UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

18 de agosto de 2018

BANDO DE RENEGADOS (The Lawless Breed) – HOLLYWOOD EM MAIS UMA AFRONTA À HISTÓRIA



O verdadeiro John Wesley Hardin
O cinema norte-americano não se cansa de contar (a seu modo) as vidas de foras-da-lei do Velho Oeste. Billy the Kid, Frank e Jesse James, Butch Cassidy e Sundance Kid, os Daltons, os Youngers e Johnny Ringo estão entre os ‘preferidos’ de Hollywood. Mas o maior dos pistoleiros que aterrorizaram o Oeste nos Estados Unidos foi um controvertido bandido a quem o cinema deu menos atenção: John Wesley Hardin. Em 1953 Raoul Walsh produziu e dirigiu “Bando de Renegados” (The Lawless Breed) com roteiro baseado na suspeitíssima autobiografia de Hardin. Para não fugir à regra de Hollywood o filme romantiza a vida desse pistoleiro que matou pelo menos onze pessoas, sendo atribuídos a ele um total possível de 25 assassinatos a bala, havendo quem aceite o número real como sendo 43 mortes. Billy the Kid matou, comprovadamente, apenas quatro homens. Jesse James matou somente um e Sundance Kid jamais cometeu um único assassinato. Mesmo assim o cinema adora falar deles... Hardin sempre alegou que nunca matara alguém que não fosse em legítima defesa, mas é também atribuída a ele a frase “nunca matei ninguém que não merecesse morrer”. “Bando de Renegados” deu total crédito ao mentiroso assassino e seria impossível imaginar Rock Hudson em início de carreira interpretar um brutal e covarde psicopata.


John McIntire; Rock Hudson
Ele só queria viver em paz - Filho de um severo pastor protestante, John Wesley Hardin (Rock Hudson) sai de casa descontente com a intolerância do pai, tornando-se um jogador. Numa mesa de jogo, em legítima defesa, John Wesley mata pela primeira vez e a vítima é Gus Hanley (Michael Ansara). Ben Hanley (Glenn Strange), o pai de Gus e os irmãos Ike (Hugh O’Brian) e Dick (Lee Van Cleef) procuram a vingança. John Wesley é noivo de Jane Brown (Mary Castle) e mantém amizade com a saloon girl Rosie (Julie Adams). Num confronto com seus perseguidores, John Wesley mata Dick Hanley e procurado pela Justiça mata também um xerife, tendo então que fugir de sua cidade. Jane Brown é morta quando tenta ajudar o noivo e John Wesley passa a ser acompanhado por Rosie com quem se casa. Os Texas Rangers fecham o cerco e John Wesley é preso e condenado a uma pena de 25 anos na prisão de Huntsville. Lá ele escreve um livro no qual narra os acontecimentos de sua vida, originais que são entregues a um editor. John Wesley realiza afinal seu sonho que é possuir uma fazenda e viver em paz.

Raoul Walsh (acima);
Johnny Cash e Bob Dylan
Descompromisso com a verdade - Historicamente o filme de Walsh não pode ser levado a sério e bem que John Wesley Hardin aguarda por uma abordagem cinematográfica mais realista. Ainda mais porque os notáveis cantores-compositores Bob Dylan e Johnny Cash reforçaram a lendária existência do assassino, cada um compondo uma canção sobre ele. Em ambas as músicas Hardin é cantado como um amigo dos pobres e injustiçado pela lei. Enquanto o cinema não revisa a vida de John Wesley Hardin o jeito é conhecê-lo através da biografia que escreveu, a típica ‘biografia autorizada’ que foi levada à tela. À época em que “Bando de Renegados” foi realizado  o cinema não havia ainda iniciado para valer o processo de revisionismo histórico,  que leva a ser até aceitável o descompromisso com a verdade dos fatos. Raoul Walsh, que nunca fez parte do panteão dos grandes diretores norte-americano, dirigiu na década de 40 um formidável conjunto de excelentes filmes em diversos gêneros. Nos anos 50 Walsh não manteve a mesma qualidade nas películas que dirigiu e este western não deixa de ser um indicador dessa decadência.

