonio Lopez de Santa Anna
(interpretado por Rubens Padilla).
Pouca atenção aos fatos históricos - Muitas das críticas sofridas por “O Álamo” foram em razão da inexatidão de fatos históricos mostrados no filme que jamais pretendeu ser uma aula de História. Wayne queria, isto sim, realizar um filme que servisse de exemplo de bravura e amor à pátria a cada norte-americano, num tempo de guerra fria e às vésperas da eleição presidencial de 1960. Além de contar a seu modo, e este era seu principal objetivo, esse importante episódio da história norte-americana ocorrido em 1836. Repleto de liberdades que irritaram os historiadores, o roteiro de James Edward Grant reúne no Álamo Davy Crockett (John Wayne) e 27 tennessinianos, Jim Bowie (Richard Widmark) e 23 voluntários que o obedecem e mais os homens do Coronel William Barrett Travis (Laurence Harvey), totalizando 185 homens. Comandados por Travis têm eles a missão de retardar ao máximo possível o avanço das tropas do Generalíssimo Santa Anna (Rubem Padilla) cujo número era de mais de cinco mil soldados com artilharia pesada. Os reforços esperados pelos defensores do Álamo não chegam e ao fim de 13 dias as tropas mexicanas aniquilam o precário ‘regimento conjunto’ de Travis, Crockett e Bowie. O acontecimento resultou num filme que foi lançado com duração de 192 minutos e que, ainda no primeiro ano de exibição, foi reduzido para 161 minutos.

Acima Ken Curtis, Joan O'Brien e Laurence Harvey;
abaixo John Wayne como Davy Crockett.
Roteiro embaraçoso - Nenhum outro ator havia antes passado a diretor com um projeto tão ambicioso como “O Álamo” e pode-se dizer que John Wayne saiu-se bem realizando um filme que é assistido com prazer e mesmo com emoção, isto apesar de o desfecho da história ser conhecido. A primeira metade de “O Álamo” procura mostrar as personalidades dos três líderes e as razões que os levaram à missão suicida de defender a adaptada fortificação. Se a parte inicial não chega a empolgar, na segunda metade são mostrados os preparativos para o enfrentamento com excelentes sequências de ação que culminam com a espetacular batalha final. Os pecados de “O Álamo” devem ser atribuídos especialmente ao roteiro de James Edward Grant com inúmeras falas sem criatividade e outras excessivamente discursivas beirando o mais exacerbado e piegas patriotismo. Davy Crockett diz a Travis que gosta do som da palavra República porque ela é igual a “quando um homem vê os primeiros passos de um bebê”. Mais tarde Crockett tencionando elevar o moral de seus comandados exclama em novo discurso que “o preço da liberdade nunca é barato”. A certa altura o Capitão Dickinson (Ken Curtis) visivelmente embaraçado comenta que “infeliz é o homem que não tem uma mulher obediente”. Em meio a um idílio à beira de um riacho cercado por árvores frondosas, Crockett interrompe uma fala apaixonada para a namorada Flaca (Linda Crystal), decepcionando a moça ao se empolgar com novo, extenso e politizado discurso. Mesmo com a enfadonha discurseira o roteiro de Grant e a direção de Wayne delineiam bem os personagens principais, especialmente o Coronel Travis (Laurence Harvey), mas o mesmo não acontece com os personagens Flaca e Smitty (Frankie Avalon). Criada para possibilitar um par romântico para Crockett (John Wayne), a presença de Flaca não funciona bem, até porque ela aparenta ser mais indicada para namorar o Capitão Bonham (Patrick Wayne). Fica a impressão que o John Wayne, então com 52 anos, queria demonstrar a viabilidade de seu próprio casamento com a peruana Pilar Wayne, 29 anos mais nova que ele. Frankie Avalon interpreta um personagem que de fato existiu na história do Álamo, mas o jovem cantor não consegue em momento algum convencer como alguém capaz de atos de heroísmo. Apesar desses pontos fracos, “O Álamo” é repleto de momentos de grande cinema.

