UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

26 de setembro de 2014

TOP-TEN WESTERNS DO COWBOY-SERESTEIRO JORGE CAVALCANTI ARAÚJO FILHO


No Planalto da Borborema, região semiárida de Pernambuco situa-se Brejão, pequeno município próximo de Garanhuns. A população de Brejão mal chega atualmente a nove mil habitantes e nos anos 50 era certamente muito menor. Mesmo pequena a cidade possuía um cinema naquela década o Cine Brejão que exibia filmes trazidos das cidades maiores pelo senhor Jorge Cavalcanti Araújo. Esses filmes faziam a alegria da garotada de Brejão, especialmente do filho de ‘Seo’ Jorge que lá começou a gostar de cinema, carregando o prazer de assistir filmes por toda sua vida. O Cine Brejão exibia filmes que já haviam rodado o Brasil inteiro e, por isso mesmo, demoravam para chegar àquele recôndito. Entre os muitos filmes que Jorge Cavalcanti Araújo Filho assistiu no Cine Brejão dois o marcaram para sempre. O primeiro foi o “O Homem de Aço” (Adventures of Captain Marvel), seriado da Republic Pictures de 1941 mas que só foi exibido em Brejão quase dez anos depois. O menino Jorge não perdeu um só dos 12 episódios e depois de tanta emoção elegeu seu maior ídolo: o ator Tom Tyler, o Capitão Marvel do seriado. O outro filme que Jorge nunca esqueceu e que assistiu sentado numa das 150 poltronas de madeira do Cine Brejão foi “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine). Acostumado com os westerns-B com Rocky Lane, Tom Mix, Buck Jones, Bill Elliott e outros, Jorge percebeu que certos faroestes tinham outra concepção artística, no caso da obra-prima “Paixão dos Fortes”, a maneira poética de John Ford contar uma história do Velho Oeste.

Tom Tyler, o grande herói de Jorge Cavalcanti.

Um jovem e sorridente Jorge Cavalcanti
ao lado de seus pais.
Revela-se o westernmaníaco - O pequeno Jorge mudou-se para o Rio de Janeiro em meados dos anos 50, indo viver na casa de sua avó. Algum tempo depois Jorge veio com a família para São Paulo, mais exatamente para o bairro de Vila Prudente. No início da adolescência, em 1957, Jorge já estava em outra cidade, a enorme São Paulo que tinha a inacreditável população de dois milhões de habitantes. Com tanta gente assim o que não faltava era cinema nessa metrópole, na década de 50 o principal entretenimento, ao lado do rádio, das famílias que viviam na capital paulista. Os cinemas que Jorge mais frequentou nessa época eram o Cine Amazonas e o Cine Vila Prudente. Foi quando alguém chamou o jovem Jorge de ‘cinemaníaco’ devido às tantas vezes que ele ia aos cinemas querendo assistir ao maior número de filmes possível. O certo mesmo deveria ser chamá-lo de westerncinemaníaco pois Jorge assistia a todos os faroestes que eram exibidos nos cinemas da Zona Leste, região em que morava. Quando começou a trabalhar e ter alguns cruzeiros no bolso Jorge dividia o suado dinheirinho entre cinema e gibis. Tanto quanto de cinema, Jorge era apaixonado pela histórias em quadrinhos, colecionando todas as revistas que podia, especialmente aquelas que traziam aventuras do Capitão Marvel. Mas as pilhas de gibis de Rocky Lane, Cavaleiro Negro, Flecha Ligeira, Buffalo Bill e outros mocinhos não paravam de aumentar, juntando-se aos clássicos “O Lobinho”, “Aí Mocinho!” e “Reis do Faroeste”. Já faltava espaço na casa dos Cavalcanti Araújo.



