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24 de setembro de 2018

ONDA DE PAIXÕES (RAW EDGE) – A SUBMISSÃO FEMININA NO FAROESTE


Rory Calhoun
Nos anos 50 Hollywood produziu B-Westerns  em profusão, filmes que serviam como complemento dos programas duplos. Randolph Scott, Audie Murphy, George Montgomery e Rory Calhoun estavam entre os principais ‘mocinhos’ desses faroestes que invariavelmente tinham histórias parecidas e, por isso mesmo, eram logo esquecidos. Algumas dessas pequenas produções, mesmo tendo passado despercebidas pela crítica, ao serem revistas hoje surpreendem por seu conteúdo, pelo ótimo desenvolvimento da história e pelo bom aproveitamento do elenco de modo geral e este é o caso de “Onda de Paixões” (Raw Edge). Isso se deve a John Sherwood, nome quase anônimo e que passou a maior parte de sua carreira na função de assistente de direção, ele que faleceu em 1959 aos 56 anos de idade após dirigir apenas três filmes, sendo este o primeiro deles. A absurda submissão feminina é o tema inusitado no gênero e que merecia maior atenção da Universal. No entanto o estúdio relegou a produção a ser um ‘double feature’ e ainda assim resultou num faroeste muito acima da média. Fosse uma produção mais esmerada e dirigida por alguém como Anthony Mann e certamente seria saudado como um clássico e lembro que John Sherwood foi assistente de direção de Mann em diversos westerns, o que de certa forma explica as muitas virtudes de “Onda de Paixões”.


Herbert Rudley e John Gavin (acima);
Rory Calhoun
A lei de Montgomery - Em 1842, no distante Oregon disputado ainda pelos governos americano e inglês, os poderosos faziam suas próprias leis. Assim era em Montgomery onde Gerald Montgomery (Herbert Rudley) decretou que ‘toda mulher livre passaria a pertencer ao homem que primeiro a reclamasse’. Dan Kirby (John Gavin) é acusado injustamente de ter atacado Hannah Montgomery (Yvonne De Carlo), esposa de Gerald. Condenado por este num julgamento sumário, Dan é enforcado exatamente quando chega à cidade seu irmão Tex Kirby (Rory Calhoun). A índia Paca (Mara Corday) era a esposa de Dan Kirby e na condição de viúva é pleiteada, segundo a lei local, primeiro por Sile Doty (Robert J. Wilke) que fica com Paca. Quem e fato atacou Hannah foi Tarp Penny (Neville Brand), ele que com seu pai Pop Penny (Emile Meyer), são os principais capangas do poderoso Montgomery. Ambos intentam trair o patrão provocando sua morte para assim terem direito de reclamar Hannah quando esta ficasse viúva. Tex Kirby facilitaria os planos da dupla com sua intenção de vingar a morte do irmão, mas Gerald Montgomery acaba morto pelos índios da tribo de Paca. Pop Penny se outorga o direito de reclamar a viúva de Montgomery mas é alvejado fatalmente por seu filho Tarp para ficar com Hannah. Tarp e Tex Kirby entram em luta corporal e Tarp morre ao cair sobre o chifre de uma cabeça de touro empalhada. Tex e Hannah deixam Montgomery juntos.

Robert J. Wilke; Mara Corday
Um senhor feudal - Aparentemente um western antifeminista, “Onda de Paixões” é exatamente o contrário ao demonstrar que no Oregon prevalecia uma estrutura social nos moldes do feudalismo com a subjugação das mulheres aos desígnios dos dominadores. Tanto a índia Paca quanto Hannah lutam como podem resistindo ao avanço dos homens e, no caso de Hannah, até mesmo lutando fisicamente contra duas tentativas de estupro que sofre. Gerald Montgomery age como autêntico senhor feudal criando e aplicando as leis e sua própria casa lembra uma fortificação medieval com muros altos e pesado portão para garantir sua segurança. Numa terra onde o número de mulheres é acentuadamente inferior à população masculina, a disputa se torna violenta e não raro acaba em morte de um dos contendores. Foi o que aconteceu quando Sile Doty travou violenta luta contra Whitey (Ed Fury) e este foi morto por Doty que passou a ser o senhor da índia Paca. Nem mesmo Hannah Montgomery, esposa do abastado regulador escapa da sanha masculina, ela que além de ser uma bela mulher é também rica por ser casada com Montgomery. Alheio aos costumes locais é o forasteiro Tex Kirby que teria lutado ao lado de Sam Houston nas batalhas pelo Texas e depois feito parte dos Texas Rangers. A ele só interessa vingar a morte do irmão injustamente enforcado.