Guinn 'Big Boy' Williams e Chill Wills (acima);
abaixo a emocionante  sequência da decisão

de permanecer no sitiado Álamo.
O ‘método’ John Wayne de dirigir - No documentário de 40 minutos que acompanha o DVD “O Álamo”, Ken Curtis afirma que John Wayne não sabia dirigir atores, pedindo a eles que repetissem os conhecidos maneirismos que Wayne usava à exaustão como ator. Com outras palavras Richard Widmark disse praticamente o mesmo da técnica de John Wayne para estimular uma interpretação. O que ambos afirmaram pode ser confirmado com a queixa que Richard Boone fez a John Wayne durante a primeira cena que rodou sob a direção do Duke, falando do ‘método’ do diretor. Boone disse: “Você quer que eu faça a cena exatamente como você faria. Duke, deixe-me fazê-la a meu modo, pois não sou John Wayne”. Porém o mesmo John Wayne, com a notória dificuldade que tinha para ser diretor de atores, criou sequências magníficas. Entre as muitas cenas que merecem ser destacadas estão a partida de mulheres e crianças antes da batalha final; Jim Bowie recebendo a notícia da morte da esposa e tendo sua dor desrespeitada por Travis que ignorava o fato; ou ainda a sequência nada dramática em que o Tenente Finn (Guinn ‘Big Boy’ Williams) tenta explicar o tamanho do gigantesco canhão recebido pelos mexicanos. A performance de Guinn é valorizada pela formidável expressão de Laurence Harvey. Nenhuma sequência porém supera em qualidade o momento em que, mesmo sabendo que nenhuma chance haveria de sobrevivência, os homens de Crockett e de Jim Bowie se posicionam ao lado do pesaroso Coronel Travis. Fica-se a imaginar do que John Wayne seria capaz se fosse melhor diretor.

Duas das mais espetaculares mortes: Ken Curtis
preso à paliçada e Guinn 'Big Boy' Williams
trespassado por uma espada mexicana.
Portentoso trabalho de Cliff Lyons - John Wayne teve a seu lado, como assistentes de direção Robert Relya e Robert Saunders, mas Wayne deveria mesmo agradecer e muito a Cliff Lyons, diretor de segunda unidade e responsável direto pelas memoráveis sequências de batalha e trabalho dos stunmen. Há cenas em que sete ou oito cavaleiros são derrubados de seus cavalos simultaneamente numa perigosa e perfeita movimentação. Uma das quedas de cavalo, quando Travis dispara contra um ousado mexicano que vem num furioso galope em sua direção é antológica. O cavaleiro é Chuck Hayward (o ‘Good Chuck’) que é derrubado do cavalo em velocidade num salto verdadeiramente mortal girando no ar 180 graus antes de cair de costas no solo enquanto sua arma voa alguns metros adiante. E o show não fica apenas por conta dos dublês pois Cliff Lyons encenou diferentes mortes para cada um dos atores principais, mortes tão violentas quanto artísticas. A mais bem encenada dessas mortes é a de Ken Curtis, feita sem dublê, com o ator ficando pendurado pelas pernas, de cabeça para baixo, na paliçada do forte. Impressionante também a cena de morte de Guinn ‘Big Boy’ Williams fazendo uso de sua força física. A movimentação das muitas fileiras do exército mexicano, por vezes formada por dois mil extras em exata sintonia numa coreografia de admirável visual, deve-se segundo diversas testemunhas a John Ford. E parecem mesmo essas sequências ter a marca do ‘Pappy’. Além da beleza plástica desses momentos, importa lembrar que “O Álamo” é dos poucos westerns em que nenhum animal ou dublê se machucou.

Antológica queda de cavalo executada por Chuck Hayward.

Davy Crockett derrubando um mexicano;
abaixo Crockett e Emil Sand (Wesley Lau).
Davy Crockett, um adorador de estrelas - Assim como fazia seu Mestre maior (John Ford), Wayne criou muitos momentos de humor em “O Álamo”, forma de atenuar a dramática aproximação da sombra da morte que por treze dias cobria a fortificação. Quando Jim Bowie recebe a trágica informação da morte da esposa, a mensagem chega presa a um ‘sombrero voador’, o que já torna a cena engraçada. E Crockett ironiza comentando que “a mensagem deve ser rendição do general Santa Anna”. Antes, em San Antone, Crockett que havia cumprido dois mandatos como Senador da República, diz a Travis que “um homem tem que fazer muitas coisas para ser eleito para o Congresso e eu tive que beijar muitas crianças”. Essa mescla de drama e comédia é constante e mesmo sem ser engraçado, ninguém consegue conter o riso quando Crockett comenta a um crápula que o ameaça que ele está ali apenas porque “é de uma linhagem de adoradores de estrelas”. O humor em “O Álamo” oscila entre o sutil e o grosseiro, isto quando entra em cena Chill Wills como o tennessiniano Beekeeper. Excessivo e sem graça, Wills dá saudade de Arthur Hunnicutt, o Davy Crockett de “A Última Barricada”. Desperdiçado num papel burocrático (Capitão Dickinson), Ken Curtis poderia fazer rir com a facilidade com que criou personagens como ‘Festus’ de Gunsmoke. E estranhamente John Wayne não aproveitou melhor o característico tipo aparvalhado de Hank Worden (Parson).

