Borden Chase é um dos mais conhecidos roteiristas de faroestes, autor dos roteiros de “Rio Vermelho” (Red River), “Winchester 73”, “E o Sangue Semeou a Terra” (Bend of the River), “Região do Ódio” (The Far Country), “Vera Cruz”, “Punido pelo Próprio Sangue” (Backlash), entre outros. Apenas esses westerns seriam suficientes para colocá-lo entre os imortais roteiristas do gênero. Em 1955, em colaboração com D.D. Beauchamps, Borden Chase preparou o roteiro de “Homem Sem Rumo” (Man Without a Star) e a Universal acertou a produção do filme no sistema ‘fifty-fifty’ (meio a meio) com a Bryna de Kirk Douglas. O ator-produtor não recebeu nada por sua participação no filme, entrando ainda com metade do custo de produção. A Universal entrou com a outra metade e quando depois de lançado o filme começasse a dar lucro, este seria dividido meio a meio entre Kirk Douglas e a Universal. “Homem Sem Rumo” foi um dos grandes sucessos de bilheteria de 1955 e não sem razão pois é um western empolgante, com ritmo de tirar o fôlego e faroeste que consagrou Kirk Douglas como cowboy. Nascido em Nova York, Kirk nunca havia montado em um cavalo até seu primeiro western “Embrutecidos pela Violência” (Along the Great Divide) e o segundo “Rio da Aventura” (The Big Sky) não o mostrava como verdadeiro cowboy. Porém sua atuação em “Homem Sem Rumo” demonstra que Kirk tornara-se um perfeito homem do oeste, montando como um se fosse Ben Johnson, exibindo impressionante destreza com o revólver, tocando banjo e cantando. Tudo isso explica o sucesso de “Homem Sem Rumo”.
CONTRATO DE AMOR - Kirk Douglas interpreta Dempsey Rae, um cowboy errante com um obscuro passado no Texas e que chega ao Wyoming onde consegue emprego numa fazenda com oito mil cabeças de gado. A proprietária é a senhorita Reed Bowman (Jeanne Crain), que pretende aumentar o rebanho até chegar às 30 mil cabeças o que irá esgotar os pastos. O enorme rebanho da senhorita Bowman invade pastos de outros fazendeiros que se vêem forçados a cercar as terras com cercas de arame farpado. Dempsey torna-se capataz da fazenda da senhorita Bowman, com quem faz um estranho contrato em que o pagamento seria ela se tornar sua amante. Dempsey tem horror ao arame farpado e traz no corpo cicatrizes deixadas pelas pontas do arame. A senhorita Bowman descobre que não conseguirá dominar Dempsey Rae e emprega também Steve Miles (Richard Boone), um homem violento que lidera um grupo de cowboys que não hesitam em matar cowboys de outras fazendas. Dempsey não aceita as manobras da senhorita Bowman, abandona o cargo de capataz e vai trabalhar para Tom Cassidy (Eddy Waller), um dos fazendeiros que passaram a usar arame farpado. Dempsey então liquida Steve Miles e seu grupo, partindo em seguida sem rumo certo.
COMO SER UM COWBOY- “Homem Sem Rumo” tem como tema central o efeito do uso do arame farpado na vida de homens acostumados com a liberdade, como Dempsey Rae (Douglas). Para ele “quando onde o arame chega, chegam também lutas e mortes”. Ele sabe que as cercas representam uma nova realidade para o Oeste. Simbolicamente elas estreitam o universo de homens como ele acostumados a serem guiados por uma estrela qualquer “mas que precisa ser a estrela certa”, como diz Dempsey para o jovem Jeff ‘Texas’ Jimson. Dempsey adota Jeff como pupilo a quem ensina os rudimentos necessários para ser um cowboy de verdade, inclusive mostrando como usar o revólver (“sacar rápido e guardar lentamente”, diz Dempsey a Jeff). Dempsey sabe como lidar com as mulheres e sua amiga Idonee (Claire Trevor) faz de tudo para ajudá-lo em troca dos agrados que só Dempsey sabe fazer. Dempsey é um lascivo e sem nenhum pudor deixa isso claro para Reed Bowman (Jeanne Crain), a quem pretende ter como amante. Logo descobre que o interesse físico da mulher é menor que o que ele Dempsey representa para seus negócios com o gado e isto é suficiente para que Dempsey se afaste dela. O arame farpado deixou marcas no corpo e sequelas mais profundas ainda em sua personalidade. Mas Dempsey tem seu lado descontraído e vê com misto de curiosidade e libidinoso prazer a mudança de costumes como o banheiro dentro da casa (“é muito prático”, diz). Dempsey tem dos cowboys o apreço pela amizade verdadeira pelos pardners, amizade demonstrada muitas vezes de forma contundente ao jovem amigo Jeff ‘Texas’. Dempsey não é um errante como o título do filme pretende pois a estrela que o guia é uma constelação das estrelas do prazer, da alegria e da amizade. Dempsey é o mais complexo exemplo de cowboy já mostrado pelo cinema.