Jorge e Doc Barretti afagando a Duquesa
Irene Losso, a Rainha da Confraria.
Faroestes no consultório médico - O colecionador de gibis Jorge Cavalcanti Araújo Filho era um dos frequentadores da ‘Livraria Gibi’, de Ademário de Mattos, localizada num prédio da Rua Conselheiro Crispiniano, esquina com a Av. São João, bem próximo da sede do Quartel General da 2.ª Região Militar do Exército. Foi na ‘Livraria Gibi’ que Jorge ouviu falar, pela primeira vez, que havia um médico na Lapa que reunia amigos em sua própria casa para assistir faroestes. Jorge procurou o médico, chamado Dr. Aulo Barretti, para se unir ao grupo e foi informado que eles passariam a se reunir aos sábados no consultório do médico, para vibrar com os filmes em 16 mm que o ginecologista exibia com seu projetor. Como o grupo não parava de crescer, o endereço seguinte da confraria dos amigos de faroestes foi o do FotoCineClube Bandeirante que funcionava no bairro da Aclimação. Naquele imponente casarão o grupo se reunia e Jorge logo passou a ser um dos membros mais destacados do grupo. Acompanhando o que fez pioneiramente o sócio santista Umberto ‘Hoppy’ Losso, Jorge também passou a frequentar a confraria vistosamente vestido como cowboy. E nas muitas reportagens que eram feitas com o grupo, Jorge era o preferido para as entrevistas, não só pelo visual perfeito de cowboy, mas também pela espontaneidade, simpatia e clareza com que falava para o público. Ah, e Jorge também cantava, acompanhando-se ao violão.

Acima encenação de cena de faroeste vendo-se Lazinho Kid Blue, Jorge
Cavalcanti, Sergio Bill Elliott, Doc Barretti e El Mexicano Jorge Mubarah.
Abaixo Mauro, Fernando, Jorge abraçando Fausto Canova, Cláudio
Caltabiano, Daniel Zanini e Armando.

A confraria ganha um cowboy-cantor - O amor pela música veio lá de sua terra, onde o rádio sintonizava não só as principais emissoras pernambucanas, mas também as Rádios Nacional e Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro. Desde cedo Jorge formou seu gosto musical ouvindo Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Nélson Gonçalves e outros cantores de vozes incomparáveis. O samba-canção era o gênero que mais fazia sucesso e o baiano João Gilberto começava a mostrar uma batida diferente em seu violão, prenunciando a bossa-nova. Mas Jorge gostava mesmo era das antigas e pungentes serestas de letras quilométricas que Jorge sabia de cor para espanto dos amigos e familiares que o ouviam cantar. Quem fazia sucesso também nos anos 50 era Bob Nelson que cantava canções de cowboy com um inimitável ‘odilei’ que os brasileiros jocosamente parodiavam dizendo ‘tira-o-leite'. A bela e melodiosa voz de Jorge Cavalcanti e seu senso rítmico perfeito se ajustaram também às músicas de cowboys e nos encontros da confraria o querido pernambucano era sempre requisitado a cantar aquele gênero alegre de canções. Começou a ser chamado então de Cowboy-Cantor pelos amigos da confraria que se reunia aos sábados à tarde para assistir faroestes.

Jorge Cavalcanti entre Dionísio Nomellini, Hoppy Losso,
Lazinho Kid Blue e Nelson Pecoraro.

Acima dois vídeos em que Jorge Cavalcanti dá uma pequena mostra
de suas qualidades como cantor e violonista.


