O verdadeiro John Wesley Hardin |
O cinema norte-americano não se cansa de contar (a seu modo) as
vidas de foras-da-lei do Velho Oeste. Billy the Kid, Frank e Jesse James, Butch
Cassidy e Sundance Kid, os Daltons, os Youngers e Johnny Ringo estão entre os
‘preferidos’ de Hollywood. Mas o maior dos pistoleiros que aterrorizaram o
Oeste nos Estados Unidos foi um controvertido bandido a quem o cinema deu menos
atenção: John Wesley Hardin. Em 1953 Raoul Walsh produziu e dirigiu “Bando de
Renegados” (The Lawless Breed) com roteiro baseado na suspeitíssima
autobiografia de Hardin. Para não fugir à regra de Hollywood o filme romantiza
a vida desse pistoleiro que matou pelo menos onze pessoas, sendo atribuídos a ele
um total possível de 25 assassinatos a bala, havendo quem aceite o número real
como sendo 43 mortes. Billy the Kid matou, comprovadamente, apenas quatro
homens. Jesse James matou somente um e Sundance Kid jamais cometeu um
único assassinato. Mesmo assim o cinema adora falar deles... Hardin sempre
alegou que nunca matara alguém que não fosse em legítima defesa, mas é também
atribuída a ele a frase “nunca matei ninguém que não merecesse morrer”. “Bando
de Renegados” deu total crédito ao mentiroso assassino e seria impossível
imaginar Rock Hudson em início de carreira interpretar um brutal e covarde psicopata.
John McIntire; Rock Hudson |
Ele só queria viver em paz - Filho de um severo pastor
protestante, John Wesley Hardin (Rock Hudson) sai de casa descontente com a
intolerância do pai, tornando-se um jogador. Numa mesa de jogo, em legítima
defesa, John Wesley mata pela primeira vez e a vítima é Gus Hanley (Michael
Ansara). Ben Hanley (Glenn Strange), o pai de Gus e os irmãos Ike (Hugh O’Brian)
e Dick (Lee Van Cleef) procuram a vingança. John Wesley é noivo de Jane Brown
(Mary Castle) e mantém amizade com a saloon girl Rosie (Julie Adams). Num
confronto com seus perseguidores, John Wesley mata Dick Hanley e procurado pela
Justiça mata também um xerife, tendo então que fugir de sua cidade. Jane Brown
é morta quando tenta ajudar o noivo e John Wesley passa a ser acompanhado por
Rosie com quem se casa. Os Texas Rangers fecham o cerco e John Wesley é preso e
condenado a uma pena de 25 anos na prisão de Huntsville. Lá ele escreve um
livro no qual narra os acontecimentos de sua vida, originais que são entregues
a um editor. John Wesley realiza afinal seu sonho que é possuir uma fazenda e
viver em paz.
Raoul Walsh (acima); Johnny Cash e Bob Dylan |
Descompromisso com a verdade - Historicamente o filme de
Walsh não pode ser levado a sério e bem que John Wesley Hardin aguarda por uma
abordagem cinematográfica mais realista. Ainda mais porque os notáveis
cantores-compositores Bob Dylan e Johnny Cash reforçaram a lendária existência do
assassino, cada um compondo uma canção sobre ele. Em ambas as músicas Hardin é
cantado como um amigo dos pobres e injustiçado pela lei. Enquanto o cinema não
revisa a vida de John Wesley Hardin o jeito é conhecê-lo através da biografia
que escreveu, a típica ‘biografia autorizada’ que foi levada à tela. À época em
que “Bando de Renegados” foi realizado o
cinema não havia ainda iniciado para valer o processo de revisionismo
histórico, que leva a ser até aceitável
o descompromisso com a verdade dos fatos. Raoul Walsh, que nunca fez parte do
panteão dos grandes diretores norte-americano, dirigiu na década de 40 um
formidável conjunto de excelentes filmes em diversos gêneros. Nos anos 50 Walsh
não manteve a mesma qualidade nas películas que dirigiu e este western não
deixa de ser um indicador dessa decadência.
Rock Hudson (acima); Dick Wessel, Glenn Strange, Hugh O'Brian e Lee Van Cleef |
Personagem virtuoso - Sem jamais esquecer que a
história foi escrita pelo próprio John Wesley Hardin, ele nunca é culpado dos
confrontos nos quais se envolve e mata oponentes. E que resistência física ele
apresenta pois, por duas vezes, alvejado pelas costas se recupera rápida e
milagrosamente. Homem íntegro que é se mantém fiel à namorada de adolescência,
com quem só não se casa porque o destino fez com que ela viesse a falecer
abrindo assim caminho para que a apaixonada garota de saloon o conquistasse.
