Acima Walter Van Tilburg Clark e Lamar Trotti; abaixo Darryl F. Zanuck e William A. Wellman |
Publicado em 1940, o livro “The Ox-Bow
Incident” de autoria de Walter Van Tilburg Clark chamou a atenção tanto de
Henry Fonda quanto de William A. Wellman. Fonda era já um dos grandes astros de
Hollywood e Wellman um cotadíssimo diretor depois do enorme sucesso de “Beau
Geste” e outros filmes. Ambos pediram a Darryl F. Zanuck, então chefe de
produção da 20th Century-Fox para comprar os direitos cinematográficos do livro
para que Wellman dirigisse um filme nele baseado e tendo Fonda como ator.
Percebendo que o potencial para atrair público daquela história era
praticamente zero, Zanuck chantageou tanto Fonda como Wellman. A Fox produziria
o western, desde que eles recebessem por escala, ou seja, aceitassem os
salários-base do estúdio e ainda se comprometessem a participar de dois
projetos comerciais do produtor. Além disso Zanuck avisou que “The Ox-Bow
Incident” deveria ser rodado em 18 dias, inteiramente dentro do estúdio que
possuía uma pequena cidade western vista em dezenas de filmes e sem nenhum
outro grande nome no elenco para evitar maiores despesas. A única concessão
feita por Zanuck foi entregar a Lamar
Trotti, um dos principais roteiristas de Hollywood, a incumbência de escrever o
roteiro. Zanuck acertou em cheio em suas previsões pois “The Ox-Bow Incident”
(“Consciências Mortas” no Brasil), com duração de meros 75 minutos, não conseguiu
atrair o público, mas cedo ganhou o status de pequena obra-prima não só do
gênero, mas do cinema norte-americano.
Acima Hank Bell e Frank Conroy ladeando Anthony Quinn e Danna Andrews; abaixo Quinn com Jane Darwell e outros. |
Noite
de terror - Os cowboys Gil Carter (Henry Fonda) e Art Croft (Harry
Morgan) retornam a Bridger’s Wells em 1885 após algum tempo fora e se deparam
com a cidade agitada pela notícia de um assassinato seguido de roubo de gado.
Com o xerife ausente, seu assistente reúne de imediato um grupo formado pelos moradores,
a maior parte deles disposta a fazer justiça enforcando o assassino. Lidera o
grupo o Major Tetley (Frank Conroy), que se diz ex-oficial Confederado e que
retira do armário uma farda para garbosamente comandar a turba. Na primeira
noite de busca encontram três homens acampados e dormindo ao redor de uma
fogueira. São eles o rancheiro Donald Martin (Dana Andrews), o mexicano Juan
Martinez (Anthony Quinn) e o velho ‘Dad’ Hardwick (Francis Ford). Acusados de
serem os assassinos mesmo sem evidências concretas e negando o crime, o trio é
condenado por um júri formado pela maior parte do grupo que quer enforcá-los.
Os três são sumariamente enforcados após o que surge o xerife informando que o
homem supostamente assassinado está vivo e que, portanto, o grupo havia linchado
três inocentes.
Anthony Quinn; Paul Hurst |
Dominados
pela fúria - Em diversas ocasiões Henry Fonda afirmou que, de sua
longa filmografia, dois eram os filmes que mais gostava: “Consciências Mortas”
e “Doze Homens e Uma Sentença”. Este segundo, realizado 14 anos depois, em 1957,
tem pontos de semelhança com o western de William A. Wellman pois ambos tratam
da irracionalidade que domina os homens diante da possibilidade de uma
execução, mesmo que não haja certeza dos fatos. Pior ainda no caso de
“Consciências Mortas” em que sequer ocorreu o suposto assassinato que motivou a
barbárie. Este é um filme psicologicamente tenso, sem nenhuma sequência de
ação, exceto uma rápida troca de socos entre cowboys logo no início. Um sombrio
e perturbador estudo do comportamento de grupos que reagem com histeria diante
de acusados aos quais não é dado o mínimo direito de defesa. Homens dominados pela
fúria comum em grupos que se deixam levar pelo desvario desconsiderando a razão
e a consequência de seus atos. Passado no Velho Oeste, o acontecimento e a
tensão instalada no lugarejo não raro ocorre em pequenos e grandes centros em
tempos menos remotos.
Frank Conroy; Marc Lawrence |
Confederado
reprimido - Entre todas as personagens de “Consciências Mortas”
destaca-se a do ex-oficial Confederado que vê se apresentar a oportunidade de
mostrar que, com mais homens como ele, o resultado da Guerra Civil ocorrida
duas décadas antes seria outro. Pomposo, arrogante, autoritário, elege-se
naturalmente como o líder tanto dos sedentos vingadores como daqueles que se
conformam em ficar ao lado dos mais fortes, no caso a turba desatinada. Gil Carter
chega a dizer que Tetley sequer teria lutado. Esconde-se por trás desse homem o
nunca superado abatimento pela derrota, sentimento reprimido e que irrompe
quando a ocasião se apresenta. Para seu desespero seu próprio filho não comunga
de seu comportamento perturbado e, humilhado pelo pai, reluta a obedecê-lo.