Coronel William Barrett Travis (Laurence
Harvey) defendendo o Álamo. 
Soberbo Travis, soberbo Laurence Harvey - John Wayne acumulando as funções de diretor e produtor mostrou-se generoso com os demais atores principais, especialmente Laurence Harvey. Arrogante, antipático e até desumano, o Travis de Laurence Harvey é o grande personagem de “O Álamo”, brilhantemente interpretado pelo ator lituano. Richard Widmark tem seu desempenho limitado pelo roteiro que não privilegiou o personagem Jim Bowie, ainda que este passe o filme em constante atrito com Travis. Se Travis é pura jactância e soberba, o Bowie de Widmark poderia ser mais heróico, especialidade do ator. John Wayne com o gorro de Davy Crockett na cabeça é quase uma figura cômica, diferente do John Wayne que acostumamos a ver em tantos westerns. Richard Boone interpreta Sam Houston aparecendo poucos minutos na tela e tendo ainda que ver arruinado seu mais importante momento com o péssimo discurso de Sam Houston em que pronuncia “Remember the Álamo!”. Joan O’Brien é uma mulher linda e bem tratada demais para as condições de vida daqueles treze dias de sofrimento e angústia. Linda Crystal é linda e apenas isso, tornando-se outro mero enfeite no filme. O ponto alto do elenco é formado pelo segundo time de coadjuvantes, encabeçado por Denver Pyle, Guinn ‘Big Boy’ Williams e a incrível em sua autenticidade figura de John Dierkes. Além deles há Jester Hairston como o negro Jethro que ganha a liberdade e permanece no Álamo. E como agrada ver John Wayne dar espaço, inclusive com falas, para stuntmen como os dois Chucks (Roberson e Hayward) e tantos outros dublês. Quem tem a honra de matar John Wayne trespassando-o com uma lança é Bob Morgan, então marido de Yvonne De Carlo e que perderia uma perna em “A Conquista do Oeste”.

John Wayne
O gigante John Wayne - Através dos anos “O Álamo” de John Wayne ganhou merecidamente o status de clássico. Esqueceu-se que “O Álamo” pretendia ser uma metáfora da América (ameaçada na visão política de John Wayne) e isso fez bem ao filme. Plasticamente irrepreensível, cada fotograma de “O Álamo” mais parece uma tela de rara beleza, um trabalho inesquecível de William H. Clothier em conjunto com o diretor Wayne. Emoldurando as imagens está o inspiradíssimo e tocante escore musical de Dimitri Tiomkin, uma das melhores trilhas musicais do gênero western. Muitos que viram “O Álamo” com sua duração original de 192 minutos afirmam que o filme melhora ainda mais com as tantas cenas e sequências inteiras excluídas. Este é um espetáculo que se vê e revê com satisfação não só pelas muitas histórias de bastidores que o envolvem, mas e principalmente por suas qualidades muito mais preponderantes que seus defeitos.  E o responsável principal pelo filme é John Wayne que se agigantou no conceito de seus fãs por ter realizado este clássico épico.



As mortes de Davy Crockett, William B. Travis e Jim Bowie.

Cada fotograma é uma magnífica pintura digna de um museu.

Cenas da espetacular batalha final de "O Álamo".

