24 de setembro de 2018

ONDA DE PAIXÕES (RAW EDGE) – A SUBMISSÃO FEMININA NO FAROESTE


Rory Calhoun
Nos anos 50 Hollywood produziu B-Westerns  em profusão, filmes que serviam como complemento dos programas duplos. Randolph Scott, Audie Murphy, George Montgomery e Rory Calhoun estavam entre os principais ‘mocinhos’ desses faroestes que invariavelmente tinham histórias parecidas e, por isso mesmo, eram logo esquecidos. Algumas dessas pequenas produções, mesmo tendo passado despercebidas pela crítica, ao serem revistas hoje surpreendem por seu conteúdo, pelo ótimo desenvolvimento da história e pelo bom aproveitamento do elenco de modo geral e este é o caso de “Onda de Paixões” (Raw Edge). Isso se deve a John Sherwood, nome quase anônimo e que passou a maior parte de sua carreira na função de assistente de direção, ele que faleceu em 1959 aos 56 anos de idade após dirigir apenas três filmes, sendo este o primeiro deles. A absurda submissão feminina é o tema inusitado no gênero e que merecia maior atenção da Universal. No entanto o estúdio relegou a produção a ser um ‘double feature’ e ainda assim resultou num faroeste muito acima da média. Fosse uma produção mais esmerada e dirigida por alguém como Anthony Mann e certamente seria saudado como um clássico e lembro que John Sherwood foi assistente de direção de Mann em diversos westerns, o que de certa forma explica as muitas virtudes de “Onda de Paixões”.


Herbert Rudley e John Gavin (acima);
Rory Calhoun
A lei de Montgomery - Em 1842, no distante Oregon disputado ainda pelos governos americano e inglês, os poderosos faziam suas próprias leis. Assim era em Montgomery onde Gerald Montgomery (Herbert Rudley) decretou que ‘toda mulher livre passaria a pertencer ao homem que primeiro a reclamasse’. Dan Kirby (John Gavin) é acusado injustamente de ter atacado Hannah Montgomery (Yvonne De Carlo), esposa de Gerald. Condenado por este num julgamento sumário, Dan é enforcado exatamente quando chega à cidade seu irmão Tex Kirby (Rory Calhoun). A índia Paca (Mara Corday) era a esposa de Dan Kirby e na condição de viúva é pleiteada, segundo a lei local, primeiro por Sile Doty (Robert J. Wilke) que fica com Paca. Quem e fato atacou Hannah foi Tarp Penny (Neville Brand), ele que com seu pai Pop Penny (Emile Meyer), são os principais capangas do poderoso Montgomery. Ambos intentam trair o patrão provocando sua morte para assim terem direito de reclamar Hannah quando esta ficasse viúva. Tex Kirby facilitaria os planos da dupla com sua intenção de vingar a morte do irmão, mas Gerald Montgomery acaba morto pelos índios da tribo de Paca. Pop Penny se outorga o direito de reclamar a viúva de Montgomery mas é alvejado fatalmente por seu filho Tarp para ficar com Hannah. Tarp e Tex Kirby entram em luta corporal e Tarp morre ao cair sobre o chifre de uma cabeça de touro empalhada. Tex e Hannah deixam Montgomery juntos.

Robert J. Wilke; Mara Corday
Um senhor feudal - Aparentemente um western antifeminista, “Onda de Paixões” é exatamente o contrário ao demonstrar que no Oregon prevalecia uma estrutura social nos moldes do feudalismo com a subjugação das mulheres aos desígnios dos dominadores. Tanto a índia Paca quanto Hannah lutam como podem resistindo ao avanço dos homens e, no caso de Hannah, até mesmo lutando fisicamente contra duas tentativas de estupro que sofre. Gerald Montgomery age como autêntico senhor feudal criando e aplicando as leis e sua própria casa lembra uma fortificação medieval com muros altos e pesado portão para garantir sua segurança. Numa terra onde o número de mulheres é acentuadamente inferior à população masculina, a disputa se torna violenta e não raro acaba em morte de um dos contendores. Foi o que aconteceu quando Sile Doty travou violenta luta contra Whitey (Ed Fury) e este foi morto por Doty que passou a ser o senhor da índia Paca. Nem mesmo Hannah Montgomery, esposa do abastado regulador escapa da sanha masculina, ela que além de ser uma bela mulher é também rica por ser casada com Montgomery. Alheio aos costumes locais é o forasteiro Tex Kirby que teria lutado ao lado de Sam Houston nas batalhas pelo Texas e depois feito parte dos Texas Rangers. A ele só interessa vingar a morte do irmão injustamente enforcado.