Sete são os homens que não perdem a lucidez diante da excitação da turba e
reagem opondo-se ao linchamento, entre eles um negro que profere orações em
forma de música, contraponto ao opressivo sulista fardado. E o racismo se
manifesta também quando Jeff Farnley (Marc Lawrence) pede para chicotear o
cavalo do mexicano (Anthony Quinn) e com ódio no olhar diz: “O mexicano é meu!”.
Henry Fonda |
A
opção de Henry Fonda - Conhecido por suas atuações que,
mesmo contidas, atingem uma pungência incomum, Henry Fonda dá uma demonstração
de como um ator talentoso como ele pode prescindir de seus direitos de astro. O
personagem de Fonda é apenas mais um entre os tantos que se agrupam na busca
dos criminosos que não existem. Embora seu drama pessoal seja abordado - foi
trocado pela amada por outro homem - isto em nada altera sua atitude na
história e mesmo sua participação vai pouco a pouco sendo reduzida à medida que
a tensão se eleva. Somente ao final, lendo a carta escrita para a esposa por um
dos executados, é que Fonda se destaca lembrando a angústia de Tom Joad em
“Vinhas da Ira”, este sim, um extraordinário momento do ator. O humanismo de
Fonda é tão imenso quanto seu talento, isto num meio em que se briga por closes
por segundos a mais ou a menos na tela e por salários cada vez maiores. Fonda
sabia que naqueles tempos de guerra o público norte-americano queria ver seus
astros matando alemães ou se envolvendo em dramas românticos em lugares
exóticos como Casablanca. Mais importante para Henry Fonda (e William A.
Wellman também) era levar o público à reflexão com uma história como a de
“Ox-Bow Incident”, infelizmente um dos poucos westerns rodados naqueles anos.
Acima Harry Davenport e Leigh Whipper; os sete homens contra o linchamento. |
Excelente
time de coadjuvantes - Western conciso, com diálogos
sucintos diretos e eficientes, "Consciências Mortas" prescinde apenas da presença desnecessária de
Mary Beth Hughes que interpreta numa rápida sequência a mulher que Gil Carter
(Fonda) amava. Mary Beth foi uma aposta da Fox que não se confirmou como grande
estrela. Para compensar, este western reúne um notável e numeroso
elenco de apoio e William A. Wellman consegue que cada um deles tenha
relevância mesmo com as poucas falas individuais, suficientes para caracterizar
cada personagem. Destaque maior para Harry Davenport e Leigh Whipper entre os
menos conhecidos. Harry Morgan limita-se a dividir com Fonda a tristeza diante da covardia e histeria coletiva. Dana Andrews a caminho do estrelato tem os melhores momentos
dramáticos como o infeliz rancheiro que vive o aterrorizante drama. Anthony
Quinn como o desafiador mexicano já dava mostras de seu enorme talento que
faria dele, em curto espaço de tempo, um dos maiores atores do cinema. Atenção
para a presença de Rondo Hatton, ator acometido por acromegalia e que viria a
falecer poucos anos depois deste trabalho, em 1946.
Frank Conroy, Chris-Pin Martin, Anthony Quinn e Marc Lawrence; à direita Dana Andrews. |
Excepcional
faroeste - Magnífico trabalho de iluminação criando a atmosfera
precisa nas apavorantes sequências de enforcamento, a cinematografia de Arthur
C. Miller é um dos pontos altos de “Consciências Mortas”, além da ótima música
incidental de Cyril J. Mockridge. Mais até que o tema principal do filme,
assunto poucas vezes focalizado por Hollywood, a virtude maior deste western de
William A. Wellman reside em exemplarmente demonstrar que excepcionais filmes
não se fundamentam necessariamente em produções dispendiosas. Certa vez Orson
Welles declarou que esta era a película que mais admirava e Clint Eastwood afirmou
que em sua adolescência este foi o faroeste que mais o fascinou. Mesmo tendo
produção de western B, “Consciências Mortas” concorreu ao Oscar de Melhor Filme
na premiação de 1944, perdendo para “Casablanca”; ganhou porém o então importante
prêmio do National Board Review como Melhor Filme do Ano e ainda ficou com o segundo
lugar na escolha do New York Film Critics Circle Awards em 1943. Um dos melhores
filmes do gênero, “Consciências Mortas” nunca deixou de ser uma lição de coragem,
humildade e talento de seu diretor, bem como de Henry Fonda.
Que filme!
ResponderExcluirConheci em 2002, e revi em 2011 e hoje!
Um dos meus faroestes americanos favoritos, vide elenco, roteiro, fotografia, trilha, e claro, direção!
Filme predileto do Clint E.