UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

11 de junho de 2013

HISTÓRIAS DO ÁLAMO - O HOMEM QUE VENDEU SUA ALMA


Em 1958 John Wayne se considerava (e era considerado) um homem rico e tinha muitas razões para isso. A partir de 1949 o Duke esteve sempre na lista dos dez atores cujos filmes mais arrecadavam nas bilheterias, tendo encabeçado essa lista nos anos de 1950, 1951 e 1954, sendo o segundo em 1956 e 1957 e terceiro em 1952, 1953 e 1955. Wayne cobrava 500 mil dólares por filme e ainda recebia porcentagem pelo lucro dos mesmos, isto além de produzir muitos filmes com a sua produtora independente, a Batjac. Depois de terminar “Onde Começa o Inferno” e “Marcha de Heróis”, John Wayne iria começar a filmar “O Álamo”, grande sonho de sua vida. Antes foi com a esposa Pilar para Nova York para fazer compras. Wayne gastou 3.200 dólares na Saks, famosa loja da Quinta Avenida, pagando essa despesa com um cheque. Semanas depois a loja ligou para John Wayne informando que não estava conseguindo descontar o cheque por falta de fundos. “Impossível!”, exclamou John Wayne que em seguida ligou para Bo Ross, o homem que cuidava de seu dinheiro, investindo-o das mais variadas formas. Ross foi evasivo nas explicações e John Wayne partiu furioso para o escritório de Ross exigindo explicações. Sem saída e ameaçado por Wayne, Bo Ross confessou dizendo que John Wayne não tinha mais nada pois todos os investimentos foram perdidos. Wayne tinha agora apenas a casa em que morava, os veículos e a Batjac. O mais rentável ator norte-americano fora levado à falência por Bo Ross, o mesmo homem que também desaparecera com a fortuna de Red Skelton.

O roteirista James Edward Grant e John Wayne.
Duke com o chapéu na mão atrás de dinheiro - John Wayne demitiu Bo Ross e mesmo em sérias dificuldades financeiras não podia adiar a produção de “O Álamo” pois já havia muita gente contratada pela Batjac trabalhando na pré-produção. “O Álamo”, mais que um sonho, era uma obsessão para John Wayne, obsessão que havia tido início há mais de dez anos quando em 1948 o ator-produtor e James Edward Grant visitaram San Antone, no Texas, para iniciar suas pesquisas. John Wayne queria fazer um grande filme e para isso não confiava em ninguém para dirigi-lo, a não ser ele próprio, abrindo mão até mesmo de estrelar o filme, já que seria o produtor e o diretor. Wayne cogitou filmar “O Álamo” inicialmente no Panamá e posteriormente optou pelo México para baratear a produção. As coisas começaram a piorar para John Wayne quando descobriu que nenhum estúdio queria se associar à Batjac, pois nenhum chefe de estúdio se aventuraria em colocar dinheiro num filme que teria John Wayne como... diretor, especialmente num projeto tão caro. A Warner Bros. chegou a propor ao Duke um acordo desde que John Ford ou Howard Hawks dirigisse o filme, mas Wayne não aceitou. Finalmente a United Artists topou colocar 2,5 milhões de dólares na produção de “O Álamo”. Mas impôs a condição de John Wayne interpretar Davy Crockett, coisa que o Duke não pretendia fazer. Wayne queria ter apenas uma pequena participação como o General Sam Houston. John Wayne acabou aceitando estrelar o filme que iria também dirigir e produzir.

James T. 'Happy' Shahan
E o céu mandou ‘Happy’ Shahan - John Wayne sabia que “O Álamo” custaria pelo menos 7,5 milhões de dólares e por isso teria que recorrer a investidores o que significaria participação nos lucros do filme. Toda Hollywood acompanhava o drama de John Wayne e a notícia chegou ao Texas, onde vivia James T. ‘Happy’ Shahan, um milionário que possuía 22 mil acres de terras. Shahan propôs ajuda a Wayne intermediando contatos com ricos texanos desde que Wayne fizesse o filme no Texas, mais precisamente em Brackettville, onde ficavam parte das terras de ‘Happy’ Shahan. Após conhecer o local, não muito distante de onde ficava a verdadeira missão espanhola em ruínas que virou uma fortificação chamada Álamo, John Wayne não teve dúvidas. Faria “O Álamo” ali em Brackettville. Wayne gostou do local e mais ainda dos três milhões de dólares dos irmãos McCullough e outros 2,5 milhões de Clint Murchinson, milionários exploradores de petróleo, que ajudariam a financiar o filme. Tudo por obra de 'Happy' Shahan que persuadiu os milionários.