Artista pré-Photoshop - Jorge era de fato um cowboy-cantor, mas intimamente preferia ser chamado de George Tyler, lembrando de seu grande ídolo Tom Tyler. Mas nenhum apelido ‘pegou’ em Jorge, justamente ele que era o especialista em colocar apelidos nos amigos da confraria. ‘Kid Blue’, ‘Yellow Kid’, ‘Diamond Silver’, ‘Guarda Vingador’, ‘Hoppy Losso’, ‘Duquesa’ (Irene Losso), ‘Sérgio Bill Elliott’, ‘Nélson Pecos Bill’ e ‘Bob Sritter’ foram alguns dos muitos apelidos carinhosamente criados por Jorge Cavalcanti para que os sócios da confraria se sentissem mais ‘mocinhos’... Trabalhando com publicidade, Jorge Cavalcanti aprendeu os truques das montagens artísticas e, muito antes da invenção do Photoshop, mostrava seu trabalhos colocando os cowboys da confraria ao lado de seus ídolos da tela. E num tempo em que os livros sobre western eram raridade, concentrados nas mãos de uns poucos afortunados, Jorge passou a fazer cópias xerografadas dos livros que possuía, permitindo assim que os amigos pudessem, a preço módico, ter acesso àquela literatura. A confraria dos amigos do western era, antes, durante e após a exibição de faroestes e seriados, palco de saudáveis debates sobre filmes, artistas e mesmo a parte técnica. Nesses momentos Jorge demonstrava seu profundo conhecimento dos filmes em capítulos, bem como dos westerns B e daqueles de maior orçamento, enriquecendo cada discussão em pé de igualdade com experts como Clóvis Ribeiro, Umberto Losso, Aulo Barretti, Dionísio Nomellini e Nélson Pecoraro, entre outros.

Quatro dos maiores cowboys da Confraria dos Amigos do Western:
Jorge Cavalcanti, Clóvis Ribeiro, Dionísio Nomellini e José Correia Dantas.

Um dos últimos seresteiros - Além de cantor Jorge Cavalcanti é também compositor, sendo de sua autoria duas canções sobre os heróis do faroeste do cinema e dos quadrinhos. Essas canções são “Voltei à Sela Novamente” e “Esconderijo de Heróis”, sempre solicitadas pelos amigos com quem Jorge se reúne, além, é claro, de inúmeras outras canções que falam dos cowboys do cinema. Expoente da ‘Golden Age’ da confraria dos amigos do western, Jorge Cavalcanti tem se dedicado nos últimos anos mais à carreira de cantor, espaço no qual ele é um dos últimos remanescentes do gênero seresta. Os grandes seresteiros como Orlando Silva, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas e Altemar Dutra nos deixaram há muitas décadas. Carlos José chegou aos 80 anos e deixou de se apresentar. Noite Ilustrada e Jair Rodrigues, sambistas que também cantavam serestas faleceram mais recentemente, mas Jorge Cavalcanti continua levando ao público as maravilhosas e imortais composições do nosso cancioneiro popular. Jorge Cavalcanti e Noite Ilustrada eram grandes amigos e coube a Jorge entoar no velório de Noite Ilustrada a canção “Minha Rainha”, uma das mais lindas músicas de sucesso do repertório do falecido cantor.

Jorge Cavalcanti solta a voz acompanhado pelo pandeiro de
El Mexicano Carlos Jorge Mubarah.

Filmes preferidos - Conhecedor da arte cinematográfica, Jorge tem entre seus filmes de cabeceira “Luzes da Cidade”, de Chaplin;”As Aventuras de Robin Hood”, com Errol Flynn; “Sansão e Dalila”, de Cecil B. DeMille; “Cantando na Chuva”; “A Companheira de Tarzan”, com Johnny Weissmuller e Maureen O’Sullivan. E suas atrizes preferidas são Merle Oberon, Barbara Stanwyck, Virginia Mayo e Maureen o’Hara. A elas Jorge junta Linda Stirling e Frances Gifford, heroínas dos inesquecíveis seriados da Republic Pictures. A pedido de WESTERNCINEMANIA, Jorge Cavalcanti listou os dez faroestes que considera os melhores entre os produzidos pelo cinema norte-americano. Segue o Top-Ten westerns de Jorge Cavalcanti Araújo Filho.












Jorge Cavalcanti com Hoppy Losso e Sergio Bill Elliott;
à direita com Darci Fonseca e Aulo 'Doc' Barretti.
Jorge Cavalcanti ao lado de Clóvis Ribeiro, Sérgio Pereira e Mauro de Castro.

Jorge Cavalcanti entre Sérgio Pereira, Clóvis Ribeiro, Aulo 'Doc' Barretti
Darci Fonseca e Mauro Texsaú.


Jorge Cavalcanti em recentes apresentações, sempre acompanhando-se
ao violão e agradando ao público.