Rock Hudson (acima); Dick Wessel, Glenn
Strange, Hugh O'Brian e Lee Van Cleef
Personagem virtuoso - Sem jamais esquecer que a história foi escrita pelo próprio John Wesley Hardin, ele nunca é culpado dos confrontos nos quais se envolve e mata oponentes. E que resistência física ele apresenta pois, por duas vezes, alvejado pelas costas se recupera rápida e milagrosamente. Homem íntegro que é se mantém fiel à namorada de adolescência, com quem só não se casa porque o destino fez com que ela viesse a falecer abrindo assim caminho para que a apaixonada garota de saloon o conquistasse. Dinheiro não era problema para John Wesley que invariavelmente ganhava o suficiente nas mesas de carteado, dados, roleta e até em corridas de cavalos montando seu ‘Rondo’, animal que por sinal também ganhou num jogo de pôquer. Se porventura houvesse uma maré de azar, nas ligas das belas pernas da saloon girl com coração de ouro haveria sempre uma reserva. E se tinha inimigos que queriam matá-lo John Wesley Hardin possuía igualmente amigos, toda a família Clements, que arriscava a própria vida para salvá-lo acreditando piamente no homem correto e injustiçado que ele era. Tantos são os fatos inconvincentes que enaltecem o assassino sem culpa que tornam o filme monótono e previsível. E quem melhor que Rock Hudson para personificar alguém tão virtuoso...

Boa produção, rica em clichês - “Bando de Renegados” tem algumas boas sequências de ação, ou não seria um filme de Raoul Walsh. A melhor delas o confronto entre John Wesley e Dick Hanley em meio a uma forte ventania. Ou quando John Wesley mata pela primeira vez numa mesa de pôquer. Pouco, porém, para a sucessão de clichês que se segue, entre eles o pai fanático religioso interpretado por John McIntire, este num papel duplo pois o mesmo McIntire é também o amigo leal de John Wesley. Numa boa produção, típica dos westerns da Universal, é estranhável essa economia por melhor ator que John McIntire possa ser. Na foto à direita John McIntire na caracterização como o amigo fiel de John Wesley Hardin.

Julie Adams

Mary Castle e Rock Hudson; Rock Hudson e Julie Adams

Muitos futuros astros - O elenco, recheado de caras novas como o estúdio gostava de
Hugh O'Brian
fazer, anunciando futuros astros, traz alguns atores que coincidentemente brilhariam em séries westerns de TV: Michael Ansara, Dennis Weaver e Hugh O’Brian. Ver Julie Adams como garota de saloon é estranho, ela que pautou sua carreira como mocinha casta e indefesa. Fica mesmo a impressão que Julie e Mary Castle deveriam ter trocado os papeis. Rock Hudson não precisa de muito esforço para se mostrar como homem bom que a má sorte leva para trás das grades, mas decididamente Rock fica muito melhor nos dramas e comédias urbanos. Race Gentry que interpreta o filho de John Wesley era uma das apostas da Universal que acabou não dando certo nem mesmo na TV. Além de John McIntire, excelente coadjuvante, que brilhou como ator em dezenas de filmes e nas séries “Caravana” e “O Homem de Virgínia”, este western tem ainda Glenn Strange, veterano e simpático ator que aparecia como ‘Sam’, o bartender da serie “Gunsmoke”. Uma produção com tantos rostos conhecidos agrada aqueles fãs quer gostam de reconhecer os atores que não viravam figurinhas nos álbuns. E podemos ver ainda em uma de suas últimas aparições, Francis Ford, irmão de John Ford que viria a falecer nesse mesmo ano de 1953.

Rock Hudson e Dennis Weaver; Michael Ansara; Hugh O'Brian
Lee Van Cleef; Glenn Strange

Rock Hudson
Afronta histórica - Raoul Walsh faria ainda diversos westerns após “Bando de Renegados”, nenhum deles comparáveis a “Golpe de Misericórdia” (Colorado Territory), de 1959 e “Sua Única Saída” (Pursued), de 1947. Rock Hudson, por sua vez, insistiu no gênero mais algumas vezes jamais convencendo como cowboy. Seu melhor western foi “O Último Pôr-do-Sol”. Títulos nacionais muitas vezes nada tem a ver com o original ou com a trama que se desenrola. Neste “Bando de Renegados” nem o título escolhido por aqui te sentido e mesmo o título em Inglês soa estranho e igualmente não tem razão de ser. Se há algo de positivo em “The Lawless Breed” é trazer à discussão como era comum Hollywood afrontar a História e insultar a inteligência dos espectadores. Desconsiderados esses fatos este faroeste pode até agradar aos menos exigentes.