John Wayne, o prefeito do Álamo.
Uma cidade chamada Álamo - Com oito milhões de dólares já era possível começar “O Álamo”. E o início do projeto se deu com a construção em Brackettville de uma réplica perfeita do Álamo original, sob o comando do mexicano ‘Chato’ Gonzalez e ao custo de 1,5 milhão de dólares. O Álamo e mais uma recriação da cidade de San Antone foram construídos numa área de 60 mil metros quadrados, empregando centenas de mexicanos que produziam os tijolos necessários. Muitos texanos foram também contratados para as obras dirigidas por ‘Chato’ Gonzalez. Próximo do local situa-se o desativado Forte Clark que foi transformado em alojamento dos atores, equipe técnica e figurantes permanentes, totalizando 342 pessoas. Haveria necessidade de 190 mil refeições durante os 81 dias programados para as filmagens, logo chegando a Brackettville 44 mil quilos de alimentos, 500 mil ovos e 400 mil litros de leite. Além disso, ingredientes para 1,5 milhão de pãezinhos. Cada dia de produção iria custar 80 mil dólares, num total de 6,5 milhões de dólares. Haveria ainda os inevitáveis gastos com publicidade, negativos e tudo que cerca a produção e lançamento de um filme, o que impedia de fechar a conta de “O Álamo” que teve inicio assim mesmo.

Momento de descontração entre Harvey,
'Happy' Shahan, Widmark e o Duke.
Reduzindo despesas com Widmark e Harvey – Além das centenas de pessoas envolvidas na produção de “O Alamo”, havia ainda 160 cavalos que foram alugados. Por sorte ‘Happy’ Shahan conseguiu que um amigo fazendeiro texano ‘emprestasse’ 200 cabeças de gado ‘Longhorn’ necessárias para sequências do filme. As despesas pareciam não acabar nunca e, caso Burt Lancaster (Bowie), Charlton Heston (Travis) ou Clark Gable (Crockett), primeiros atores cogitados para os três papéis principais tivessem sido contratados o dinheiro conseguido não bastaria. Lancaster estava comprometido com “Entre Deus e o Pecado”, Gable com “Os Desajustados” e Heston se recusou a ser dirigido por John Wayne. Marlon Brando foi sondado para fazer uma ponta como o Generalíssimo Santa Anna, mas assim como Charlton Heston, Brando também não aceitou trabalhar com John Wayne por razões obviamente políticas. Wayne pensou então em William Holden como Jim Bowie e Rock Hudson como Travis, mas recuou diante da pedida dos dois atores cujos prestígios estavam no limite máximo e seus salários beiravam o milhão de dólares. Bastante mais em conta foram os salários de Richard Widmark e de Laurence Harvey. Richard Boone, como se sabe, abriu mão do salário de 100 mil dólares pois sabia das dificuldades financeiras de John Wayne. Boone disse a Wayne que se sentia recompensado se ganhasse o casaco de couro que usara em “O Álamo”.

O eternamente carrancudo John Ford se
intrometendo no filme do amigo John Wayne.
A constrangedora presença de John Ford - John Wayne estava entre amigos na produção de “O Álamo”, gente como William H. Clothier (diretor de fotografia), Alfredo Ybarra (desenhista de produção e criador dos sets) e Cliff Lyons (diretor de segunda unidade). E ainda praticamente todo o elenco de coadjuvantes tinha relações de amizade com o Duke. Para o filme foram recrutados 28 dublês, entre os melhores de Hollywood, e todos eles recebiam um salário extra atuando também como atores. A presença de Frankie Avalon no filme se explica como forma de atrair os espectadores teenagers. Além de estar entre amigos, Wayne estava com a família por perto pois seu filho Michael Wayne era o produtor-executivo e Pat Wayne estava no elenco, assim como a filha Aissa. A esposa Pilar e a filha Toni também estavam alojadas em Forte Clark, acompanhando as filmagens. Só quem não podia ser chamado de amigo de John Wayne era Richard Widmark, que decididamente não nutria a menor simpatia pelo Duke. Mas pior que todos os problemas financeiros ou mesmo a hostilidade de Widmark, foi a inesperada chegada de John Ford a Brackettville. Ford importunou Wayne por 20 dias, até que se retirou das filmagens após constranger terrivelmente Duke. Ford chegou a filmar algumas cenas usadas no filme, ainda que John Wayne negasse esse fato.