11 de junho de 2013

HISTÓRIAS DO ÁLAMO - O HOMEM QUE VENDEU SUA ALMA


Em 1958 John Wayne se considerava (e era considerado) um homem rico e tinha muitas razões para isso. A partir de 1949 o Duke esteve sempre na lista dos dez atores cujos filmes mais arrecadavam nas bilheterias, tendo encabeçado essa lista nos anos de 1950, 1951 e 1954, sendo o segundo em 1956 e 1957 e terceiro em 1952, 1953 e 1955. Wayne cobrava 500 mil dólares por filme e ainda recebia porcentagem pelo lucro dos mesmos, isto além de produzir muitos filmes com a sua produtora independente, a Batjac. Depois de terminar “Onde Começa o Inferno” e “Marcha de Heróis”, John Wayne iria começar a filmar “O Álamo”, grande sonho de sua vida. Antes foi com a esposa Pilar para Nova York para fazer compras. Wayne gastou 3.200 dólares na Saks, famosa loja da Quinta Avenida, pagando essa despesa com um cheque. Semanas depois a loja ligou para John Wayne informando que não estava conseguindo descontar o cheque por falta de fundos. “Impossível!”, exclamou John Wayne que em seguida ligou para Bo Ross, o homem que cuidava de seu dinheiro, investindo-o das mais variadas formas. Ross foi evasivo nas explicações e John Wayne partiu furioso para o escritório de Ross exigindo explicações. Sem saída e ameaçado por Wayne, Bo Ross confessou dizendo que John Wayne não tinha mais nada pois todos os investimentos foram perdidos. Wayne tinha agora apenas a casa em que morava, os veículos e a Batjac. O mais rentável ator norte-americano fora levado à falência por Bo Ross, o mesmo homem que também desaparecera com a fortuna de Red Skelton.

O roteirista James Edward Grant e John Wayne.
Duke com o chapéu na mão atrás de dinheiro - John Wayne demitiu Bo Ross e mesmo em sérias dificuldades financeiras não podia adiar a produção de “O Álamo” pois já havia muita gente contratada pela Batjac trabalhando na pré-produção. “O Álamo”, mais que um sonho, era uma obsessão para John Wayne, obsessão que havia tido início há mais de dez anos quando em 1948 o ator-produtor e James Edward Grant visitaram San Antone, no Texas, para iniciar suas pesquisas. John Wayne queria fazer um grande filme e para isso não confiava em ninguém para dirigi-lo, a não ser ele próprio, abrindo mão até mesmo de estrelar o filme, já que seria o produtor e o diretor. Wayne cogitou filmar “O Álamo” inicialmente no Panamá e posteriormente optou pelo México para baratear a produção. As coisas começaram a piorar para John Wayne quando descobriu que nenhum estúdio queria se associar à Batjac, pois nenhum chefe de estúdio se aventuraria em colocar dinheiro num filme que teria John Wayne como... diretor, especialmente num projeto tão caro. A Warner Bros. chegou a propor ao Duke um acordo desde que John Ford ou Howard Hawks dirigisse o filme, mas Wayne não aceitou. Finalmente a United Artists topou colocar 2,5 milhões de dólares na produção de “O Álamo”. Mas impôs a condição de John Wayne interpretar Davy Crockett, coisa que o Duke não pretendia fazer. Wayne queria ter apenas uma pequena participação como o General Sam Houston. John Wayne acabou aceitando estrelar o filme que iria também dirigir e produzir.

James T. 'Happy' Shahan
E o céu mandou ‘Happy’ Shahan - John Wayne sabia que “O Álamo” custaria pelo menos 7,5 milhões de dólares e por isso teria que recorrer a investidores o que significaria participação nos lucros do filme. Toda Hollywood acompanhava o drama de John Wayne e a notícia chegou ao Texas, onde vivia James T. ‘Happy’ Shahan, um milionário que possuía 22 mil acres de terras. Shahan propôs ajuda a Wayne intermediando contatos com ricos texanos desde que Wayne fizesse o filme no Texas, mais precisamente em Brackettville, onde ficavam parte das terras de ‘Happy’ Shahan. Após conhecer o local, não muito distante de onde ficava a verdadeira missão espanhola em ruínas que virou uma fortificação chamada Álamo, John Wayne não teve dúvidas. Faria “O Álamo” ali em Brackettville. Wayne gostou do local e mais ainda dos três milhões de dólares dos irmãos McCullough e outros 2,5 milhões de Clint Murchinson, milionários exploradores de petróleo, que ajudariam a financiar o filme. Tudo por obra de 'Happy' Shahan que persuadiu os milionários.