22 de setembro de 2014

A VINGANÇA DOS DALTONS (WHEN THE DALTONS RODE) – WESTERN EM RITMO ALUCINANTE


O verdadeiro Emmett Dalton e o
diretor George Marshall.
Em 1939 o cinema assistiu à romanceada biografia cinematográfica dos irmãos foras-da-lei do Missouri em “Jesse James”, com Tyrone Power, Henry Fonda e mais Randolph Scott e Brian Donlevy. Dois anos depois, em 1941, após o sucesso desse western de Henry King, foi a vez dos irmãos Dalton chegarem à tela, num filme dirigido por George Marshall e mais uma vez com Randolph Scott e Brian Donlevy no elenco. O veterano Marshall fora o responsável pelo delicioso “Atire a Primeira Pedra” (Destry Rides Again), surpreendente versão da história de Max Brand em tom de comédia ainda que com final infeliz. Para contar a vida dos Daltons, Marshall optou pelo mesmo estilo, dando a uma história familiar trágica um andamento irresistivelmente alegre e dinâmico. Os créditos iniciais do filme indicam que o roteiro de Harold Shumate foi baseado no livro “When the Daltons Rode”, de autoria de Emmett Dalton (1871-1937), único dos irmãos que foi capturado vivo. Após ser condenado à prisão perpétua, Emmett ganhou a liberdade por bom comportamento depois de cumprir 14 anos da pena, escrevendo então suas memórias dos tempos de crime. E como diz a legenda explicativa inicial, “...eram tão incríveis os Daltons, que ninguém pode afirmar onde terminam os fatos e onde começa a fantasia”.


Bob Dalton (Broderick Crawford)
como homem da lei e assaltando
um banco com o irmão Grat
(Brian Donlevy.
Opressão e revolta - O western de George Marshall recebeu o título “A Vingança dos Daltons” (When the Daltons Rode) e conta que Grat (Brian Donlevy), Bob (Broderick Crawford), Ben (Stuart Erwin) e Emmett (Frank Albertson) são os quatro irmãos que vivem com Ma Dalton (Mary Gordon). A família tem uma fazenda nos arredores de Coffeyville, no Kansas e Ben é o xerife da cidade e namorado de Julie King (Kay Francis). Caleb Winters (George Bancroft) é o proprietário da empresa Kansas Land and Development, que pretende se apropriar das terras dos Daltons. Acidentalmente Ben Dalton mata um funcionário da Kansas Land and Development e vai a julgamento, sendo condenado. Inconformados com a injustiça os demais irmãos, com a ajuda do amigo Ozark Jones (Andy Devine), livram Emmett da cadeia. A partir de então iniciam uma vida de crime, ainda que não sejam os responsáveis por todos os roubos a banco e assaltos a trem que lhes são imputados. Os Daltons cometem assaltos nos territórios do Kansas, Missouri, Oklahoma e Colorado e passam a ser procurados vivos ou mortos. Ocorre um confronto com um numeroso agrupamento de homens reunidos pelo xerife de Oklahoma (Edgar Dearing). Em seguida a quadrilha decide retornar a Cofeyville e assaltar o banco local, ocasião em que três Daltons e Ozark são mortos. Em meio ao intenso tiroteio Emmett é apenas ferido. Julie, que se envolvera com o advogado Tod Jackson (Randolph Scott), amigos dos Daltons, fica com este após a morte de Ben Dalton.