10 de agosto de 2018

OBRIGADO A MATAR (A LAWLESS STREET), 1955 – DESAFIOS PARA RANDOLPH SCOTT


Joseph H. Lewis

Randolph Scott atuou em dois westerns dirigidos por Joseph H. Lewis, o cultuado diretor dos policiais “Mortalmente Perigosa” (1950) e “Império do Crime” (1955). O outro filme de Scott com Lewis foi “O Fantasma do General Custer” (7th Cavalry), de 1956 e o veterano cowboy não teve muita sorte nessa parceria pois os melhores faroestes de Joseph H. Lewis são “Ódio Contra Ódio” (The Halliday Brand) e “Reinado do Terror” (Terror in a Texas Town), respectivamente de 1957 e 1958, sendo que este último marcou sua despedida como diretor de longa-metragens. Lewis se iniciou dirigindo os mocinhos ‘Wild’ Bill Elliott e Johnny Mack Brown em westerns da Columbia e Universal e aos 50 anos de idade, após ter sofrido um ataque cardíaco, se bandeou para a televisão, passando a dirigir séries de TV. Nada menos que 51 episódios de “O Homem do Rifle” foram por ele dirigidos. No entanto Joseph H. Lewis conseguiu neste “Obrigado a Matar” algo não muito comum que era ver Randolph Scott atuando com maior boa vontade e empenhado até mesmo em participar de uma luta corporal contra o gigante Don Megowan, numa das melhores sequências deste western.


Randolph Scott com Ruth Donelly
e com Angela Lansbury
Delegado marcado para morrer - A história original teve o título “The Marshal of Medicine Bend”, foi escrita por Brad Ward e roteirizada por Kenneth Gamet. Não confundir com “Shoot-Out at Medicine Bend” (No Rastro dos Bandoleiros), que Randolph Scott filmaria ao lado de James Garner em 1957. A ação deste “Obrigado a Matar” também se passa na cidade de Medicine Bend onde Calem Ware (Randolph Scott) é o delegado. Hamer Thorne (Warner Anderson) e Cody Clark (John Emery) são dois influentes comerciantes da cidade que com a iminente exploração de minério pretendem dominar Medicine Bend. Para isso precisam eliminar o íntegro delegado e contratam um pistoleiro que tenta matá-lo mas acaba morto pelo homem da lei. Chega então à cidade a artista Tally Dickenson (Angela Lansbury) a quem Hamer Thorne quer desposar sem saber que Tally ainda é casada com o delegado. Tally espera que seu marido abdique do cargo mas ao invés disso seu marido se vê obrigado a enfrentar Harley Baskam (Michael Pate), outro pistoleiro contratado para assassiná-lo. No confronto entre ambos Baskam é morto enquanto Thorne acidentalmente mata seu sócio Clark. A população da cidade se une e prende Thorne, com Calem e Tally indo embora de Medicine Bend.

James Bell e Jean Parker;
Wallace Ford e Randolph Scott
Tramas amorosas - Um dos mais influentes westerns de todos os tempos foi “Matar ou Morrer” (High Noon) e este faroeste é mais um a mostrar um xerife acuado entre o dever e uma decisão pessoal. Para alterar um pouco o cenário a esposa agora é uma dançarina que insiste para que o marido mude de vida deixando o distintivo e o revólver de lado. A história se anuncia interessante porque há um triângulo amoroso formado pelo conquistador Hamer Thorne e a bela Cora Dean (Jean Parker) que com Thorne traía o marido. Forma-se então um segundo triângulo pois Tally, cortejada pelo mesmo Thorne perde as esperanças de reaver o marido delegado. Raros westerns entrelaçam temas como esses, mais comuns aos dramas urbanos, com a defesa da lei e da ordem. Porém, à medida que a trama se desenvolve prevalece a ação deixando de lado as intrigas amorosas. O que é aceitável pois este é um filme com meros 78 minutos, metragem típica dos ‘double features’, os complementos das sessões duplas dominantes à época. Mas a mudança brusca de rumo torna “Obrigado a Matar” um faroeste comum e é quando o homem da lei enfrenta o temível pistoleiro que o filme decai.

