Burt Kennedy e o livro de Jonas Ward. |
São frequentes os comentários afirmando
que os melhores westerns da celebrada parceria entre Budd Boetticher-Randolph
Scott são aqueles quatro que tiveram histórias ou roteiros escritos por Burt
Kennedy. E são comumente citados entre os mais fracos da série “Entardecer
Sangrento” (Decision at Sundown), de 1957 e “Fibra de Herói” (Buchanan Rides
Alone), de 1958. Coincidentemente ambos tiveram roteiros creditados a Charles
Lang, sendo que quanto a “Fibra de Herói” o próprio Burt Kennedy fez certa vez um importante
esclarecimento. Kennedy contou que Charles Lang adoeceu mal iniciado o roteiro deste filme e os produtores Randolph Scott-Harry Joe Brown pediram a ele Kennedy que
concluísse o script. Se “Fibra de Herói” foge do clima sombrio dos demais
faroestes da série Scott-Boetticher isso se deve, sem dúvida, ao inusitado tom
pretensamente divertido que Burt Kennedy resolveu dar ao roteiro, ele que se
tornaria um mestre dos westerns-comédia em seus próximos trabalhos como
roteirista e diretor. “Fibra de Herói” foi baseado no livro “The Name’s
Buchanan”, de autoria de Jonas Ward, que escreveria em seguida uma série de
histórias com o mesmo personagem ‘Buchanan’.
Tom Buchanan chega a Agry Town. |
A
cidade dos irmãos Agry - Depois de lutar numa das revoluções
mexicanas, onde ganhou dois mil dólares, o solitário Tom Buchanan (Randolph
Scott) decide retornar ao Texas. Chega então a Agry Town, pequena cidade na
fronteira entre México e Califórnia, lugarejo controlado pelos três irmãos
Agry. Simon Agry (Tol Avery) é o juiz, Lew Agry (Barry Kelley) é o xerife e
Amos Agry (Peter Whitney) dirige o hotel. Mal recebido em Agry Town, Buchanan
testemunha quando o mexicano Juan De La Vega (Manuel Rojas) mata Roy Agry
(William Leslie), filho do juiz Simon. Um júri condena Juan à forca mas Abe
Carbo (Craig Stevens), amigo e conselheiro do juiz o orienta a salvar a vida do
mexicano em troca de 50 mil dólares a serem pagos pela rica família De La Vega. Com
a ajuda de Buchanan e de Pecos Hill (L.Q. Jones), um dos ajudantes do xerife
que se torna amigo de Buchanan, Juan consegue escapar mas é recapturado em
seguida. Os irmãos Simon e Lew disputam entre si a posse do dinheiro pago pelo
resgate de Juan e nessa disputa acabam ambos mortos. Ao final Juan retorna ao
México com os 50 mil dólares, Abe Carbo herda o poder em Agry Town e Buchanan
ruma para seu amado Texas.
Manuel Rojas e Randolph Scott; Randolph Scott e L.Q. Jones. |
Herói
desfibrado - Um dos mais queridos cowboys do cinema, Randolph Scott
recebeu o apelido de ‘Rosto de Pedra’ pela impassividade de sua fisionomia,
mesmo quando submetido a momentos de tensão. Scott, porém, sabia sim se mostrar
descontraído, cínico e mesmo dramático se o personagem assim o exigisse.
Difícil, porém, é interpretar um cowboy estúpido, quase idiotizado como o Tom
Buchanan de “Fibra de Herói”, título em Português inteiramente inadequado uma
vez que o herói do filme não chega a demonstrar muita energia e garra. Buchanan
até que se mostra divertido ao chegar a Agry Town desmoralizando com seu humor
pilhérico os irmãos que dominam a cidade que apelida de ‘Ten Dollars Town’.
Tudo lá, seja um bife, uma garrafa de uísque, um ou mais dias no hotel, custa
exatamente essa quantia. Conseguindo sair de uma enrascada quando já estava com
a corda no pescoço, Buchanan quer reaver seus dois mil dólares que foram parar no
cofre do xerife Lew Agry, mas se dá mal e assina nova sentença de morte ao ser convidado
a sumir da cidade. Porém como texano com texano se entende, eis que Buchanan
ganha a preciosa ajuda de seu conterrâneo Pecos Hill que o salva da morte certa
sem que o desfibrado herói esboce qualquer reação. E Buchanan já havia sido
salvo da forca por razões de marketing político arquitetado por Abe Carbo, o
assessor do juiz Simon Agry. A esta altura ninguém mais acredita que o grande
Randolph Scott, jocosamente reverenciado em “Banzé no Oeste” (Blazing Saddles), seja capaz de
vencer os gananciosos irmãos Agry. E vale lembrar que na clássica comédia de
Mel Brooks tudo na cidade dirigida por ‘Hedley Lemar’ pertencia a um certo
Johnson, o Agry local.
Acima L.Q. Jones com Roy Jenson e Al Wyatt Sr.; abaixo os mal amarrados Roy Jenson, Robert Anderson e Al Wyatt Sr. |
Western
desorientado - Sem boas lutas e sem cavalgadas, “Fibra de Herói” provoca
risos com o discurso de Pecos Hill ao ‘enterrar’ um bandido que matara, seu
ex-companheiro, sobre uma árvore porque a cova aberta por Buchanan minava água.