Emile Meyer e Neville Brand;
Yvonne De Carlo e Rex Reason
Ganância e perversão - Os 77 minutos da metragem original de “Onda de Paixões” não permitem uma mais profunda abordagem sobre o tema e um melhor desenvolvimento de alguns personagens. É o caso de John Randolph (Rex Reason), elegante jogador e inteligente o bastante para apostar na morte de Gerald Montgomery e assumir seu lugar. Pouco se sabe do passado de John Randolph e sua presença na história acaba tendo menor importância do que a princípio é indicado. O mesmo ocorre com a presença dos índios no filme, pois ao centrar a ação entre os brancos perde-se de vista a justeza de seus motivos que levam a fazer pagar com a vida o impiedoso Montgomery. Porém o grande vilão do filme não é esse senhor absolutista e sim Tarp Penny, violento e desmesurado na sua torpeza que vai desde as tentativas de estupro a Hannah Montgomery até não hesitar em atirar no próprio pai pelas costas para vê-lo fora de seu caminho. Une ele a ganância à perversão. Nessa terra de ninguém todos agem de forma condenável e brutal acreditando-se no exercício de seus direitos. É o obscurantismo medieval imperando numa região onde a lei verdadeira ainda não chegou.

Yvonne De Carlo e Mara Corday

Emile Meyer e Neville Brand; Neville Brand
Lutas empolgantes - Em meio às disputas pelo poder e pelas mulheres são travadas lutas corporais memoráveis como a do fortíssimo Ed Fury contra o brutamontes Bob Wilke, seguida do embate entre os não menos fortes Emile Meyer e Neville Brand e por último a contenda entre Rory Calhoun e Brand. Meyer colocando Brand fora de combate abatendo-o com um enorme bule é uma sequência de grande violência mas perfeita em sua concepção cinematográfica. Os stuntmen que atuaram neste filme foram Bob Morgan e Richard Farnsworth, mas os próprios atores participam da maior parte das lutas encenadas brilhantemente por John Sherwood. Yvonne De Carlo e Mara Corday têm, ambas, importantes participações na história, longe de serem apenas bonitos rostos de mulher em um faroeste. Yvonne, especialmente, interpreta uma mulher de admirável força e sua resistência diante de Neville Brand dentro de um rio e caindo de uma cachoeira é marcante. Um lapso do roteiro é não explicar como ela se deixou dominar por alguém sórdido como Gerald Montgomery.

Rory Calhoun e Neville Brand

Neville Brand
Neville Brand feroz e odioso - Mais que o próprio Rory Calhoun, é Neville Brand quem domina inteiramente “Onda de Paixões”. Cínico, feroz, odioso, Brand está perfeito e sua força física completa suas feições sempre ameaçadoras. Emile Meyer tem oportunidade de demonstrar a brutalidade que deveria ter tido como um dos suaves irmãos Riker em “Os Brutos Também Amam” (Shane). Tivesse Emile Meyer sido escolhido para interpretar Gerald Montgomery e este personagem teria crescido no filme, sem dúvida. Bob Wilke desaparece na segunda metade da história, ele que é outro vilão marcante e que mais poderia contribuir neste western. John Gavin aparece em pequeno papel, parte do processo de lançamento de atores jovens que a Universal costumava fazer. Ed Fury pouco depois mostraria seus músculos como Ursus e Maciste nos ‘espada e sandálias’ que virariam moda na Itália. A bela Mara Corday nunca se graduou para filmes ‘A’ e, já madura, teve participações em filmes produzidos por seu amigo Clint Eastwood.

Rory Calhoun
Paixão e desejo - Como era comum nos faroestes dos anos 50, “Onda de Paixões” apresenta durante os créditos iniciais uma balada narrativa intitulada “Raw Edge”, composta e cantada por Terry Gilkyson. Numa tradução aproximada, ‘raw edge’ significa algo em estado bruto, título apropriado para o Oregon cantado nos versos de Gilkyson. A história não chega a apresentar paixões como o título indica, mas sim desejo sexual latente. Assim como Yvonne De Carlo que encontrou por dois anos na TV (‘The Monsters’) um prolongamento de sua carreira, Rory Calhoun faria sucesso como ‘O Texano’ na série que teve muitos fãs nas duas temporadas em que ficou no ar. Os westerns de Rory Calhoun são geralmente bons e este é muito bom, indispensável mesmo como exemplo de história com maior profundidade ainda que numa produção menor. 


