Em 1958 John Wayne se considerava (e
era considerado) um homem rico e tinha muitas razões para isso. A partir de
1949 o Duke esteve sempre na lista dos dez atores cujos filmes mais arrecadavam
nas bilheterias, tendo encabeçado essa lista nos anos de 1950, 1951 e 1954,
sendo o segundo em 1956 e 1957 e terceiro em 1952, 1953 e 1955. Wayne cobrava
500 mil dólares por filme e ainda recebia porcentagem pelo lucro dos mesmos, isto além
de produzir muitos filmes com a sua produtora independente, a Batjac. Depois de
terminar “Onde Começa o Inferno” e “Marcha de Heróis”, John Wayne iria começar
a filmar “O Álamo”, grande sonho de sua vida. Antes foi com a esposa Pilar para Nova York para fazer compras. Wayne gastou 3.200 dólares na Saks,
famosa loja da Quinta Avenida, pagando essa despesa com um cheque. Semanas
depois a loja ligou para John Wayne informando que não estava conseguindo
descontar o cheque por falta de fundos. “Impossível!”, exclamou John Wayne que
em seguida ligou para Bo Ross, o homem que cuidava de seu dinheiro,
investindo-o das mais variadas formas. Ross foi evasivo nas explicações e John
Wayne partiu furioso para o escritório de Ross exigindo explicações. Sem saída e
ameaçado por Wayne, Bo Ross confessou dizendo que John Wayne não tinha mais
nada pois todos os investimentos foram perdidos. Wayne tinha agora apenas a
casa em que morava, os veículos e a Batjac. O mais rentável ator norte-americano fora levado à falência
por Bo Ross, o mesmo homem que também desaparecera com a fortuna de Red Skelton.
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O roteirista James Edward Grant e John Wayne. |
Duke
com o chapéu na mão atrás
de dinheiro - John Wayne demitiu Bo Ross e mesmo em sérias dificuldades
financeiras não podia adiar a produção de “O Álamo” pois já havia muita gente
contratada pela Batjac trabalhando na pré-produção. “O Álamo”, mais que um
sonho, era uma obsessão para John Wayne, obsessão que havia tido início há mais de dez
anos quando em 1948 o ator-produtor e James Edward Grant visitaram San Antone, no Texas,
para iniciar suas pesquisas. John Wayne queria fazer um grande filme e para
isso não confiava em ninguém para dirigi-lo, a não ser ele próprio, abrindo mão
até mesmo de estrelar o filme, já que seria o produtor e o diretor. Wayne
cogitou filmar “O Álamo” inicialmente no Panamá e posteriormente optou pelo
México para baratear a produção. As coisas começaram a piorar para John Wayne
quando descobriu que nenhum estúdio queria se associar à Batjac, pois nenhum chefe
de estúdio se aventuraria em colocar dinheiro num filme que teria John Wayne como...
diretor, especialmente num projeto tão caro. A Warner Bros. chegou a propor ao
Duke um acordo desde que John Ford ou Howard Hawks dirigisse o filme, mas Wayne
não aceitou. Finalmente a United Artists topou colocar 2,5 milhões de dólares
na produção de “O Álamo”. Mas impôs a condição de John Wayne interpretar Davy
Crockett, coisa que o Duke não pretendia fazer. Wayne queria ter apenas uma
pequena participação como o General Sam Houston. John Wayne acabou aceitando estrelar o
filme que iria também dirigir e produzir.
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James T. 'Happy' Shahan |
E
o céu mandou ‘Happy’ Shahan - John Wayne sabia que “O Álamo”
custaria pelo menos 7,5 milhões de dólares e por isso teria que recorrer a
investidores o que significaria participação nos lucros do filme. Toda
Hollywood acompanhava o drama de John Wayne e a notícia chegou ao Texas, onde
vivia James T. ‘Happy’ Shahan, um milionário que possuía 22 mil acres de terras. Shahan
propôs ajuda a Wayne intermediando contatos com ricos texanos desde que Wayne
fizesse o filme no Texas, mais precisamente em Brackettville, onde ficavam
parte das terras de ‘Happy’ Shahan. Após conhecer o local, não muito distante
de onde ficava a verdadeira missão espanhola em ruínas que virou uma fortificação
chamada Álamo, John Wayne não teve dúvidas. Faria “O Álamo” ali em
Brackettville. Wayne gostou do local e mais ainda dos três milhões de dólares
dos irmãos McCullough e outros 2,5 milhões de Clint Murchinson, milionários
exploradores de petróleo, que ajudariam a financiar o filme. Tudo por obra de 'Happy' Shahan que persuadiu os milionários.