Randolph Scott; Michael Pate
Duelos decepcionantes - Calem Ware é avisado do perigo pela cozinheira Molly (Ruth Donnelly) e a comunicação se faz de modo cômico com a simpática velha senhora batendo no teto com uma vassoura. O delegado já sabe que terá que enfrentar alguém que quer acertar contas com ele, coloca o cinturão, o lenço no pescoço, tudo num ritual e vai tranquilamente fazer a barba, deixando exposto seu revólver dependurado numa displicência imperdoável. O pistoleiro percebe e tenta atirar em Calem Ware que preparara a armadilha e é mais rápido com a Deriger que tinha escondida sobre a toalha. Essa excelente sequência contrasta com o segundo desafio que o delegado enfrenta, que tem início com as mesmas divertidas batidas de Molly no teto com a vassoura. Joseph E. Lewis se notabilizou pelo apuro cênico com enquadramentos diferentes mesmo em filmes de baixo orçamento. Ao colocar frente a frente o novo pistoleiro Harley Baskam e o delegado, este demora uma eternidade para sacar, chegando mesmo a dar a impressão de, propositalmente, permitir ser abatido, sequência que deixa bastante a desejar. Mesmo o segundo confronto entre os dois é inconvincente pois o pistoleiro que alardeava experiência e frieza esvazia o tambor de seu revólver mesmo sem ver o opositor. Aquelas que poderiam ter sido as grandes sequências do filme são frustrantes.

Randolph Scoot com a Deringer e o barbeiro Harry Tyler

Warner Anderson
A cidade corajosa - Se em “Matar ou Morrer” o delegado Will Kane luta solitariamente contra o quarteto que quer matá-lo, em “Obrigado a Matar”, ao final, a cidade se enche de brio e impede a fuga de Thorne, num mal explicado pundonor. Isso não impede Calem Ware de deixar a cidade ao lado da esposa, não sem antes fazer um altruístico discurso louvando a coragem daqueles que até então não demonstravam bravura alguma. Calem entende que, agora sim, Medicine Bend está pronta para se defender sem sua ajuda e diferente de Will Kane não atira o distintivo no chão, apenas o devolve educadamente. O australiano Michael Pate é quem interpreta Harley Baskam, ele que em muitos filmes se mostrou bom ator. Mas chega a ser irritante como o afetado pistoleiro em mais uma cópia sofrível do Jack Wilson criado por Jack Palance em “Shane” (Os Brutos Também Amam).

Jeanette Nolan e Don Megowan;
Don Megowan e Randolph Scott
Luta renhida - Chama a atenção também neste western a presença de três mulheres no elenco, excetuada a referida cozinheira Molly. A conhecida Jean Parker, de tantos bons momentos no cinema, é a esposa adúltera que afinal se arrepende e se reconcilia com o marido; a excelente Jeanette Nolan aparece em pequena participação e bem que poderia ser melhor aproveitada; a leading-lady de Randolph Scott é Angela Lansbury que consegue a proeza de ser beijada por ele no filme. Já fora da MGM onde esteve sob contrato por muitos anos, a atriz é acentuadamente mais jovem que Scott e interpreta uma esfuziante dançarina de saloon que quer a todo custo voltar a ser apenas dona-de-casa. Os roteiristas sempre constroem as histórias de forma a que Scott seja, quase sempre, um viúvo e desta vez pouco se preocuparam com a coerência. O ponto alto deste faroeste é a renhida luta travada entre Randolph Scott e Don Megowan, encenação extremamente convincente ainda mais levando-se em conta que em boa parte desse embate o veterano cowboy dispensa o dublê, o que é pouco usual. “Obrigado a Matar” é um filme que poderia ter sido muito melhor mas acaba sendo um faroeste mediano na extensa lista de westerns de Randolph Scott e nenhum brilho acrescenta à filmografia de Joseph H. Lewis.

Randolph Scott com Angela Lansbury e com Jeanette Nolan