John Wayne, o prefeito do Álamo.
Uma cidade chamada Álamo - Com oito milhões de dólares já era possível começar “O Álamo”. E o início do projeto se deu com a construção em Brackettville de uma réplica perfeita do Álamo original, sob o comando do mexicano ‘Chato’ Gonzalez e ao custo de 1,5 milhão de dólares. O Álamo e mais uma recriação da cidade de San Antone foram construídos numa área de 60 mil metros quadrados, empregando centenas de mexicanos que produziam os tijolos necessários. Muitos texanos foram também contratados para as obras dirigidas por ‘Chato’ Gonzalez. Próximo do local situa-se o desativado Forte Clark que foi transformado em alojamento dos atores, equipe técnica e figurantes permanentes, totalizando 342 pessoas. Haveria necessidade de 190 mil refeições durante os 81 dias programados para as filmagens, logo chegando a Brackettville 44 mil quilos de alimentos, 500 mil ovos e 400 mil litros de leite. Além disso, ingredientes para 1,5 milhão de pãezinhos. Cada dia de produção iria custar 80 mil dólares, num total de 6,5 milhões de dólares. Haveria ainda os inevitáveis gastos com publicidade, negativos e tudo que cerca a produção e lançamento de um filme, o que impedia de fechar a conta de “O Álamo” que teve inicio assim mesmo.

Momento de descontração entre Harvey,
'Happy' Shahan, Widmark e o Duke.
Reduzindo despesas com Widmark e Harvey – Além das centenas de pessoas envolvidas na produção de “O Alamo”, havia ainda 160 cavalos que foram alugados. Por sorte ‘Happy’ Shahan conseguiu que um amigo fazendeiro texano ‘emprestasse’ 200 cabeças de gado ‘Longhorn’ necessárias para sequências do filme. As despesas pareciam não acabar nunca e, caso Burt Lancaster (Bowie), Charlton Heston (Travis) ou Clark Gable (Crockett), primeiros atores cogitados para os três papéis principais tivessem sido contratados o dinheiro conseguido não bastaria. Lancaster estava comprometido com “Entre Deus e o Pecado”, Gable com “Os Desajustados” e Heston se recusou a ser dirigido por John Wayne. Marlon Brando foi sondado para fazer uma ponta como o Generalíssimo Santa Anna, mas assim como Charlton Heston, Brando também não aceitou trabalhar com John Wayne por razões obviamente políticas. Wayne pensou então em William Holden como Jim Bowie e Rock Hudson como Travis, mas recuou diante da pedida dos dois atores cujos prestígios estavam no limite máximo e seus salários beiravam o milhão de dólares. Bastante mais em conta foram os salários de Richard Widmark e de Laurence Harvey. Richard Boone, como se sabe, abriu mão do salário de 100 mil dólares pois sabia das dificuldades financeiras de John Wayne. Boone disse a Wayne que se sentia recompensado se ganhasse o casaco de couro que usara em “O Álamo”.

O eternamente carrancudo John Ford se
intrometendo no filme do amigo John Wayne.
A constrangedora presença de John Ford - John Wayne estava entre amigos na produção de “O Álamo”, gente como William H. Clothier (diretor de fotografia), Alfredo Ybarra (desenhista de produção e criador dos sets) e Cliff Lyons (diretor de segunda unidade). E ainda praticamente todo o elenco de coadjuvantes tinha relações de amizade com o Duke. Para o filme foram recrutados 28 dublês, entre os melhores de Hollywood, e todos eles recebiam um salário extra atuando também como atores. A presença de Frankie Avalon no filme se explica como forma de atrair os espectadores teenagers. Além de estar entre amigos, Wayne estava com a família por perto pois seu filho Michael Wayne era o produtor-executivo e Pat Wayne estava no elenco, assim como a filha Aissa. A esposa Pilar e a filha Toni também estavam alojadas em Forte Clark, acompanhando as filmagens. Só quem não podia ser chamado de amigo de John Wayne era Richard Widmark, que decididamente não nutria a menor simpatia pelo Duke. Mas pior que todos os problemas financeiros ou mesmo a hostilidade de Widmark, foi a inesperada chegada de John Ford a Brackettville. Ford importunou Wayne por 20 dias, até que se retirou das filmagens após constranger terrivelmente Duke. Ford chegou a filmar algumas cenas usadas no filme, ainda que John Wayne negasse esse fato.