Os Daltons com 'Ma Dalton' posando
para uma foto; os Daltons levando
pânico ao Velho Oeste.
Ritmo de cliffhanger - O cinema norte-americano, mesmo desafiando a vigência do Código Hays (1930/1968), sempre gostou de mostrar bandidos de forma simpática, especialmente nos faroestes. Billy the Kid, John Wesley Hardin, Butch Cassidy, Sundance Kid, os irmãos James, os Youngers e os Daltons são alguns deles, sem esquecer aqueles com licença para matar como George Armstrong Custer. Sem nenhuma preocupação com a acurácia dos fatos narrados, alguns desses notórios assassinos foram transformados em heróis pelo cinema e ao contar suas histórias os filmes atribuíam o início de suas vidas criminosas a injustiças sociais. Foi assim com “Jesse James” (1939) e a fórmula se repetiu com “A Vingança dos Daltons”. Mas o que poderia parecer mera falta de imaginação do roteirista Harold Shumate se torna uma história divertida e filmada em ritmo dos seriados (cliffhangers). E com a mesma contagiante energia daquele formato de filmes em capítulos que o cinema norte-americano produzia às dúzias na década de 40 e que desapareceu nos anos 50. A diferença é que George Marshall contou com atores de melhor nível no elenco e com o trabalho de dublês extraordinários como Yakima Canutt e Cliff Lyons. O resultado é avassalador, especialmente na metade final de “A Vingança dos Daltons”.

O grducho galã Andy Devine com
Dorothy Granger nos braços.
Andy Devine galã rotundo - Essa similaridade com os seriados deve-se também à atmosfera de western-B que domina esta história dos Daltons. Filmado em preto e branco, George Marshall passa longe de qualquer aprofundamento psicológico dos personagens principais, tencionando apenas entreter o espectador. Para isso conta com a comicidade de Andy Devine como um conquistador muito acima do peso e a voz mais esganiçada da tela. Devine havia sido galã quando começou no cinema que era ainda silencioso e ele devia ter 50 quilos de peso a menos. Presente em muitas sequências, ainda que não seja um dos Daltons e sim um agregado da quadrilha, Andy Devine teve espaço até demais no filme com algumas gags inoportunas. Ele que fora o responsável pelos momentos cômicos de “No Tempo das Diligências” (Stagecoach) como condutor da diligência. Andy Devine funciona em “A Vingança dos Daltons” como se fosse o sidekick do quarteto formado pelos irmãos Dalton, ainda que nenhum deles seja exatamente o herói do filme. Com o nome de Randolph Scott encabeçando o elenco o natural seria esperar que coubesse a Scott a honra de ser o personagem mais valente e até ficar a heroína.

Broderick Crawford e Randolph Scott.
O janota Randolph Scott - Um dos maiores cowboys do cinema em todos os tempos, Randolph Scott já havia experimentado ficar em plano inferior em “Jesse James”, mas neste caso atrás de astros mais fulgurantes que ele: Tyrone Power e Henry Fonda. Em “A Vingança dos Daltons” Scott tem uma participação irrelevante, não disparando um único tiro e se seu personagem fosse excluído na edição do filme sua falta não seria sequer notada. Entende-se a presença de Randolph Scott apenas como chamariz para atrair o público, o mesmo valendo para Kay Francis cuja carreira entrava em franca decadência. A compensação para o insípido desempenho de Randolph Scott foi a presença de Broderick Crawford como Bob Dalton. Aos 30 anos de idade, quatro como ator de cinema, rosto limpo sem as marcas que rapidamente o vício do álcool lhe traria, Crawford está magnífico ao lado de Brian Donlevy, este sempre convincente na maldade expressada. Outro destaque é Mary Gordon como ‘Ma Dalton’, com sotaque fortíssimo de imigrante que sonhava com seus filhos sendo felizes na América. Desperdício é a pequena participação do admirável Edgar Buchanan como o falastrão que dá informações a Randolph Scott no início e no final do filme.

Edgar Buchanan, Kay francis e Randolph Scott;
Broderick Crawford e Mary Gordon.

Os Daltons roubando um trem
recheado por patrulheiros.
Sequência marcante - E George Marshall confirma que sabia como poucos dirigir sequências com muitos atores, como naquela em que a multidão enfurecida quer linchar Ben Dalton. Ótima também a sequência do assalto ao trem lotado de xerifes e seus delegados, incluindo ainda alguns cavalos. Sam Peckinpah deve ter lembrado desse trecho de “A Vingança dos Daltons” quando filmou a clássica sequência do assalto de seu 'The Wild Bunch' ao trem com armamentos e metralhadoras em “Meu Ódio Será Sua Herança”. Yakima Canutt tentou superar seu trabalho em “No Tempo das Diligências” com os saltos sobre os cavalos da diligência em disparada e sob os cascos dos cavalos e em meio às rodas do veículo. Saltos de todos os tipos, sobre trem em movimento e inclusive o clássico mergulho de cavalo e cavaleiro de altura proibitiva produzem emoção, mesmo sabendo-se que nada vai dar errado, a não ser com Andy Devine, claro.

