Karl May e dois de seus livros. |
Certa vez Sergio Leone fez esta
afirmação: “Foi devido ao sucesso da série alemã ‘Winnetou’ que o western
passou a interessar aos produtores italianos”. E o diretor romano não deixou de
ter razão nessa declaração, ainda que haja enormes diferenças entre os filmes
produzidos por alemães em parceria com os então iugoslavos e aqueles dirigidos
por Leone, Solima, Fidani e outros registas italianos. A começar pelo protagonista
da série, o Apache ‘Winnetou’, um índio e índios são personagens raros nos
westerns spaghetti. Mas as diferenças maiores são mesmo as de concepção nos
argumentos e nos estilos de filmagem. Diferentemente dos quase sempre cínicos
caçadores de recompensa ou de homens em busca de vingança, os heróis Winnetou e
seu companheiro Old Shatterhand são nobres e idealistas. Bastante próximos da
forma clássica dos westerns norte-americanos, os filmes da série alemã não usam
(e nem abusam) da estilização criada por Leone e incansavelmente copiada nos
westerns spaghetti. A série ‘Winnetou’ se baseia nas histórias de Karl May (1842-1912),
escritor alemão de controvertida biografia. May, autor favorito de Adolf Hitler,
escreveu dezenas de histórias sobre o Velho Oeste sem ter pisado nos Estados
Unidos, o que só veio a acontecer no final de sua vida quando seus livros eram
os mais vendidos na Alemanha. Números indicam que Karl May tenha vendido mais
de 100 milhões de exemplares de seus livros, enquanto outras fontes falam em
200 milhões de exemplares, o que faz dele um dos autores mais lidos do mundo. E
os biógrafos de May são unânimes em afirmar que o autor escreveu seus livros
sobre western quando cumpria penas de prisão (duas) por fraude, pesquisando na
biblioteca da prisão de Zwickau.
Old Shatterhand prisioneiro de Winnetou e depois o ritual da mistura de sangues. |
Os irmãos de
sangue - “Winnetou – A Lei dos Apaches” (Winnetou – 1. Teil), de 1963 foi a segunda
adaptação para o cinema dos livros de Karl May. A primeira, de 1962, foi “O Tesouro
dos Renegados” (Der Schatz im Silbersee) com Lex Barker como Old Shatterhand e
o francês Pierre Brice como o Apache Winnetou. Seguiram-se outros filmes, num
total de onze, sempre com Brice como o chefe Apache e Lex Barker sendo
substituído por Stewart Granger (três filmes) e por Rod Cameron uma única vez. “Winnetou
– A Lei dos Apaches” conta como o chefe Apache Winnetou (Pierre Brice) se torna
irmão de sangue de Old Shatterhand (Lex Barker), inspetor da ferrovia Great
Western. Capturado pelos Apaches, Old Shatterhand ganha uma chance de vida de
Winnetou e prova sua coragem ao chefe. Mais tarde é Winnetou quem se torna
prisioneiro dos Kiovas que tencionam matá-lo, recebendo, no entanto, ajuda de
Shatterhand e conseguindo escapar. A chegada da ferrovia causa temor nos índios
pois ela invadirá sua terras. Frederick Santer (Mario Adorf) é o homem forte de
Roswell, cidade que controla auxiliado por um bando numeroso de malfeitores.
Santer sabe que os Apaches possuem uma reserva de ouro e atacam a tribo com o
objetivo de se apoderar do tesouro. Winnetou unido a Old Shatterhand consegue
rechaçar os inimigos, culminando com a morte de Santer.
A irmã de Winnetou citando o código dos Apaches; Winnetou e Instchu-tschuna. |
Personagens
idealizados - “Winnetou – A Lei dos Apaches” é um filme escrito por Harald G.
Peterson com todos os ingredientes necessários a um bom western. Bela fotografia
dos cenários naturais da Iugoslávia (atual Croácia) e cenografia caprichada,
além da história bem desenvolvida da amizade entre o Apache e o homem branco. Lex
Barker tem o porte ideal, épico mesmo, para fazer de Old Shatterhand um herói
quase invencível. Criado como pretenso alter-ego do aventureiro Karl May,
Shatterhand, que igualmente se chama ‘Karl’, é forte, sábio e justo. Amigo
perfeito para Winnetou que encarna o digno selvagem vítima da sanha do branco ganancioso
e sem escrúpulos, que mata seu pai, sua irmã e muitos de seus bravos. Criados
quase cem anos antes, o cinema (alemão) esperou bastante tempo para levar esses
personagens à tela, isto quando Hollywood já passara a desmistificar os heróis
do Velho Oeste idealizados por décadas pelo cinema e pela literatura de Karl
May. Winnetou e Old Shatterhand podem hoje parecer anacrônicos quando
comparados aos personagens dos euro-westerns que povoariam o gênero naquela
mesma década de 60.
Lex Barker exibindo a força de seus punhos. |
Ralf Wolter sem peruca e encontrando uma namorada. |
Sequências
brilhantes - O diretor Harald Reinl fazia filmes há 25 anos quando dirigiu “Winnetou
– A Lei dos Apaches”, sendo que dois anos antes havia levado à tela duas
películas resgatando o personagem ‘Dr. Mabuse’, ambos filmes estrelados por Lex
Barker. E o próprio Reinl havia dirigido “O Tesouro dos Renegados” um ano
antes, como foi lembrado acima, a primeira aventura da saga de Winnetou. Reinl
se sai excelentemente bem nas muitas sequências de ação, duas delas especialmente
brilhantes: quando em uma canoa furada Old Shatterhand chega a um totem
distante e vence Instchu-tschuna (Mavid Popovic); outra quando uma locomotiva
ultrapassa o limite inacabado dos trilhos e invade o saloon de Roswell.