Dinheiro não era problema para John Wesley que invariavelmente ganhava o
suficiente nas mesas de carteado, dados, roleta e até em corridas de cavalos
montando seu ‘Rondo’, animal que por sinal também ganhou num jogo de pôquer. Se
porventura houvesse uma maré de azar, nas ligas das belas pernas da saloon girl
com coração de ouro haveria sempre uma reserva. E se tinha inimigos que queriam
matá-lo John Wesley Hardin possuía igualmente amigos, toda a família Clements,
que arriscava a própria vida para salvá-lo acreditando piamente no homem
correto e injustiçado que ele era. Tantos são os fatos inconvincentes que
enaltecem o assassino sem culpa que tornam o filme monótono e previsível. E
quem melhor que Rock Hudson para personificar alguém tão virtuoso...
Boa produção, rica em clichês - “Bando de Renegados” tem
algumas boas sequências de ação, ou não seria um filme de Raoul Walsh. A melhor
delas o confronto entre John Wesley e Dick Hanley em meio a uma forte ventania.
Ou quando John Wesley mata pela primeira vez numa mesa de pôquer. Pouco, porém,
para a sucessão de clichês que se segue, entre eles o pai fanático religioso
interpretado por John McIntire, este num papel duplo pois o mesmo McIntire é
também o amigo leal de John Wesley. Numa boa produção, típica dos westerns da Universal,
é estranhável essa economia por melhor ator que John McIntire possa ser. Na foto à direita John McIntire na caracterização como o amigo fiel de John Wesley Hardin.
Julie Adams |
Mary Castle e Rock Hudson; Rock Hudson e Julie Adams |
Muitos futuros astros - O elenco, recheado de
caras novas como o estúdio gostava de
fazer, anunciando futuros astros, traz
alguns atores que coincidentemente brilhariam em séries westerns de TV: Michael
Ansara, Dennis Weaver e Hugh O’Brian. Ver Julie Adams como garota de saloon é estranho,
ela que pautou sua carreira como mocinha casta e indefesa. Fica mesmo a
impressão que Julie e Mary Castle deveriam ter trocado os papeis. Rock Hudson
não precisa de muito esforço para se mostrar como homem bom que a má sorte leva
para trás das grades, mas decididamente Rock fica muito melhor nos dramas e
comédias urbanos. Race Gentry que interpreta o filho de John Wesley era uma das
apostas da Universal que acabou não dando certo nem mesmo na TV. Além de John
McIntire, excelente coadjuvante, que brilhou como ator em dezenas de filmes e
nas séries “Caravana” e “O Homem de Virgínia”, este western tem ainda Glenn
Strange, veterano e simpático ator que aparecia como ‘Sam’, o bartender da
serie “Gunsmoke”. Uma produção com tantos rostos conhecidos agrada aqueles fãs
quer gostam de reconhecer os atores que não viravam figurinhas nos álbuns. E
podemos ver ainda em uma de suas últimas aparições, Francis Ford, irmão de John
Ford que viria a falecer nesse mesmo ano de 1953.
Hugh O'Brian |
Rock Hudson e Dennis Weaver; Michael Ansara; Hugh O'Brian Lee Van Cleef; Glenn Strange |
Rock Hudson |
Afronta histórica - Raoul Walsh faria ainda
diversos westerns após “Bando de Renegados”, nenhum deles comparáveis a “Golpe
de Misericórdia” (Colorado Territory), de 1959 e “Sua Única Saída” (Pursued),
de 1947. Rock Hudson, por sua vez, insistiu no gênero mais algumas vezes jamais
convencendo como cowboy. Seu melhor western foi “O Último Pôr-do-Sol”. Títulos
nacionais muitas vezes nada tem a ver com o original ou com a trama que se
desenrola. Neste “Bando de Renegados” nem o título escolhido por aqui te
sentido e mesmo o título em Inglês soa estranho e igualmente não tem razão de
ser. Se há algo de positivo em “The Lawless Breed” é trazer à discussão como
era comum Hollywood afrontar a História e insultar a inteligência dos
espectadores. Desconsiderados esses fatos este faroeste pode até agradar aos
menos exigentes.