O show particular de Yakima Canutt e uma cena clássica dos faroestes.

Pôster do filme de 1918 e a capa de um
dos livros de Emmett Dalton.
Western leve e inocente – Randolph Scott como xerife se reencontraria com os Daltons e outros foras-da-lei em “A Terra dos Homens Maus” (Badman’s Territory), western de 1946. Ao contrário de outros personagens importantes do Velho Oeste, os Daltons não tiveram até hoje um faroeste que abordasse mais acuradamente suas vidas. E mesmo os dois livros escritos por Emmett Dalton (“When the Daltons Rode” e “Beyond the Law”), sabe-se, distorceram os fatos históricos, ainda que neste caso a lenda não tivesse prevalecido sobre os fatos. Além de escrever, Emmett Dalton interpretou a si mesmo no filme de 1918 “Beyond the Law” que focalizou a vida dos irmãos Dalton. Porém “A Vingança dos Daltons” é filme que se assiste com imenso prazer a despeito da participação inexpressiva de Randolph Scott interpretando um personagem sem nenhuma importância na história. Muito melhor teria sido que Scott fosse um dos Daltons para dar ao filme muito mais sabor. Mesmo tendo ao final as mortes dos irmãos, esse faroeste mantém a leveza e a inocência que o cinema norte-americano abandonou. Merece, por isso mesmo, ser visto pois é um dos modelos mais perfeitos dos westerns antes que as discutidas incursões psicológicas mudassem a cara do gênero.


Randolph Scott e Kay Francis, sem graça até nas fotos para publicidade.

Randolph Scott armado posa para foto em "Terra dos Homens Maus"
(Badman's Territory), de 1946.

Os 'James' Tyrone Power e Henry Fonda acabam de assaltar um banco;
Os 'Daltons' Brian Donlevy e Broderick Crawford repetem a mesma cena.

17 de setembro de 2014

“A LEI DOS APACHES” (WINNETOU) – SEGUNDO EPISÓDIO DA SAGA DO HERÓI DE KARL MAY


Karl May e dois de seus livros.
Certa vez Sergio Leone fez esta afirmação: “Foi devido ao sucesso da série alemã ‘Winnetou’ que o western passou a interessar aos produtores italianos”. E o diretor romano não deixou de ter razão nessa declaração, ainda que haja enormes diferenças entre os filmes produzidos por alemães em parceria com os então iugoslavos e aqueles dirigidos por Leone, Solima, Fidani e outros registas italianos. A começar pelo protagonista da série, o Apache ‘Winnetou’, um índio e índios são personagens raros nos westerns spaghetti. Mas as diferenças maiores são mesmo as de concepção nos argumentos e nos estilos de filmagem. Diferentemente dos quase sempre cínicos caçadores de recompensa ou de homens em busca de vingança, os heróis Winnetou e seu companheiro Old Shatterhand são nobres e idealistas. Bastante próximos da forma clássica dos westerns norte-americanos, os filmes da série alemã não usam (e nem abusam) da estilização criada por Leone e incansavelmente copiada nos westerns spaghetti. A série ‘Winnetou’ se baseia nas histórias de Karl May (1842-1912), escritor alemão de controvertida biografia. May, autor favorito de Adolf Hitler, escreveu dezenas de histórias sobre o Velho Oeste sem ter pisado nos Estados Unidos, o que só veio a acontecer no final de sua vida quando seus livros eram os mais vendidos na Alemanha. Números indicam que Karl May tenha vendido mais de 100 milhões de exemplares de seus livros, enquanto outras fontes falam em 200 milhões de exemplares, o que faz dele um dos autores mais lidos do mundo. E os biógrafos de May são unânimes em afirmar que o autor escreveu seus livros sobre western quando cumpria penas de prisão (duas) por fraude, pesquisando na biblioteca da prisão de Zwickau.