John Wayne com 15 quilos a menos e
incontáveis preocupações a mais.
O desespero toma conta de John Wayne - O western mais caro do cinema havia sido “Duelo ao Sol”, que custara oito milhões de dólares em 1946. As colunas especializadas anunciavam que “O Álamo” superaria “Duelo ao Sol” pois seu custo já havia atingido os dez milhões de dólares. Os detratores de Wayne diziam que aqueles números não eram verdadeiros e que o filme havia consumido apenas 5,5 milhões de dólares. Mas o fato é que os oito milhões iniciais (da United Artists e dos investidores texanos) se mostraram insuficientes e a produção chegou a ser ameaçada de ser interrompida. Isso não aconteceu porque a Yale Foundation investiu mais 1,5 milhão de dólares na produção de “O Álamo”, atingindo até então 9,5 milhões de dólares. John Wayne trabalhou demais em “O Alamo” e dormia apenas quatro horas por dia, sendo o último a se deitar e o primeiro a se levantar nas acomodações de Forte Clark. Lembra-se muito que John Wayne perdeu 15 quilos durante as filmagens de “O Álamo”. Cita-se também que passou de três para seis maços de cigarros por dia. Mas isso certamente não aconteceu apenas pela desumana sobrecarga de trabalho (“O Álamo” foi filmado em apenas 81 dias) e sim pela possibilidade de ver seu sonho arruinado por falta de dinheiro para concluí-lo.

William H. Clothier e John Wayne.
John Wane hipoteca sua própria casa - Foi então que Wayne assinou novo contrato para estrelar três filmes para a 20th Century-Fox, recebendo um adiantamento por esses trabalhos. A esse montante Wayne juntou a hipoteca de sua casa em Encino, na Califórnia. Mesmo assim não chegou aos doze milhões de dólares que era a projeção final para “O Álamo”, incluídos já os gastos com publicidade para a campanha do Oscar. A solução foi vender partes do possível lucro do filme a investidores, deixando ele próprio de receber qualquer dividendo pelo filme. O custo de “O Álamo” foi sensivelmente elevado pelo processo em que foi filmado, o Todd-AO, em 70 mm, que supervalorizava as espetaculares imagens capturadas pelas câmaras de William H. Clothier. Esse processo permitia também que se fizesse cópias em 35 mm para os cinemas não aparelhados para exibir o Todd-AO. Depois de meses sendo editado, musicado e recebendo a estupenda trilha sonora com som que lhe valeu o único Oscar, “O Álamo” foi lançado numa première em San Antone, no Texas, em 24 de outubro de 1960. Dois dias depois o filme foi exibido em um único cinema de cada uma das maiores capitais, tendo recebido críticas que só não destruiram o filme de John Wayne porque ele tinha muitas qualidades e, inegavelmente, alguns defeitos também.

John Wayne inspecionando cada detalhe;
atrás dele Joseph Calleia.
Todos ganharam, menos John Wayne - Após o período de lançamento, a parte da imprensa que não gostava de John Wayne se deliciou divulgando que o filme fracassara nas bilheterias, não se pagando e que não se pagaria jamais. “Ben-Hur” custara 16 milhões de dólares em 1959; “Os Dez Mandamentos” custara 13 milhões de dólares em 1955 e “Spartacus” custou os mesmos 12 milhões de dólares que “O Álamo”. Porém esses épicos arrecadaram respectivamente 70 milhões, 80 milhões e 60 milhões de dólares em seus primeiros anos de exibição nos Estados Unidos. “O Álamo” arrecadou somente oito milhões de dólares e apenas conseguiu se pagar com as excepcionais bilheterias vindas do Exterior. Com os relançamentos em 1963, 1967 e 1970, a United Artists e demais investidores passaram a receber lucros que recebem até hoje. “O Álamo” foi dos raros westerns a merecer lançamento em disc-laser e sempre vendeu muito em VHS e agora em DVD. Após a aventura vivida em Brackettville, no Texas, John Wayne retomou sua carreira como ator e produtor e, muito mais cuidadoso com seus ganhos milionários, nunca mais teve problemas financeiros. Porém com “O Álamo” John Wayne não ganhou um único centavo, mas nunca reclamou desse fato. Para fazer esse filme o Duke entregou entusiástica e estoicamente não só tudo que tinha na vida mas também sua alma.