12 de setembro de 2018

AMOR FEITO DE ÓDIO (THE MAN WHO LOVED CAT DANCING) – BURT REYNOLDS RUDE E SENTIMENTAL



Burt Reynolds
Burt Reynolds foi um daqueles poucos atores de seu tempo que percorreu uma a uma todas as etapas até se tornar o grande campeão de bilheterias entre meados de 1970 e 1980. Antes de, por cinco vezes seguidas, ser o ator mais rentável de Hollywood Reynolds atuou bastante na TV. De 1962 a 1965 ele interpretou o jovem cowboy ‘Quint’ na série “Gunsmoke”. Mesmo com o sucesso do personagem, que logo se tornou o preferido do público feminino, as oportunidades no cinema não eram as esperadas e, assim como ocorreu com Clint Eastwood, Burt Reynolds aceitou o aceno vindo de Cinecittà. Dirigido por Sergio Corbucci ele foi “Joe, o Pistoleiro Implacável” (Navajo Joe), de 1966, impressionando favoravelmente nesse excelente faroeste. Como os westerns spaghetti não eram exibidos nos Estados Unidos, o que somente passou a ocorrer após o estrondoso sucesso da Trilogia dos Dólares de Sergio Leone, o público norte-americano demorou a ‘descobrir’ que Burt Reynolds era não uma ‘prata da casa’, mas verdadeiramente (e assim como Clint) ‘ouro da casa’. Em Hollywood, depois de “Sam Whiskey, o Proscrito” (Sam Whiskey), de 1969 e outras produções menos expressivas, veio a oportunidade de atuar no filme que o transformou indiscutivelmente em grande astro, que foi “Amargo Pesadelo” (1972). Daí para a frente o nome de Burt Reynolds passou a ser sinônimo de sucesso, ele que se tornou o novo sex-symbol de Hollywood. Com esse status podia escolher seus papéis e decidiu fazer outro western contatado que foi para protagonizar “The Man Who Loved Cat Dancing”, baseado no livro de Marilyn Durham. Os produtores vislumbraram que esse primeiro trabalho da escritora resultaria num filme bem sucedido e para fazer o par romântico com Reynolds foi chamada a atriz inglesa Sarah Miles, em evidência após o êxito de “A Filha de Ryan”.


Sarah Miles e Burt Reynolds
O amor por Cat Dancing - Intitulado no Brasil “Amor Feito de Ódio”, o western conta a história de Wesley Jay Grobart (Burt Reynolds) que foi casado com a índia Cat Dancing, com quem teve dois filhos. Cat Dancing foi estuprada por um homem e Grobart, acreditando que ela tenha sido adúltera, vinga-se assassinando a ambos, sendo preso e condenado. Libertado Grobart reúne um bando formado por Dawes (Jack Warden), Billy Bowen (Bo Hopkins) e o mestiço Charlie Bent (Jay Varela). O bando assalta um trem roubando cem mil dólares e na fuga os bandidos são forçados a levar junto Catherine Crocker (Sarah Miles), mulher que vagava a cavalo após ter abandonado o marido Willard Crocker (George Hamilton). Catherine passa a ser um estorvo por retardar a fuga do bando e ainda por ser assediada por Dawes e Billy, sendo protegida por Grobart, o líder do bando e por quem Catherine se apaixona sem ser correspondida pois Grobart nunca esqueceu Cat Dancing. Uma patrulha sob o comando do xerife Harvey Lapchance (Lee J. Cobb) segue na captura da quadrilha e à patrulha se junta Willard que procura pela esposa acreditando ter sido ela sequestrada. O bando se desentende e ao final apenas Grobart permanece vivo. Grobart corresponde enfim ao amor de Catherine justamente quando são alcançados pela patrulha. Willard percebe que sua esposa agora pertence a Grobart e este é ferido no confronto com os homens de Lapchance. Willard se prepara para desferir o tiro fatal no desafeto quando Catherine alveja o marido matando-o. Lapchance recupera o dinheiro roubado e deixa Grobart seguir livre com Catherine.