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John Wayne, o prefeito do Álamo. |
Uma
cidade chamada Álamo - Com oito milhões de dólares já era
possível começar “O Álamo”. E o início do projeto se deu com a construção em
Brackettville de uma réplica perfeita do Álamo original, sob o comando do
mexicano ‘Chato’ Gonzalez e ao custo de 1,5 milhão de dólares. O Álamo e mais uma
recriação da cidade de San Antone foram construídos numa área de 60 mil metros
quadrados, empregando centenas de mexicanos que produziam os tijolos
necessários. Muitos texanos foram também contratados para as obras dirigidas
por ‘Chato’ Gonzalez. Próximo do local situa-se o desativado Forte Clark que foi
transformado em alojamento dos atores, equipe técnica e figurantes permanentes,
totalizando 342 pessoas. Haveria necessidade de 190 mil refeições durante os 81
dias programados para as filmagens, logo chegando a Brackettville 44 mil quilos de alimentos,
500 mil ovos e 400 mil litros de leite. Além disso, ingredientes para 1,5
milhão de pãezinhos. Cada dia de produção iria custar 80 mil dólares, num total
de 6,5 milhões de dólares. Haveria ainda os inevitáveis gastos com publicidade,
negativos e tudo que cerca a produção e lançamento de um filme, o que impedia de fechar a
conta de “O Álamo” que teve inicio assim mesmo.
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Momento de descontração entre Harvey, 'Happy' Shahan, Widmark e o Duke. |
Reduzindo
despesas com Widmark e Harvey – Além das centenas de pessoas
envolvidas na produção de “O Alamo”, havia ainda 160 cavalos que foram
alugados. Por sorte ‘Happy’ Shahan conseguiu que um amigo fazendeiro texano ‘emprestasse’ 200 cabeças de gado ‘Longhorn’ necessárias para sequências do
filme. As despesas pareciam não acabar nunca e, caso Burt Lancaster (Bowie), Charlton
Heston (Travis) ou Clark Gable (Crockett), primeiros atores cogitados para os três papéis
principais tivessem sido contratados o dinheiro conseguido não bastaria.
Lancaster estava comprometido com “Entre Deus e o Pecado”, Gable com “Os
Desajustados” e Heston se recusou a ser dirigido por John Wayne. Marlon Brando
foi sondado para fazer uma ponta como o Generalíssimo Santa Anna, mas assim
como Charlton Heston, Brando também não aceitou trabalhar com John Wayne por razões obviamente
políticas. Wayne pensou então em William Holden como Jim Bowie e Rock Hudson
como Travis, mas recuou diante da pedida dos dois atores cujos prestígios
estavam no limite máximo e seus salários beiravam o milhão de dólares. Bastante mais em
conta foram os salários de Richard Widmark e de Laurence Harvey. Richard Boone,
como se sabe, abriu mão do salário de 100 mil dólares pois sabia das
dificuldades financeiras de John Wayne. Boone disse a Wayne que se sentia
recompensado se ganhasse o casaco de couro que usara em “O Álamo”.
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O eternamente carrancudo John Ford se intrometendo no filme do amigo John Wayne. |
A
constrangedora presença de John Ford - John Wayne estava entre amigos na
produção de “O Álamo”, gente como William H. Clothier (diretor de fotografia),
Alfredo Ybarra (desenhista de produção e criador dos sets) e Cliff Lyons (diretor de segunda
unidade). E ainda praticamente todo o elenco de coadjuvantes tinha relações de
amizade com o Duke. Para o filme foram recrutados 28 dublês, entre os melhores
de Hollywood, e todos eles recebiam um salário extra atuando também como atores.
A presença de Frankie Avalon no filme se explica como forma de atrair os espectadores
teenagers. Além de estar entre amigos, Wayne estava com a família por perto
pois seu filho Michael Wayne era o produtor-executivo e Pat Wayne estava no
elenco, assim como a filha Aissa. A esposa Pilar e a filha Toni também estavam
alojadas em Forte Clark, acompanhando as filmagens. Só quem não podia ser
chamado de amigo de John Wayne era Richard Widmark, que decididamente não nutria a menor simpatia pelo Duke. Mas pior que todos os problemas financeiros ou mesmo a
hostilidade de Widmark, foi a inesperada chegada de John Ford a Brackettville.
Ford importunou Wayne por 20 dias, até que se retirou das filmagens após
constranger terrivelmente Duke. Ford chegou a filmar algumas cenas usadas no
filme, ainda que John Wayne negasse esse fato.
