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5 de novembro de 2016

EU MATEI JESSE JAMES (I SHOT JESSE JAMES) – O DRAMA PESSOAL DE ROBERT FORD


Samuel Fuller
Trabalhando com pequenos orçamentos no início de carreira, Samuel Fuller construiu uma invejável reputação como diretor e como roteirista de seus filmes. Ganhando a confiança dos produtores, Fuller realizou mais tarde o admirado “Dragões da Violência” (Forty Guns) e o superestimado “Renegando Meu Sangue” (Run of the Arrow), ambos de 1957. Do que Samuel Fuller nunca abriu mão foi de criar alguma polêmica com seus filmes e isso pode ser comprovado já em sua estreia como diretor, em 1949, quando dirigiu “Eu Matei Jesse James” (I Shot Jesse James). Tendo assinado contrato com a produtora de Robert L. Lippert para dirigir três filmes (todos por ele próprio roteirizados), Fuller em apenas dez dias de filmagens e com elenco e técnicos que o orçamento podia pagar entregou este western que se interessa menos por Jesse James e mais por aquele que passou para a história como seu ‘covarde assassino’.


Barbara Britton com John Ireland (acima)
e com Preston Foster.
Tudo por uma mulher - Após um frustrado assalto comandando sua quadrilha, Jesse James (Reed Hadley) reassume sua vida disfarçado como o pacato Tom Howard, homem casado e pai de filho que vive em St. Joseph, no Missouri. Abrigam-se na casa de James seu irmão Frank (Tom Tyler) e os irmãos Ford - Robert (John Ireland) e Charles (Tommy Noonan) - seus amigos. Robert Ford pretende se casar com a atriz Cinthy (Barbara Britton) e vê na recompensa de 10 mil dólares estipulada pela captura ou morte de Jesse James a possibilidade do matrimônio e início de uma vida honesta. Mais ainda depois de o governador declarar anistia a todos os bandidos, menos aos irmãos James. Robert Ford executa Jesse James mas não obtém a recompensa esperada e sim adquire a fama de covarde, o que faz com que Cinthy repense a ideia de se casar com ele. Surge então Kelley (Preston Foster) que também se interessa por Cinthy. Robert enriquece descobrindo prata em Creede, no Colorado, ao mesmo tempo que perde Cinthy para Kelley. Os dois homens duelam em frente ao saloon Silver King e Robert Ford é morto.

Reed Hadley
Insólita narrativa - No início de “Eu Matei Jesse James” um letreiro informa sobre as liberdades que o roteiro de Samuel Fuller tomou com os fatos históricos envolvendo Robert Ford. A partir daí pode-se esperar por qualquer coisa e Fuller não deixa por menos surpreendendo com sua insólita narrativa. Esqueça-se a lembrança do formoso Jesse James de Tyrone Power pois o lendário bandido agora interpretado por Reed Hadley está mais para Abraham Lincoln, faltando apenas a cartola para completar o personagem. E este Jesse James nunca se cansa de praticamente pedir para ser alvejado pelas costas por seu amigo Robert Ford, mesmo após ter discutido com este as vantagens desse assassinato. Fuller transforma seu western num melodrama ao trazer para a história um certo Kelley que viria a formar um triângulo amoroso entre Robert Ford e sua amada Cinthy. Porém antes desse bem declarado triângulo, houve outro sugerido pelo provocador Fuller.


Reed Hadley e John Ireland
‘Eu matei quem eu amava’ - Se a consciência de Bob Ford não permitiu que ele tivesse um minuto de paz após seu ato covarde, não é menos verdade, ao menos neste “Eu Matei Jesse James”, que seu coração também esteve dividido entre a namorada e seu chefe, o esposo de Zee James (Barbara Woodell). Após o malogrado assalto a banco no início do filme, Jesse procura cuidar do ferimento de Robert Ford, um tiro que trespassa o ombro e do qual não se vê sangue pela pobreza da produção. Pressentindo perigo, Zee pede para o marido se afastar dos irmãos Ford, mas ao invés disso é Bob Ford quem esquenta e traz água e ajuda Jesse James durante o banho deste. É quando Jesse entrega um reluzente Colt 45 para o amigo avisando que a arma é linda e tem um cabo moderno. O mesmo John Ireland viveu cena parecida com Montgomery Clift em “Rio Vermelho” quando ambos trocaram e admiraram mutuamente seus revólveres com evidente simbolismo. Enquanto Bob Ford acaricia o revólver, Jesse James oferece suas costas para o amigo esfregar. E Jesse observa que “quando dou um presente, dou completamente”. A tentação é grande e afinal Ford assassina o amigo, ficando com a indesejável fama que acaba por lhe dificultar o casamento com Cinthy. Após cansativas idas e vindas com portas que nunca se cansam de abrir para compor o triângulo Kelley-Cinthy-Bob Ford, eis que o ‘covarde assassino’ é finalmente morto por Kelley (O’Kelley na história real e não na rua, mas dentro do saloon e com um tiro no pescoço). Antes de morrer nos braços de Cinthy, Bob Ford confessa à perplexa moça que “amava Jesse James”. Samuel Fuller em seu estado mais puro.