Destaque-se ainda a perseguição de uma centena de Apaches a cavalo à caravana
liderada por Shatterhand. E inusitada é a morte do vilão Santer que despenca do
alto de uma rocha sobre um aparato de lanças apontadas para seu corpo. O namoro
do falastrão sidekick Sam Hawkens (Ralf Wolter) com uma jovem e gorducha índia
remete às sequências de “Rastros de Ódio” (The Searchers) com a participação de
Beulah Archuletta, a ‘Look’ que se casa com Martin Pawley (Jeffrey Hunter).
A sequência de perseguição à canoa furada de Old Shatterhand. |
Old Shatterhand salta da locomotiva e esta invade o saloon. |
Ataque dos Apaches ao comboio de carroções. |
Acima Pierre Brice; abaixo Mario Adorf. |
Elenco internacional - Depois de
fazer carreira em Hollywood, sendo o Tarzan mais galã das telas, Lex Barker foi
estrelar capa-e-espadas em Cinecittà. E Federico Fellini viu nele,
ironicamente, o perfeito canastrão para ser o namorado de Anita Ekberg em “La
Dolce Vita”. Barker venceu no cinema mais com a estampa pois se dependesse de
suas qualidades como intérprete teria de continuar administrando o rico patrimônio
de sua família em Nova York. Mesmo limitado artisticamente, neste '"Winnetou" Lex Barker não chega
a comprometer num elenco que tem ainda a fraca atriz parisiense Marie Versini
como ‘Nscho-tschi’, a irmã de Winnetou que se apaixona por Shatterhand.
Presente em outros filmes da série está o alemão Ralf Wolter como ‘Sam Hawkens’,
um misto de Gabby Hayes com Walter Brennan, excessivo em alguns momentos
tentando ser o engraçado sidekick de Shatterhand. Estranhamente os personagens ‘Belle’
(a iugoslava Dunja Rajter) e ‘Bill Jones’ (o norte-americano Walter Barnes) são
mortos antes da metade do filme. Desnecessária a bizarra e nada divertida
figura do repórter fotográfico ‘Lord Tuff-Tuff’ (o inglês Chris Howland). O
suíço Mario Adorf interpreta o caricato vilão Santer como se estivesse num
debochado western-comédia. O elenco internacional de “Winnetou – A Lei dos Apaches”
tem como protagonista o francês Pierre como um convincente chefe Apache desesperançoso
e triste com as desgraças que o homem branco trouxe às tribos nativas. A maior
parte dos atores que completam o elenco deste western germânico teriam hoje a
origem croata.
Lex Barker, Ralf Wolter e ________ atacados por índios; Dunja Rajter alvejada por uma flecha nas costas; Walter Barnes apontando e Chris Howland perdido no Velho Oeste. |
O melhor filme
da série - Terrivelmente tediosa é a trilha musical composta por Martin Böttcher
que quando abandona o maçante tema principal tenta imitar o estilo pomposo de
Max Steiner. Em sequências da tribo Apache ouve-se tambores tocados como fazem
os africanos nos filmes de Tarzan. Está certo que Lex Barker é o astro deste
segundo episódio da série ‘Winnetou’... As paisagens da ex-Iugoslávia, ainda que impressionantes, pouco
lembram os cenários de faroestes norte-americanos, mas a cinematografia de
Ernst W. Kalinke é deslumbrante. E para um western alemão a cenografia é
surpreendentemente boa. O apuro técnico, a ótima história e as excelentes cenas
de ação de “Winnetou – A Lei dos Apaches” compensam a dublagem inevitavelmente
prejudicial para o Inglês. Mas não se pode esquecer que na Europa os filmes são
normalmente dublados, o que para grande parte dos cinéfilos brasileiros é um
pecado mortal. Segundo Phil Hardy este é o melhor filme da série que se
encerrou em 1968 com “O Vale da Morte” (Winnetou und Shatterhand im Tal der
Toten). Posteriormente foram produzidas séries de televisão com os personagens
criados por Karl May, uma delas estrelada por Pierre Brice. Lex Barker faleceu
aos 54 anos de idade, em 1973 depois de interpretar por seis vezes Old
Shatterhand.
Winnetou e seu irmão de sangue Old Shatterhand. |
Demeter Bitenc (and not Demeter Bitec)
ResponderExcluirPena que a maioria desses filmes não existem nem dublados e nem legendados em português.
ResponderExcluirNO SITE DA CLASSICLINE.COM.BR TEMOS 5 TÍTULOS COM EXCELENTES IMAGENS E TODOS LEGENDADOS EM PORTUGUÊS.
ExcluirQUANTA SAUDADE DOS MEUS 8 A 13 ANOS, QUANDO IA ÀS MATINÊS DE DOMINGO PARA ASSISTIR "WINNETOU". GRANDES FILMES. INESQUECÍVEIS.
ResponderExcluirExcelente, mas faltam postar os 11 filmes para relembrar os anos 60
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