John Wayne com 15 quilos a menos e
incontáveis preocupações a mais.
O desespero toma conta de John Wayne - O western mais caro do cinema havia sido “Duelo ao Sol”, que custara oito milhões de dólares em 1946. As colunas especializadas anunciavam que “O Álamo” superaria “Duelo ao Sol” pois seu custo já havia atingido os dez milhões de dólares. Os detratores de Wayne diziam que aqueles números não eram verdadeiros e que o filme havia consumido apenas 5,5 milhões de dólares. Mas o fato é que os oito milhões iniciais (da United Artists e dos investidores texanos) se mostraram insuficientes e a produção chegou a ser ameaçada de ser interrompida. Isso não aconteceu porque a Yale Foundation investiu mais 1,5 milhão de dólares na produção de “O Álamo”, atingindo até então 9,5 milhões de dólares. John Wayne trabalhou demais em “O Alamo” e dormia apenas quatro horas por dia, sendo o último a se deitar e o primeiro a se levantar nas acomodações de Forte Clark. Lembra-se muito que John Wayne perdeu 15 quilos durante as filmagens de “O Álamo”. Cita-se também que passou de três para seis maços de cigarros por dia. Mas isso certamente não aconteceu apenas pela desumana sobrecarga de trabalho (“O Álamo” foi filmado em apenas 81 dias) e sim pela possibilidade de ver seu sonho arruinado por falta de dinheiro para concluí-lo.

William H. Clothier e John Wayne.
John Wane hipoteca sua própria casa - Foi então que Wayne assinou novo contrato para estrelar três filmes para a 20th Century-Fox, recebendo um adiantamento por esses trabalhos. A esse montante Wayne juntou a hipoteca de sua casa em Encino, na Califórnia. Mesmo assim não chegou aos doze milhões de dólares que era a projeção final para “O Álamo”, incluídos já os gastos com publicidade para a campanha do Oscar. A solução foi vender partes do possível lucro do filme a investidores, deixando ele próprio de receber qualquer dividendo pelo filme. O custo de “O Álamo” foi sensivelmente elevado pelo processo em que foi filmado, o Todd-AO, em 70 mm, que supervalorizava as espetaculares imagens capturadas pelas câmaras de William H. Clothier. Esse processo permitia também que se fizesse cópias em 35 mm para os cinemas não aparelhados para exibir o Todd-AO. Depois de meses sendo editado, musicado e recebendo a estupenda trilha sonora com som que lhe valeu o único Oscar, “O Álamo” foi lançado numa première em San Antone, no Texas, em 24 de outubro de 1960. Dois dias depois o filme foi exibido em um único cinema de cada uma das maiores capitais, tendo recebido críticas que só não destruiram o filme de John Wayne porque ele tinha muitas qualidades e, inegavelmente, alguns defeitos também.

John Wayne inspecionando cada detalhe;
atrás dele Joseph Calleia.
Todos ganharam, menos John Wayne - Após o período de lançamento, a parte da imprensa que não gostava de John Wayne se deliciou divulgando que o filme fracassara nas bilheterias, não se pagando e que não se pagaria jamais. “Ben-Hur” custara 16 milhões de dólares em 1959; “Os Dez Mandamentos” custara 13 milhões de dólares em 1955 e “Spartacus” custou os mesmos 12 milhões de dólares que “O Álamo”. Porém esses épicos arrecadaram respectivamente 70 milhões, 80 milhões e 60 milhões de dólares em seus primeiros anos de exibição nos Estados Unidos. “O Álamo” arrecadou somente oito milhões de dólares e apenas conseguiu se pagar com as excepcionais bilheterias vindas do Exterior. Com os relançamentos em 1963, 1967 e 1970, a United Artists e demais investidores passaram a receber lucros que recebem até hoje. “O Álamo” foi dos raros westerns a merecer lançamento em disc-laser e sempre vendeu muito em VHS e agora em DVD. Após a aventura vivida em Brackettville, no Texas, John Wayne retomou sua carreira como ator e produtor e, muito mais cuidadoso com seus ganhos milionários, nunca mais teve problemas financeiros. Porém com “O Álamo” John Wayne não ganhou um único centavo, mas nunca reclamou desse fato. Para fazer esse filme o Duke entregou entusiástica e estoicamente não só tudo que tinha na vida mas também sua alma.



