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Kevin Costner |
A carreira de Kevin Costner mais parece
uma gangorra, alternando filmes de sucesso com monumentais fracassos artísticos
e financeiros. Dos poucos atores de sua geração a atuar em faroestes, Costner
conheceu a glória com “Dança com Lobos” (1990), que além de interpretar também
dirigiu, filme que ganhou prêmios e rendeu bastante bem nas bilheterias. Em
seguida, apenas como ator, Costner estrelou “Wyatt Earp” (1994), que não
agradou nem crítica e nem público, sendo mais uma referência em sua lista nada
pequena de fracassos. Revelado para o cinema no faroeste “Silverado” (1985), Kevin
Costner voltou ao gênero em 2003 atuando e dirigindo “Pacto de Justiça” (Open
Range), seu melhor filme. “Pacto de Justiça” custou 22 milhões de dólares e
rendeu 70 milhões de dólares e mesmo assim Kevin Costner não voltou a dirigir
nenhum outro filme e só participou como ator de novo faroeste na mini-série
feita para a TV “Hatfields & McCoys”.
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Michael Gambon |
Desafio
a um tirano - Quando adolescente Kevin Costner era um dos muitos
leitores das centenas de histórias de faroeste escritas por Lauran Paine
(Lawrence K. Duby Jr.) lançadas em edições baratas. Um desses livros tinha o
título “The Open Range Men” e impressionou Costner que adquiriu os direitos
cinematográficos da história para a sua produtora. O roteiro foi escrito por
Craig Storper e conta como os cowboys Boss Spearman (Robert Duvall) e Charley
Waite (Kevin Costner) se revoltam contra o tirânico e violento barão de gado
Denton Baxter (Michael Gambon). Além de mandar na cidade de Harmonville, Baxter
não permite que criadores itinerantes como Spearman alimentem seus rebanhos nos
campos abertos nos arredores das fazendas que Baxter possui. Spearman é o
patrão para quem Charley Waite trabalha há dez anos e trabalham também para Boss
o grandalhão Mose (Abraham Benrubi) e o jovem Button (Diego Luna). Mose vai até
Harmonville onde é barbaramente espancado pelos homens de Baxter e jogado uma
cela da cadeia local pelo xerife Poole (James Russo). Mose é atendido pelo
médico da cidade, o Dr. Barlow (Dean McDermont) e pela irmã deste, Sue Barlow
(Annette Bening). Nem bem se recupera e Mose é morto pelos homens de Baxter que
ainda ferem gravemente Button. Esse fato leva Spearman e Waite ao confronto com
Baxter e com aos muitos homens que para ele trabalham, incluído o xerife
Poole. Os dois cowboys levam a melhor no confronto desigual contando com o
apoio de alguns cidadãos de Harmonville, onde a paz volta a reinar.
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Robert Duvall e Clint Eastwood: semelhanças. |
Princípios
particulares - A história simples de “Pacto de Justiça” revisita o tema, tantas vezes explorado pelos faroestes, do rico e poderoso que oprime os mais
fracos fazendo valer a lei da intimidação através da violência. “Os Brutos
Também Amam” (Shane) é o mais clássico dos exemplos desse tema e o western de
Costner tem muito do filme de George Stevens num estilo mais moderno que o
aproxima também de “Os Imperdoáveis” (Unforgiven), de Clint Eastwood.
Harmonville lembra bastante o lugarejo onde Shane surge para ajudar os Starrets
e demais sitiantes. Assim como em “Shane”, momentos importantes de “Pacto de
Justiça” são passados dentro de um bar, não faltando as ruas enlameadas, as
pessoas simples e insatisfeitas à espera de um líder, o funeral e até mesmo um
cão branco. As sequências noturnas e em meio a tempestades de “Pacto de
Justiça” foram exaustivamente utilizadas por Clint Eastwood em “Os
Imperdoáveis”, assim como o passado de Charley Waite é obscuro como o de Bill
Munny. Waite aprendeu a matar friamente na Guerra Civil e colocou seu revólver
a serviço de algum dos tantos Baxters do Oeste. Princípios próprios, entre eles
a lealdade, levam Charley Waite e Boss Spearman a arriscar suas vidas contra aquilo
que representa tipos como o poderoso dono de Harmonville. “Um homem não pode determinar onde o outro deve ir. Ele (Baxter) está
atravessado em minha garganta”, diz Charley ao amigo Boss. E completa em
outro momento, antes do enfrentamento: “Há
coisas que atormentam um homem mais do que a morte”. Homens que pensam dessa
forma não se submetem a opressores e assim são os dois cowboys de “Pacto de
Justiça”.