Marilyn Durham
Problemas sem fim - Quando um filme tem tudo para dar errado dificilmente ele dará certo e foi o que aconteceu com este western. Inicialmente Brian G. Hutton deveria ser o diretor, chegando até a colaborar no roteiro, desistindo porém da empreitada; foi então sondado o nome de um jovem diretor chamado Steven Spielberg que também não gostou da história e recusou a proposta. Richard C. Sarafian, diretor egresso da TV e que ainda saboreava o inesperado pequeno sucesso de “Corrida Contra o Destino”, filme que se tornara instantaneamente ‘cult’, aceitou dirigir “Amor Feito de Ódio”. A história de Marilyn Durham já havia passado por diversas mãos de roteiristas, sendo então definida a versão de Eleanor Perry para ser filmada. Ocorre que Sarah Miles exigiu que seu marido Robert Bolt reescrevesse os seus diálogos. Bolt era o premiado roteirista de “Lawrence da Arábia”, “Doutor Jivago”, “O Homem que Não Vendeu Sua Alma” e “A Filha de Ryan” e trabalhou sem crédito. Iniciadas as filmagens em Gila Bend, no Arizona, ocorreu a morte de David Whiting, secretário de Sarah Miles, morte jamais devidamente esclarecida, ainda que tenha se falado em suicídio e também overdose por drogas. Whiting e Sarah eram amantes e o rapaz desconfiou que Sarah e Burt Reynolds estavam tendo um caso. Como não poderia deixar de ser a imprensa sensacionalista explorou ao extremo a tragédia. Mesmo com um stuntman renomado como Al Needham comandando a equipe de substitutos, Burt Reynolds e Jack Warden dispensaram dublês para a brutal sequência de luta entre seus personagens e como resultado Reynolds passou uma semana no hospital após ganhar uma hérnia com o esforço despendido, atrasando as filmagens. Mas nada do que aconteceu foi pior que o equívoco de ter a inglesa Sarah Miles como a mulher independente faz o rude homem do Oeste esquecer Cat Dancing.

Sarah Miles e Burt Reynolds; Jack Kruschen e Burt Reynolds

Sarah Miles e George Hamilton
Escolhas equivocadas - Marilyn Durham era uma escritora feminista e quando seu livro foi publicado, em 1972, chamou a atenção justamente por ter como protagonista uma mulher liberada que não vacila em abandonar o repressivo marido abastado. No decorrer da história é essa mulher quem enlouquece componentes do bando a ponto de ser currada por um deles, momento chave do filme que no entanto resultou inconvincente por não possuir Sarah Miles a necessária sensualidade para atrair e a tenacidade para resistir. A confusa (no filme) passagem da morte da índia Cat Dancing, passagem à qual apenas se faz referências, seria uma analogia com o estupro posteriormente cometido por Dawes. Nada funciona porque Sarah é delicada demais e sua languidez a impede de emanar o erotismo que a personagem exigia. Tivesse a atriz inglesa uma pequena dose da lascívia que Claudia Cardinalle exibe em “Os Profissionais” (The Professionals) e a narrativa seria crível, mais ainda porque a história de Marilyn Durham guarda certas semelhanças com a trama do filme de Richard Brooks de 1966. Voltando ao escândalo que envolveu os bastidores de “Amor Feito de Ódio”, especulou-se sobre a possível relação amorosa entre Reynolds e Sarah Miles, que pode ter ocorrido de fato já que o ator era então o homem mais desejado do cinema. Mas no filme não se vê a menor química entre ambos e aí que o faroeste decai. Além de Sarah Miles, George Hamilton também foi um escolha errada como o vingativo marido abandonado, a não ser que o espectador acredite ser o simpático ator capaz de brutalidades inenarráveis.

Sarah Miles e Burt Reynolds
Inesperado ‘happy end’ - “Amor Feito de Ódio” caminha bem em sua primeira metade mesmo com Sarah Miles destruindo sua personagem. Entre os bons momentos filmados por Sarafian está a ótima sequência do assalto ao trem, que é seguida pelos esperados desentendimentos entre o bando. Bo Hopkins repete o jovem idiotizado de “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch) e Jack Warden vai pouco a pouco se revelando um bandido assustador pela violência. Depois de quebrar as costelas de Hopkins em uma luta corporal, se defronta em outro momento brutal desta vez contra Burt Reynolds e como este é o herói da história abate o opositor. Com o bando exterminado e restando apenas o amargurado e introspectivo Jay Grobart (Reynolds) a história perde o rumo com Grobart visitando a tribo onde estão seus dois filhos. Tem lugar então cansativas reflexões e revelações por parte dos amigos índios de Grobart, bem como a pretensa justificativa da razão que o teria levado a assaltar um trem. Catherine (Miles) torna-se amável e submissa e a patrulha comandada por Lee J. Cobb não se esforça muito para encontrar o casal remanescente da fuga até o desfecho inesperadamente feliz.