Barbara Britton e John Ireland

John Ireland; Preston Foster
Participações pouco interessadas - Este singular western poderia funcionar bem, não fosse o roteiro pouco claro, desconexo mesmo em alguns diálogos e que compromete toda a criativa versão do delirante Fuller. Some-se a isso a não disfarçada pobreza da produção, isto quando se sabe que o que faz a glória de cineastas como Samuel Fuller, Edgar D. Ulmer e Phil Karlson, entre outros, é a capacidade de superar com criatividade a falta de recursos. Há em “Eu Matei Jesse James” um excesso de planos fixos o que dá ao filme uma estaticidade que os muitos e prolongados close-ups pouco ajudam. Sem falar que, por estarem participando de um filme de diretor estreante e certamente por estarem recebendo ínfimos salários por suas participações, Preston Foster e John Ireland não dissimulam a má vontade. Foster vivia o declínio de sua carreira e Ireland, que no ano anterior se destacara no clássico “Rio Vermelho” (Red River), interpretaria em 1949 o repórter de “A Grande Ilusão”, atuação que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

Tom Tyler
Três momentos bilhantes - Em se tratando de Samuel Fuller, felizes imprevistos são perfeitamente previsíveis e eis que o diretor nos dá três grandes momentos neste pequeno faroeste. O primeiro é quando Bob Ford está em cena revivendo num teatro o já famoso assassinato e seu remorso o impede de repetir seu ato fatal, mesmo que numa encenação. Em seguida há a sequência em que um trovador (Robin Short) canta, diante de Bob Ford a balada que fala do assassinato de Jesse James, momento brilhante pelas excepcionais participações do cantor e também de John Ireland, aqui num raro momento de maior comprometimento com o filme. E outra sequência marcante e própria do diretor é quando Bob Ford aparentemente atira em direção ao velho garimpeiro Soapy (Victor Kilian), dando a impressão de tê-lo matado e na sequência seguinte é dito que Ford atirara num puma que estava atrás de Soapy e não no minerador. Três belos momentos, dignos da fama de Fuller, que não conseguem sustentar um roteiro inconsistente.

Robin Short; Victor Kiliam

John Ireland
O incansável John Ireland - Creditado em primeiro lugar nos letreiros, Preston Foster faz o que se espera dele com sua presença forte. John Ireland era então, aos 35 anos, um dos mais fortes candidatos à condição de astro em Hollywood, com excelentes participações especialmente em policiais noir onde se sentia bem à vontade. Entre 1948 e 1949 Ireland participou de nada menos que 13 filmes, sempre em papeis relevantes. No entanto Ireland não atingiu o estrelato como, por exemplo, seus contemporâneos Kirk Douglas e Burt Lancaster. A linda Barbara Britton é do trio principal quem parece levar este western a sério. No elenco ainda o conhecido Victor Kiliam e Tom Tyler e Reed Hadley, ambos astros de seriados da Republic Pictures. Robin Short, que interpreta “A Balada de Jesse James” era um cantor de folksongs que se acompanha ao violão, exatamente como é mostrado neste western. Curioso que Jesse James ficaria marcado no cinema pela imagem de Tyrone Power, mesmo após tantos e tantos filmes (e seriados) sobre o bandido. E não foi desta vez que a lenda sobre Jesse foi desfeita, mesmo sob o enfoque de um diretor abusado como Samuel Fuller.


A cena real do assassinato, com John Ireland e Reed Hadley.

O assassinato encenado em um teatro, com John Ireland (Bob Ford) e um ator

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