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Robert Duvall e Kevin Costner |
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Duvall e Costner |
Justiça
e vingança juntas -
“Buscamos justiça e não vingança”, diz Boss impedindo Charley de atirar
num capanga de Baxter que está ferido. A frase busca expressar a diferença
entre vingança e justiça, mas ocorre que em Harmonville a justiça atende pelo
nome de Denton Baxter, o que permite que os termos se associem perdendo a
distinção. “Podem ser coisas diferentes,
mas hoje não são”, Charley responde laconicamente a Boss. Não exatamente
mais uma história sobre vingança, mas a necessidade de fazer justiça e de fazer
valer direitos expropriados é que movem os dois cowboys em direção ao que
parecia ser o fim de ambos. O que engrandece “Pacto de Justiça” é a delicadeza
com que Kevin Costner conduz um filme de extremada violência que jamais é
gratuita. Poeticamente, ao estilo de John Ford, a amizade entre Boss e Charley
é traduzida em pequenos gestos e frases. O mais lírico desses momentos é quando
Boss insiste para que Charley diga a Sue Barlow, antes do confronto final, que
gosta dela. E como é grande e respeitosa a amizade entre dois cowboys que mal
sabem detalhes e segredos de suas vidas, mal sabem os próprios e verdadeiros
nomes. “Pacto de Justiça” que encena um showdown final realístico, longo e
tenso, reserva doses de singelo humor como a revelação do nome de batismo de
Boss que é ‘Bluebonnet’, o nome de uma flor. Há ainda o desconforto com as xícaras
de chá cujos dedos dos cowboys não se ajustam e as tábuas para atravessar a rua
inundada pela chuva em Harmonville. E com que graça o mesmo Boss aplica
clorofórmio no cínico xerife Pooley e em outros capangas, a quem pergunta sadicamente,
clorofórmio à mão: “Vamos tomar o café da
manhã?”
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Kevin Costner e Annette Bening |
Delicada
história de amor - Mulheres, no mais das vezes, são
meros enfeites em westerns, contraponto de beleza à rudeza dos cowboys. Em
“Pacto de Justiça” Sue Barlow é um retrato perfeito da mulher forte e
determinada que ajudou a construir o Oeste. Nada de roupas elegantes e menos
ainda cabelos cuidados e beleza estonteante e sensualidade. Sue Barlow é uma mulher madura,
desencantada com a vida e com a possibilidade de vir a ter um casamento feliz.
Charley (e Boss) imaginam ser ela a esposa do médico de Harmonville e a
descoberta acidental do parentesco fraterno dos Barlows cria um contentamento
mudo com a perspectiva do agora lícito envolvimento entre Charley e Sue. Boss
percebe desde o primeiro instante o interesse mútuo e contido entre o amigo e a
mulher pois afinal Sue deveria ser casada. Como raramente se vê em um western,
aflora suavemente o amor integrando-se à história. Boss quer a felicidade do
amigo, felicidade que ele sabe ser possível junto a uma mulher como Sue Barlow.
Se o eixo de “Pacto de Justiça” reside na amizade entre Boss e Charley, não
menos elevada é a história de amor paralela que se desenvolve entre Sue e Charley.