O personagem de L.Q. Jones diz então que o morto até que não era ruim, apesar
de trapacear no jogo de cartas e lhe roubar dinheiro da carteira. Buchanan
parece perder até nas falas engraçadas como essa, mas se recupera em alto e
obtuso estilo ao dominar três bandidos dentro de uma cabana. O Randolph Scott,
de tantas e gloriosas aventuras usa cordas para enlaçar levemente o trio
e parte do local ali deixando as armas e cavalos dos malfeitores. Poucos
segundos depois os bandidos que sem dificuldade alguma se soltaram das cordas
estão a cavalo e armados no encalço daqueles que os dominaram. Nem Mel Brooks
criaria um herói como Buchanan que, após a demonstração de total inépcia, deixa
as coisas acontecerem segundo determinam os cobiçosos Agry, os valientes Juan
De La Vega e Estebán Gomez e o misterioso e elegante Carbo. Morto o aparvalhado
Pecos Hill, Buchanan passa a ser privilegiado espectador do desfecho deste
decididamente western sem rumo.
Barry Kelley e Peter Whitney; o barman é Nacho Galindo. |
O
estranho personagem da charrete - A sequência final com a disputa do
alforje com 50 mil dólares sobre a ponte que separa Agry Town do México poderia
resultar memorável em meio aos grandes momentos dos westerns de
Scott-Boetticher. No entanto logo Buchanan se vê sem balas em seu Colt e do
outro lado da ponte não há entre os bandidos nenhum Lee Marvin, Richard Boone,
Claude Akins, Henry Silva ou Lee Van Cleef, homens maus que aterrorizaram os
personagens vividos por Scott nos faroestes que fez com Budd Boetticher. Os
bandidos de “Fibra de Herói” bem poderiam atender pelos nomes ‘Moe’, ‘Larry’ e
‘Curly’ e Peter Whitney, muito apropriadamente é chamado pelo irmão xerife de
‘frango sem cabeça correndo pelas ruas’. Sem vilões interessantes, com Randolph
Scott aparentemente mais preocupado com suas partidas de golfe e com uma
história que mais parece ter sido escrita por alguém que tomou algumas doses a mais, “Fibra
de Herói” é o que se pode chamar de western errático. Deixa, ao final, no
espectador a interrogação sobre o que pretendiam os autores com o personagem
‘Abe Carbo’, com seus trajes a la ‘Wilson’ criado por Jack Palance em "Shane", mas que
não luta, não atira, está sempre ao lado de um pachorrento juiz e só anda numa
reluzente charrete.
Craig Stevens na charrete; Stevens com Tol Avery. |
L.Q. Jones |
Filme
sem heroína - O elenco deste western de Budd
Boetticher possui apenas um destaque que é L.Q. Jones ainda novato e sem o
brilho bestializado no olhar que o caracterizaria ao longo de sua carreira de muitos
filmes, diversos deles sob as ordens de Sam Peckinpah. Neste western de
Boetticher, Jones tem um de seus melhores papéis, possibilitando demonstrar o
ótimo ator que ele era, nem sempre bem aproveitado e relegado invariavelmente a
personagens irrelevantes. Randolph Scott não precisou se esquivar do beijo
final, como tantas vezes o fez em seus filmes pois não há mocinhas neste
western. Craig Stevens em seu trabalho seguinte se tornaria famoso como ‘Peter
Gunn’, série imortalizada antes de tudo pelo incomparável tema musical criado
por Henry Mancini. Atenção para a presença de Roy Jenson como um dos homens do
xerife e de Al Wyatt Sr., desta vez como ator, ele que foi dublê de incontáveis
cowboys do cinema.
Budd Boetticher |
Ponto
baixo - Inquestionavelmente Budd Boetticher merece ter seu nome
entre os grandes diretores de westerns, mas quem quiser conhecer a obra desse aventureiro
diretor não deve jamais começar por este fraco “Fibra de Herói”. Boetticher é reconhecido
pela concisão e vigor de seus faroestes, todos eles produzidos com orçamentos
pequenos mas que resultaram quase sempre em filmes brilhantes, quando não em pequenas
obras-primas como “Sete Homens Sem Destino” (Seven Men From Now) e “O Homem que
Luta Só” (Ride Lonesome). E são faroestes como estes que tornam “Fibra de
Herói” quase indigno do nome de Budd Boetticher, ainda mais por ter contado com
a colaboração de Burt Kennedy.
"Fibra de Herói" foi gentilmente cedido pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.
Olá, Darci! Para ser sincero, gostei do filme, mesmo não estando ele entre os melhores de Boetticher/Scott. Mas é, indiscutivelmente, muito melhor do que o penúltimo que vi, o desastroso "Quem Foi Jesse James". Realmente a cena dos bandidos mal amarrados foi mal escrita, ainda mais com Buchanan deixando-os munidos com armas e cavalos (pareceu até um ato proposital). Os três irmãos patetas rechonchudos só conseguiam se impor na cidade graças aos homens que os assessoravam (do contrário...). Um bandido parecido com eles foi vivido por Charles Kemper em "Caravana de Bravos", mas esse metia mais medo. Também não me conformei muito com o conformismo do juiz após a morte do filho encrenqueiro. Apesar dessas pequenas falhas o filme se destaca através das reviravoltas no enredo, pela seqüência final na ponte envolvendo a negociação da bolsa com os $ 50.000,00 e devido à atuação de L. Q. Jones, cujo personagem mártir é sem dúvida o verdadeiro herói da história. Abração e Feliz 2019!
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