Old Shatterhand prisioneiro de Winnetou
e depois o ritual da mistura de sangues.
Os irmãos de sangue - “Winnetou – A Lei dos Apaches” (Winnetou – 1. Teil), de 1963 foi a segunda adaptação para o cinema dos livros de Karl May. A primeira, de 1962, foi “O Tesouro dos Renegados” (Der Schatz im Silbersee) com Lex Barker como Old Shatterhand e o francês Pierre Brice como o Apache Winnetou. Seguiram-se outros filmes, num total de onze, sempre com Brice como o chefe Apache e Lex Barker sendo substituído por Stewart Granger (três filmes) e por Rod Cameron uma única vez. “Winnetou – A Lei dos Apaches” conta como o chefe Apache Winnetou (Pierre Brice) se torna irmão de sangue de Old Shatterhand (Lex Barker), inspetor da ferrovia Great Western. Capturado pelos Apaches, Old Shatterhand ganha uma chance de vida de Winnetou e prova sua coragem ao chefe. Mais tarde é Winnetou quem se torna prisioneiro dos Kiovas que tencionam matá-lo, recebendo, no entanto, ajuda de Shatterhand e conseguindo escapar. A chegada da ferrovia causa temor nos índios pois ela invadirá sua terras. Frederick Santer (Mario Adorf) é o homem forte de Roswell, cidade que controla auxiliado por um bando numeroso de malfeitores. Santer sabe que os Apaches possuem uma reserva de ouro e atacam a tribo com o objetivo de se apoderar do tesouro. Winnetou unido a Old Shatterhand consegue rechaçar os inimigos, culminando com a morte de Santer.

A irmã de Winnetou citando o código dos
Apaches; Winnetou e 
Instchu-tschuna.
Personagens idealizados - “Winnetou – A Lei dos Apaches” é um filme escrito por Harald G. Peterson com todos os ingredientes necessários a um bom western. Bela fotografia dos cenários naturais da Iugoslávia (atual Croácia) e cenografia caprichada, além da história bem desenvolvida da amizade entre o Apache e o homem branco. Lex Barker tem o porte ideal, épico mesmo, para fazer de Old Shatterhand um herói quase invencível. Criado como pretenso alter-ego do aventureiro Karl May, Shatterhand, que igualmente se chama ‘Karl’, é forte, sábio e justo. Amigo perfeito para Winnetou que encarna o digno selvagem vítima da sanha do branco ganancioso e sem escrúpulos, que mata seu pai, sua irmã e muitos de seus bravos. Criados quase cem anos antes, o cinema (alemão) esperou bastante tempo para levar esses personagens à tela, isto quando Hollywood já passara a desmistificar os heróis do Velho Oeste idealizados por décadas pelo cinema e pela literatura de Karl May. Winnetou e Old Shatterhand podem hoje parecer anacrônicos quando comparados aos personagens dos euro-westerns que povoariam o gênero naquela mesma década de 60.

Lex Barker exibindo a força de seus punhos.

Ralf Wolter sem peruca e
encontrando uma namorada.
Sequências brilhantes - O diretor Harald Reinl fazia filmes há 25 anos quando dirigiu “Winnetou – A Lei dos Apaches”, sendo que dois anos antes havia levado à tela duas películas resgatando o personagem ‘Dr. Mabuse’, ambos filmes estrelados por Lex Barker. E o próprio Reinl havia dirigido “O Tesouro dos Renegados” um ano antes, como foi lembrado acima, a primeira aventura da saga de Winnetou. Reinl se sai excelentemente bem nas muitas sequências de ação, duas delas especialmente brilhantes: quando em uma canoa furada Old Shatterhand chega a um totem distante e vence Instchu-tschuna (Mavid Popovic); outra quando uma locomotiva ultrapassa o limite inacabado dos trilhos e invade o saloon de Roswell. Destaque-se ainda a perseguição de uma centena de Apaches a cavalo à caravana liderada por Shatterhand. E inusitada é a morte do vilão Santer que despenca do alto de uma rocha sobre um aparato de lanças apontadas para seu corpo. O namoro do falastrão sidekick Sam Hawkens (Ralf Wolter) com uma jovem e gorducha índia remete às sequências de “Rastros de Ódio” (The Searchers) com a participação de Beulah Archuletta, a ‘Look’ que se casa com Martin Pawley (Jeffrey Hunter).