8 de junho de 2013

TRILHA MUSICAL DE "O ÁLAMO", O ÁPICE DA GLORIOSA CARREIRA DE DIMITRI TIOMKIN





Entre os muitos aspectos positivos do western “O Álamo”, dirigido por John Wayne, destaca-se a trilha sonora musical de Dimitri Tiomkin. Veterano e premiado compositor de trilhas para o cinema, Tiomkin foi um prodígio na Rússia, onde nasceu em 1894, executando peças clássicas aos sete anos de idade. Fugindo com a família para a Europa após a Revolução Russa, Dimitri Tiomkin chegou aos Estados Unidos, exibindo-se em Nova York, onde foi descoberto pelo produtor Irving Talberg que o levou para Hollywood. O primeiro trabalho de Tiomkin para o cinema foi em 1929 e em 1940 Tiomkin recebeu a primeira das 21 indicações que teria para o prêmio Oscar de Melhor Compositor/Trilha Sonora Musical, ao longo de sua carreira. Tiomkin recebeu quatro estatuetas, três delas pelo escore musical dos filmes “Matar ou Morrer” (1952), “Um Fio de Esperança” (1954), “O Velho e o Mar” (1959). O outro Oscar foi pela Melhor Canção, do filme “Matar ou Morrer”, em parceria com o letrista Ned Washington.

Tiomkin e Webster.
A escolha de John Wayne - Dimitri Tiomkin havia musicado “Rio Vermelho” e seu trabalho nesse filme impressionara John Wayne que, bem antes de iniciar a produção de “O Álamo”, contratara Tiomkin para compor a trilha musical de seu filme. Quando Tiomkin fazia a música para “Onde Começa o Inferno”, já estava com um roteiro de “O Álamo” em mãos. O compositor russo começou a criar canções para o épico sobre a defesa do Álamo e até usou uma delas chamada “El Deguello” na extraordinária cena inicial de “Onde Começa o Inferno”. “El Deguello” é uma música que cria a atmosfera da ansiedade daqueles que esperam a morte. Além dessa canção, Tiomkin compôs ainda “Ballad of the Alamo”, “The Green Leaves of Summer”, “Here to the Ladies” e “Tennessee Babe”, contando em todas elas com a parceria de Paul Francis Webster, autor das letras. Dimitri Tiomkin nunca escondeu seu entusiasmo com a trilha que compôs para “O Álamo”, afirmando que esse filme lhe possibilitou expandir seus horizontes musicais como autor de trilhas para filmes. Apesar de extraordinária, a trilha musical de “o Álamo” perdeu o Oscar em 1961 para a trilha de Ernest Gold composta para “Êxodus” e há duas explicações para isso: Tiomkin havia ganho um Oscar apenas dois anos antes com “O Velho e o Mar” e a Academia tinha que dar um Oscar para o filme sobre a fundação do Estado de Israel, com roteiro de Dalton Trumbo. Afinal a colônia judaica era muito forte em Hollywood e havia mesmo financiado Leon Uris para que este escrevesse o livro “Êxodus”. Azar de Dimitri Tiomkin.

“As Folhas Verdes do Verão” - Mesmo a bela canção “The Green Leaves of Summer” não caiu no agrado dos membros da Academia que preferiu premiar a música-tema de “Nunca aos Domingos”, canção um pouco melhor que as fracas demais canções concorrentes. A canção “The Green Leaves of Summer” tornou-se grande sucesso sendo gravada por muitos cantores e orquestras. Essa pungente canção foi logo extraída da trilha de “O Álamo” e gravada inicialmente por Frankie Avalon, Bud and Travis, The Brothers Four, Orquestra de Hugo Montenegro, Orquestra Clebanoff, Nick Perito, The Easy Riders, Medallion Strings, Orquestra de Mantovani e pela Orquestra de Nelson Riddle. No Brasil a gravação do conjunto The Brothers Four foi a que mais tocou nas rádios, no entanto a canção atingiu o topo das paradas de sucesso numa versão de Paulo Rogério intitulada “As Folhas Verdes do Verão”, interpretada pela cantora Wilma Bentivegna. Carlos Gonzaga e Elza Laranjeira também gravaram essa versão e anos depois foi a vez de Altemar Dutra gravá-la. E até mesmo Gilberto Gil, apreciador da natureza, gravou a versão com a mesma letra.