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Kevin Costner e Kim Coates |
Duelo
e tiroteio infernais - Evocativo do confronto travado no
Curral OK é a caminhada de Baxter e mais quatro capangas em direção a Boss e
Charley. Embate rápido, frontal e sem os lances mais elaborados com excessos de
detalhes e comuns aos duelos cinematográficos. A experiência de Charley como
pistoleiro é que decreta a vantagem dos dois cowboys. Diferentemente, a longa
sequência em que Boss (ferido) e Charley se defrontam com o também alvejado
Baxter e com o reforço de vários homens, esta é mais coreografada. Kevin
Costner abre mão do uso da câmara lenta que ocorre apenas por segundos quando
da caminhada de Boss em direção ao local onde se encontra o baleado Baxter. E
se Costner não se autopermite uma superexposição durante a maior parte do filme,
é nesse segundo confronto que seu personagem se torna mais heroico. O quase
descaso de Charley ao disparar contra o capanga de Baxter que usa Sue como
escudo comprova ter sido ele um frio gunman. Um achado do roteiro é a fala de
Doc Barlow dizendo a Baxter que não cuidaria de seu ferimento caso ele
disparasse contra o indefeso Button, momento complementado por Boss ao decidir
não desperdiçar uma bala como tiro de misericórdia no odioso Baxter. Outra vez
“Shane” é citado com o impressionante impacto do disparo da carabina de Boss
fazendo voar por três metros o corpo do homem alvejado. Impossível não lembrar
‘Stonewall’ Torrey atirado na lama pelo disparo do pistoleiro Jack Wilson.
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Showndown em Harmonville. |
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Robert Duvall e Annete Bening |
Robert
Duvall em primorosa atuação –Elogiosa a opção de Costner como
diretor de fazer do personagem de Robert Duvall o principal do filme.
Respeitosamente num segundo plano, Costner permite que Duvall praticamente
repita sua criação memorável como ‘Gus McCrae’ em “Pistoleiros do Oeste”
(Lonesome Dove), de 1989. Numa carreira repleta de atuações superlativas,
Robert Duvall brilha em cada sequência e comprova ser um dos grandes atores do
cinema norte-americano. Kevin Costner, também produtor de “Pacto de Justiça”,
afirmou que se Duvall não aceitasse o convite para o filme ele Costner
desistiria do projeto. Kevin Costner com um Stetson alto e autenticidade de
verdadeiro cowboy se assemelha a um misto de William S. Hart com Slim Pickens,
tendo convincente atuação. E Annette Bening como Sue Barlow se inscreve entre
as grandes personagens femininas dos faroestes. A expressão sofrida e sem
esperança de seu olhar, seu riso discreto e nenhuma preocupação em tornar Sue
Barlow bonita dão a Annette Bening um irresistível charme. Michael Gambon
revive os vilões criados por John McIntire e James Russo, o submisso xerife
poderia ser mais cruel do que o filme mostra. Último trabalho de Michael Jeter
como Percy, o dono do estábulo e a quem Kevin Costner dedica o filme. O
mexicano Diego Luna, então com 23 anos, interpreta o adolescente Button de 16
anos sobrepujado pela boa atuação do corpulento Abraham Benrubi (Mose).
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Uma das ilustrações de "Open Range". |
Alinhado
às obras-primas do faroeste - “Pacto de Justiça” é um esplêndido retrato
das campinas norte-americanas filmadas no... Canadá. Kevin Costner escolheu as
locações em Calgary e nas reservas indígenas de Alberta e só a construção da
cidade de Harmonville custou um milhão de dólares. O resultado foi um filme com
imagens magnificamente captadas pelo diretor de fotografia J. Michael Muro, o
mesmo de “Dança com Lobos”. Imagens, história e interpretações fizeram de
“Pacto de Justiça” um clássico imediato, irrepreensível, não fosse o
desnecessário, prolongado e redundante final que poderia ter sido encurtado em
pelo menos dez minutos. Assistir a este bem sucedido filme de Kevin Costner
leva inevitavelmente à pergunta por que são filmados tão poucos faroestes? A
resposta é que dos poucos westerns produzidos nos últimos 30 anos, apenas “Os
Imperdoáveis” (Unforgiven), ao lado de “Pacto de Justiça” merecem estar ao lado
das obras-primas que o gênero legou ao cinema.
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O espetacular impacto provocado pelo tiro do rifle de 'Boss' (Duvall). |
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O cão Tig deitado sobre Mose e Charley Waite ao lado da porcelana. |