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John Wayne com 15 quilos a menos e incontáveis preocupações a mais. |
O
desespero toma conta de John Wayne - O western mais caro do cinema havia
sido “Duelo ao Sol”, que custara oito milhões de dólares em 1946. As colunas
especializadas anunciavam que “O Álamo” superaria “Duelo ao Sol” pois seu custo já havia atingido os dez milhões de dólares. Os detratores de Wayne diziam que aqueles
números não eram verdadeiros e que o filme havia consumido apenas 5,5 milhões de
dólares. Mas o fato é que os oito milhões iniciais (da United Artists e dos investidores texanos) se mostraram insuficientes e a produção chegou a ser
ameaçada de ser interrompida. Isso não aconteceu porque a Yale Foundation
investiu mais 1,5 milhão de dólares na produção de “O Álamo”, atingindo até
então 9,5 milhões de dólares. John Wayne trabalhou demais em “O Alamo” e dormia apenas quatro horas por dia, sendo o último a se deitar e o
primeiro a se levantar nas acomodações de Forte Clark. Lembra-se muito que John Wayne
perdeu 15 quilos durante as filmagens de “O Álamo”. Cita-se também que passou de
três para seis maços de cigarros por dia. Mas isso certamente não aconteceu
apenas pela desumana sobrecarga de trabalho (“O Álamo” foi filmado em apenas 81
dias) e sim pela possibilidade de ver seu sonho arruinado por falta de dinheiro
para concluí-lo.
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William H. Clothier e John Wayne. |
John
Wane hipoteca sua própria casa - Foi então que Wayne assinou novo contrato
para estrelar três filmes para a 20th Century-Fox, recebendo um adiantamento
por esses trabalhos. A esse montante Wayne juntou a hipoteca de sua casa em Encino,
na Califórnia. Mesmo assim não chegou aos doze milhões de dólares que era a
projeção final para “O Álamo”, incluídos já os gastos com publicidade para a
campanha do Oscar. A solução foi vender partes do possível lucro do filme a
investidores, deixando ele próprio de receber qualquer dividendo pelo filme. O
custo de “O Álamo” foi sensivelmente elevado pelo processo em que foi filmado,
o Todd-AO, em 70 mm, que supervalorizava as espetaculares imagens capturadas
pelas câmaras de William H. Clothier. Esse processo permitia também que se
fizesse cópias em 35 mm para os cinemas não aparelhados para exibir o Todd-AO.
Depois de meses sendo editado, musicado e recebendo a estupenda trilha sonora
com som que lhe valeu o único Oscar, “O Álamo” foi lançado numa première em San
Antone, no Texas, em 24 de outubro de 1960. Dois dias depois o filme foi
exibido em um único cinema de cada uma das maiores capitais, tendo recebido críticas que só
não destruiram o filme de John Wayne porque ele tinha muitas qualidades e, inegavelmente, alguns defeitos também.
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John Wayne inspecionando cada detalhe; atrás dele Joseph Calleia. |
Todos
ganharam, menos John Wayne - Após o período de lançamento, a parte
da imprensa que não gostava de John Wayne se deliciou divulgando que o filme
fracassara nas bilheterias, não se pagando e que não se pagaria jamais. “Ben-Hur”
custara 16 milhões de dólares em 1959; “Os Dez Mandamentos” custara 13 milhões
de dólares em 1955 e “Spartacus” custou os mesmos 12 milhões de dólares que “O
Álamo”. Porém esses épicos arrecadaram respectivamente 70 milhões, 80 milhões e
60 milhões de dólares em seus primeiros anos de exibição nos Estados Unidos. “O
Álamo” arrecadou somente oito milhões de dólares e apenas conseguiu se pagar com as
excepcionais bilheterias vindas do Exterior. Com os relançamentos em 1963, 1967
e 1970, a United Artists e demais investidores passaram a receber lucros que
recebem até hoje. “O Álamo” foi dos raros westerns a merecer lançamento em
disc-laser e sempre vendeu muito em VHS e agora em DVD. Após a aventura vivida em Brackettville, no Texas, John Wayne retomou sua
carreira como ator e produtor e, muito mais cuidadoso com seus ganhos
milionários, nunca mais teve problemas financeiros. Porém com “O Álamo” John
Wayne não ganhou um único centavo, mas nunca reclamou desse fato. Para fazer esse filme o
Duke entregou entusiástica e estoicamente não só tudo que tinha na vida mas também sua alma.