A sequência de perseguição à canoa furada de Old Shatterhand.

Old Shatterhand salta da locomotiva e esta invade o saloon.

Ataque dos Apaches ao comboio de carroções.

Acima Pierre Brice;
abaixo Mario Adorf.
Elenco internacional - Depois de fazer carreira em Hollywood, sendo o Tarzan mais galã das telas, Lex Barker foi estrelar capa-e-espadas em Cinecittà. E Federico Fellini viu nele, ironicamente, o perfeito canastrão para ser o namorado de Anita Ekberg em “La Dolce Vita”. Barker venceu no cinema mais com a estampa pois se dependesse de suas qualidades como intérprete teria de continuar administrando o rico patrimônio de sua família em Nova York. Mesmo limitado artisticamente, neste '"Winnetou" Lex Barker não chega a comprometer num elenco que tem ainda a fraca atriz parisiense Marie Versini como ‘Nscho-tschi’, a irmã de Winnetou que se apaixona por Shatterhand. Presente em outros filmes da série está o alemão Ralf Wolter como ‘Sam Hawkens’, um misto de Gabby Hayes com Walter Brennan, excessivo em alguns momentos tentando ser o engraçado sidekick de Shatterhand. Estranhamente os personagens ‘Belle’ (a iugoslava Dunja Rajter) e ‘Bill Jones’ (o norte-americano Walter Barnes) são mortos antes da metade do filme. Desnecessária a bizarra e nada divertida figura do repórter fotográfico ‘Lord Tuff-Tuff’ (o inglês Chris Howland). O suíço Mario Adorf interpreta o caricato vilão Santer como se estivesse num debochado western-comédia. O elenco internacional de “Winnetou – A Lei dos Apaches” tem como protagonista o francês Pierre como um convincente chefe Apache desesperançoso e triste com as desgraças que o homem branco trouxe às tribos nativas. A maior parte dos atores que completam o elenco deste western germânico teriam hoje a origem croata.

Lex Barker, Ralf Wolter e ________ atacados por índios;
Dunja Rajter alvejada por uma flecha nas costas; Walter Barnes
apontando e Chris Howland perdido no Velho Oeste.

O melhor filme da série - Terrivelmente tediosa é a trilha musical composta por Martin Böttcher que quando abandona o maçante tema principal tenta imitar o estilo pomposo de Max Steiner. Em sequências da tribo Apache ouve-se tambores tocados como fazem os africanos nos filmes de Tarzan. Está certo que Lex Barker é o astro deste segundo episódio da série ‘Winnetou’... As paisagens da ex-Iugoslávia, ainda que impressionantes, pouco lembram os cenários de faroestes norte-americanos, mas a cinematografia de Ernst W. Kalinke é deslumbrante. E para um western alemão a cenografia é surpreendentemente boa. O apuro técnico, a ótima história e as excelentes cenas de ação de “Winnetou – A Lei dos Apaches” compensam a dublagem inevitavelmente prejudicial para o Inglês. Mas não se pode esquecer que na Europa os filmes são normalmente dublados, o que para grande parte dos cinéfilos brasileiros é um pecado mortal. Segundo Phil Hardy este é o melhor filme da série que se encerrou em 1968 com “O Vale da Morte” (Winnetou und Shatterhand im Tal der Toten). Posteriormente foram produzidas séries de televisão com os personagens criados por Karl May, uma delas estrelada por Pierre Brice. Lex Barker faleceu aos 54 anos de idade, em 1973 depois de interpretar por seis vezes Old Shatterhand.

Winnetou e seu irmão de sangue Old Shatterhand.