Douglas com a maravilhosa Claire Trevor e (abaixo) com Jeanne Crain |
CLAIRE, ADORÁVEL PROSTITUTA - Kirk Douglas tinha dúvidas quanto a aceitar King Vidor pra dirigir “Homem Sem Rumo” pois o veterano diretor estava com 61 anos e não filmava um western desde “Duelo ao Sol” (Duel in the Sun), rodado em 1946. E sabia-se que Vidor não dirigia de forma dinâmica, como Douglas gostava. Mas o diretor, a seu modo, imprimiu ao filme o ritmo sonhado pelo egocêntrico Kirk, permitindo ao ator fazer diante das câmaras malabarismos com o revólver, cantar, exercitar seu masoquismo, mostrar sua esplêndida forma física, resultando em uma de suas melhores performances. A alternação das muitas situações vibrantes de lutas com as sequências bem humoradas, acrescentando ainda frases de maliciosos duplos sentidos deve-se a Vidor que desenvolveu magnificamente o roteiro de Chase-Beauchamps. Kirk Douglas sempre foi aquela pedra no sapato de muitos críticos pois a exemplo de seu amigo Burt Lancaster, Kirk é aquele tipo de ator exuberante e espetacular. E enganam-se os que acreditam que essa seja uma forma de encobrir uma possível falta de talento dramático. Burt e Kirk demonstraram talento interpretativo em dúzias de filmes. “Homem Sem Rumo” tem a presença de Claire Trevor, a mais adorável prostituta do Velho Oeste desde “No Tempo das Diligências”. De tudo que é cowboy torto Claire já foi namorada. Pena que o papel de Claire em “Homem sem Rumo” seja infinitamente menor que seu talento. O principal personagem feminino é o de Jeanne Crain, atriz muito delicada, incapaz de convencer como mulher forte que domina fazendeiros e também bonita e ordinária no amor. A certa altura Douglas/Dempsey diz à personagem de Jeanne Crain que o que ela faz não combina com ela. Não mesmo pois ela dá saudade de Susan Hayward, por exemplo. Richard Boone foi mais cruel e violento em outros filmes, mas é sempre um ator competente. O elenco de “Homem Sem Rumo” tem também William Campbell ótimo como o ingênuo aprendiz de cowboy; tem as agradáveis presenças de Roy Barcroft (tantas vezes adversário de Rocky Lane) e de Eddy Waller (tantas vezes sidekick do mesmo Rocky Lane). Roy como um honesto xerife e Eddy como um resoluto e esperto fazendeiro. Jay C. Flippen correto como sempre, seguido de um excelente cast de coadjuvantes composto por Sheb Wooley, Mara Coorday, Paul Birch, Myrna Hansen e Jack Elam, este numa curta mas excelente participação.
CLÁSSICO AUTÊNTICO - O filme de King Vidor é aberto com uma empolgante canção interpretada com aquela força que só a voz de Frankie Laine possuía, anunciando o espetacular western que é “Homem Sem Rumo”. Henry Mancini colaborou na trilha musical e as belas imagens deste western são de Russell Metty, numa produção que infelizmente não foi rodada em Cinemascope como merecia. Parece que em certos filmes tudo dá certo, mas nem sempre isso acontece por acaso e sim pela competência daqueles que estão envolvidos nele. Um western com Kirk Douglas iluminado, Claire Trevor, Richard Boone, voz de Frankie Laine só poderia resultar num autêntico clássico, numa estrela cintilante no céu dos faroestes como é “Homem sem Rumo”.