6 comentários:

  1. Olá Darci
    Se este filme tivesse outro diretor envolvido, provavelmente não seria lembrado desta maneira, pois é difícil separar o mito do homem e me parece que o mito é maior que o homem. Pessoas desta magnitude ou são amados ou odiados, meio termo não é comum. Este filme fez uma marca tão profunda no Duke, que o acompanhou até à sua tumba, onde na sua lápide, há uma gravura da Missão em relevo, fazendo alusão ao Álamo e também ao Monument Valley, outra marca associada a ele, mas menos trágica.
    Por nunca ter reclamado da sua empreitada, John Wayne mostrou o grau de caráter que possuía. Costumo dizer que estes tipos de pessoas, preferem contabilizar prejuízos e não arrependimentos, pois são muito conscientes do que querem e dos riscos aos quais correrão. Realmente ele depositou neste filme o seu coração e a sua alma. Grande DUKE!!.
    Abraços-Joailton

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  2. Olá, Joailton
    Desconhecia a referência ao Álamo na lápide do Duke. Penso que a importância do Moniument Valley deva ter sido maior para John Ford que para John Wayne. Já Brackttville... Wayne morreria frustrado se não tivesse filmado O Álamo e o desgosto invadiu sua alma com o resultado financeiro e com o que muitos críticos fizeram com o filme.
    Você tem razão quando lembra a importância de John Wayne. O Álamo de 2004 está entre os maiores fracassos do cinema (custou 107 milhões de dólares e até hoje faturou somente 25 milhões), mas não houve o estardalhaço ocorrido com O Álamo de 1960.
    Grande Duke!
    Um abraço do Darci

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  3. Olá Darci
    Corrigindo-Sei que a referencia é de Ford, me expressei mal, para aquela região e foi ele que mostrou aquela paisagem ao mundo, no filme, No Tempo das Diligências, associado fortemente ao John Wayne. Parafraseando o Darci, "Já Brackttville...", só os experts do ramo são capazes de lembrar deste nome e associá-lo ao Álamo. Não faz muito tempo, eu passaria batido, sem as suas informações.
    Está o Monument Valley, também na placa do Duke e também aquela famosa frase sobre o amanhã.
    Abraço-Joailton

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  4. Joailton
    Aquela região de Brackettville pertence a James 'Happy' Shahan, como foi escrito num dos textos. A idéia de Shahan era mesmo fazer filmes no local. Antes de O Álamo outros filmes foram feitos por lá, inclusive A Última Barricada, que trata da defesa da fortificação. O maravilhoso Lonesome Dove (Pistoleiros do Oeste), foi também rodado lá.
    Monument Valley tem um local que é chamado de Ford Valley, nome atribuído pelos Navajos que ainda habitam por lá. Homenagem mais que merecida. E Sergio Leone só se satisfez quando filmou no local, outra grande homenagem.
    Minhas informações, todas elas, são extraídas de livros ou mesmo da Internet. O que faço é procurar repassá-la àqueles que lêem este blog porque gostam muito de faroeste, como você, que honra o blog companhando-o.
    Um abraço do Darci

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  5. Olá Darci

    Veja como eu estava um tanto por fora. Os Pistoleiros do Oeste, com o R. Duvall e Tommy Lee Jones, estava na minha seleção inicial do top ten, que acabei tirando de última hora. Nem sonhava que era nesta região. Concordo com você que é maravilhoso. Os road movies, tem a minha predileção. Outro que estava lá era Desaparecidas, com o Lee Jones.
    Abraços-Joailton

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  6. Interessantes comentários ! Nós, amantes do western,ficamos sempre bem informados com esta turma ,editor e blogueiros.
    Hoje vou rever "Os pistoleiros do Oeste" após ter sido citado
    pelos amigos ! Até a Angélica Huston está neste western .
    Um abraço ! Laudney

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