Emile Meyer e Neville Brand;
Yvonne De Carlo e Rex Reason
Ganância e perversão - Os 77 minutos da metragem original de “Onda de Paixões” não permitem uma mais profunda abordagem sobre o tema e um melhor desenvolvimento de alguns personagens. É o caso de John Randolph (Rex Reason), elegante jogador e inteligente o bastante para apostar na morte de Gerald Montgomery e assumir seu lugar. Pouco se sabe do passado de John Randolph e sua presença na história acaba tendo menor importância do que a princípio é indicado. O mesmo ocorre com a presença dos índios no filme, pois ao centrar a ação entre os brancos perde-se de vista a justeza de seus motivos que levam a fazer pagar com a vida o impiedoso Montgomery. Porém o grande vilão do filme não é esse senhor absolutista e sim Tarp Penny, violento e desmesurado na sua torpeza que vai desde as tentativas de estupro a Hannah Montgomery até não hesitar em atirar no próprio pai pelas costas para vê-lo fora de seu caminho. Une ele a ganância à perversão. Nessa terra de ninguém todos agem de forma condenável e brutal acreditando-se no exercício de seus direitos. É o obscurantismo medieval imperando numa região onde a lei verdadeira ainda não chegou.

Yvonne De Carlo e Mara Corday

Emile Meyer e Neville Brand; Neville Brand
Lutas empolgantes - Em meio às disputas pelo poder e pelas mulheres são travadas lutas corporais memoráveis como a do fortíssimo Ed Fury contra o brutamontes Bob Wilke, seguida do embate entre os não menos fortes Emile Meyer e Neville Brand e por último a contenda entre Rory Calhoun e Brand. Meyer colocando Brand fora de combate abatendo-o com um enorme bule é uma sequência de grande violência mas perfeita em sua concepção cinematográfica. Os stuntmen que atuaram neste filme foram Bob Morgan e Richard Farnsworth, mas os próprios atores participam da maior parte das lutas encenadas brilhantemente por John Sherwood. Yvonne De Carlo e Mara Corday têm, ambas, importantes participações na história, longe de serem apenas bonitos rostos de mulher em um faroeste. Yvonne, especialmente, interpreta uma mulher de admirável força e sua resistência diante de Neville Brand dentro de um rio e caindo de uma cachoeira é marcante. Um lapso do roteiro é não explicar como ela se deixou dominar por alguém sórdido como Gerald Montgomery.

Rory Calhoun e Neville Brand

Neville Brand
Neville Brand feroz e odioso - Mais que o próprio Rory Calhoun, é Neville Brand quem domina inteiramente “Onda de Paixões”. Cínico, feroz, odioso, Brand está perfeito e sua força física completa suas feições sempre ameaçadoras. Emile Meyer tem oportunidade de demonstrar a brutalidade que deveria ter tido como um dos suaves irmãos Riker em “Os Brutos Também Amam” (Shane). Tivesse Emile Meyer sido escolhido para interpretar Gerald Montgomery e este personagem teria crescido no filme, sem dúvida. Bob Wilke desaparece na segunda metade da história, ele que é outro vilão marcante e que mais poderia contribuir neste western. John Gavin aparece em pequeno papel, parte do processo de lançamento de atores jovens que a Universal costumava fazer. Ed Fury pouco depois mostraria seus músculos como Ursus e Maciste nos ‘espada e sandálias’ que virariam moda na Itália. A bela Mara Corday nunca se graduou para filmes ‘A’ e, já madura, teve participações em filmes produzidos por seu amigo Clint Eastwood.

Rory Calhoun
Paixão e desejo - Como era comum nos faroestes dos anos 50, “Onda de Paixões” apresenta durante os créditos iniciais uma balada narrativa intitulada “Raw Edge”, composta e cantada por Terry Gilkyson. Numa tradução aproximada, ‘raw edge’ significa algo em estado bruto, título apropriado para o Oregon cantado nos versos de Gilkyson. A história não chega a apresentar paixões como o título indica, mas sim desejo sexual latente. Assim como Yvonne De Carlo que encontrou por dois anos na TV (‘The Monsters’) um prolongamento de sua carreira, Rory Calhoun faria sucesso como ‘O Texano’ na série que teve muitos fãs nas duas temporadas em que ficou no ar. Os westerns de Rory Calhoun são geralmente bons e este é muito bom, indispensável mesmo como exemplo de história com maior profundidade ainda que numa produção menor. 


2 comentários:

  1. muitos podem não gostar,mas prá mim,é um excelente western.ainda mais com a partiçipação de duas belas atrizes como Yvonne de Carlo e a linda Mara Corday.sem contar com as presenças de Neville Brand,Emile Meyer,Robert J.Wilke e Rex Reason.Neville Brand será sempre lembrado como o Hinz bennett da série Laredo.

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