Uma balada para “O Álamo” - O épico de John Wayne merecia ter concorrido também com a canção “Ballad of the Alamo”, excepcional composição de Tiomkin e que, assim como “The Green Leaves of Summer”, possibilitou uma rica variação musical em diferentes momentos de “O Álamo”. Frankie Avalon foi dos primeiros a gravar “Ballad of the Alamo”, canção nada apropriada para sua pequena voz. Porém quem imortalizou essa canção foi Marty Robbins que deu à música a necessária vibração e sentimento que os versos de Paul Francis Webster expressam. Webster foi vencedor de três prêmios Oscar como compositor das canções "Secret Love" (1953), "Love is a Many Splendored Thing" (1955) e "Adeus às Ilusões" (1966), tendo suas composições em parceria concorrido 16 vezes a esse prêmio. [Abaixo está a letra de “Ballad of the Alamo”, bem como a canção na voz de Marty Robbins.]

Ennio Morricone
Influenciando Ennio Morricone - O western norte-americano serviu de ponto de partida para todos os diretores, no mundo inteiro, que se propuseram a fazer faroestes. E com a música não foi diferente. O mais inovador compositor de trilhas para filmes foi, sem dúvida, Ennio Morricone e certamente sua música para faroestes sofreu influência dos compositores Elmer Bernstein (“Sete Homens e Um Destino”) e Dimitri Tiomkin, este especialmente a partir da trilha composta para “O Álamo”. Uso do trumpete, cordas, coral, percussão, tropel de cavalos e outros ruídos foram utilizados por Tiomkin em “O Álamo”, complementando uma das mais perfeitas trilhas sonoras de um western. John Wayne acertou em cheio quando escolheu Dimitri Tiomkin para musicar “O Álamo”, mas talvez não contasse com um trabalho tão espetacular e que muito ajudou a tornar seu filme um clássico.




BALLAD OF THE ALAMO

Música de Dimitri Tiomkin / Letra de Paul Francis Webster

In the southern part of Texas, in the town of  San Antone
There's a fortress all in ruin that the weeds have overgrown.
You may look in vain for crosses and you'll never see a one
But sometime between the setting and the rising of the sun
You can hear a ghostly bugle as the men go marching by
You can hear them as they answer to that roll call in the sky.
Colonel Travis, Davy Crockett and a hundred eighty more
Captain Dickenson, Jim Bowie, present and accounted for.

Back in 1836, Houston said to Travis:
"Get some volunteers and go fortify the Alamo."
Well, the men came from Texas and from Old Tennessee
And they joined up with Travis just to fight for the right to be free.

Indian scouts with squirrel guns, men with muzzle loaders
Stood together heel and toe to defend the Alamo.
"You may never see your loved ones", Travis told them that day.
"Those that want can leave now, those who'll fight to death, let 'em stay."

In the sand he drew a line with his army sabre.
Out of a hundred eighty-five, not a soldier crossed the line.
With his banners a-dancin' in the dawn's golden light
Santa Anna came prancin' on a horse that was black as the night.

He sent an officer to tell Travis to surrender
Travis answered with a shell and a rousin' rebel yell.
Santa Anna turned scarlet: "Play Deguello", he roared.
"I will show them no quarter, everyone will be put to the sword."

One hundred and eighty five holdin' five thousand.
Five day, six days, ten; Travis held and held again.
Then he sent for replacements for his wounded and lame
But the troops that were comin' never came. never came, never came.

Twice he charged, then blew recall. On the fatal third time
Santa Anna breached the wall and he killed them one and all.
Now the bugles are silent and there's rust on each sword
And the small band of soldiers lie asleep in the arms of the Lord.

In the Southern part of Texas, near the town of San Antone

Like a statue on his Pinto rides a cowboy all alone.
And he sees the cattle grazin' where a century before
Santa Anna's guns were blazin' and the cannons used to roar
And his eyes turn sort os misty, and his heart begins to glow
And he takes his hat off slowly... to the men of Alamo.
To the thirteen days of glory... at the siege of Alamo.