Burt Reynolds
Reynolds pré-‘Bandit’ - O melhor deste western é a presença de Burt Reynolds como o homem ríspido que se revela amargurado pelo passado trágico. Jack Warden igualmente está ótimo como o mais agressivo bandido, enquanto Lee J. Cobb aparece sem oportunidade de exibir sua característica exasperação, o que o torna um ator menos interessante. Sarah Miles chega até a exibir parte de sua nudez e mesmo nisso é pouco natural; fazê-la andar a cavalo segurando uma sombrinha lembrando a protagonista de “A Filha de Ryan” é risível. Jay Silverheels quase irreconhecível como um envelhecido chefe índio com uma vasta cabeleira branca. A cinematografia de Harry Stradling Jr. é eficiente e o mesmo não se pode dizer da trilha sonora musical de John Williams. Originalmente Michel Legrand havia composto a trilha musical para este western, trabalho que foi inteiramente vetado, sendo suas composições substituídas pelas de Williams. Burt Reynolds, que como poucos retratava com perfeição um cowboy, aduziu a esse tipo uma dose grande de cinismo e irreverência e conquistou Hollywood como o ‘Bandido’ da série de aventuras que começou com “Agarre-me se Puderes” e fez dele um astro de primeiríssima grandeza nem sempre reconhecido por seu talento interpretativo. “Amor Feito de Ódio” possibilita ver esse Burt Reynolds.

Bo Hopkins e Sarah Miles; Jay Silverheels; Sarah Miles e Jack Kruschen

1 de setembro de 2018

A CONQUISTA DO OESTE (How the West Was Won) – O PRETENSIOSO WESTERN EM CINERAMA


Henry Hathaway (acima);
John Ford dirigindo Carroll Baker
e George Peppard; George Marshall
Na década de 50 o cinema perdia celeremente terreno para a televisão e como saída passou então a buscar formas de atrair o público que preferia o conforto da poltrona em casa mesmo que diante da pequena e ainda chuvisquenta telinha. Foram criados então o Cinemascope e a 3.ª Dimensão sendo que antes deles havia aparecido o Cinerama, em 1952. Utilizado inicialmente para documentários, em 1961 ocorreu a experiência de se fazer um filme com história e atores quando a MGM realizou na Europa “O Mundo Maravilhoso dos Irmãos Grimm”. A mesma MGM que vinha apostando em grandes produções como “Ben-Hur” e “Cimarron” para levar mais espectadores ao cinema, decidiu produzir um western utilizando o processo Cinerama que não era mais uma novidade, a não ser para os diretores e cinegrafistas de cinema que desconheciam os pesados equipamentos necessários para o processo. O projeto da MGM recebeu o título “How the West Was Won” (A Conquista do Oeste) e era tão ambicioso que nada menos que três diretores foram contratados para dirigir o filme que seria dividido em partes. Esses diretores eram os conceituados John Ford, Henry Hathaway e George Marshall, todos acostumados com o gênero. O elenco reunido para esse western era praticamente metade da constelação de astros e estrelas de Hollywood, tudo para contar a saga da família Rawlings que se estende por meio século, de 1839 a 1889, o período em que o Oeste foi conquistado, como sugere o título. James R. Webb, roteirista dos bem sucedidos comercialmente “Vera Cruz” e “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country) escreveu o roteiro dividido em cinco segmentos: ‘Os Rios’, ‘As Planícies’, ‘Os Bandidos’ (os três dirigidos por Henry Hathaway), ‘A Guerra Civil’ (John Ford) e ‘A Estrada de Ferro’ (George Marshall). Como a intenção era realizar o’ faroeste definitivo’ o projeto foi orçado em 12 milhões de dólares, chegando aos 15 milhões, mas o filme rendeu mais de 50 milhões de dólares quando de seu lançamento, transformando-se em grande sucesso.



Debbie Reynolds, Karl Malden, Carroll Baker
e Agnes Moorehead; centro: George Peppard,
Debbie Reynolds e Carolyn Jones;
Rodolfo Acosta, Jack Lambert, Harry Dean
Stanton e Eli Wallach
Dos pioneiros aos bandidos - Os cinco segmentos de “A Conquista do Oeste” procuram contar como se deu o heroísmo dos pioneiros narrando inicialmente o encontro de Zebulon Prescott (Karl Malden) com Linus Rawlings (James Stewart). Zebulon leva a família da Nova Inglaterra para o Oeste em uma barcaça lotada com outras famílias através do Erie Canal. Linus, um caçador de peles, se casa com Eve Prescott (Carroll Baker), uma das filhas de Zebulon e o casal adquire uma fazenda onde se estabelece. Lilith (Debbie Reynolds), a irmã de Eve vai para São Francisco onde se exibe como cantora e dançarina nos palcos da cidade. Lilith é cortejada pelo jogador Cleve (Gregory Peck) e pelo chefe de caravanas Roger (Robert Preston), preferindo o primeiro. Em 1862 Linus participa como Capitão do Exército da União da sangrenta Batalha de Shiloh, morrendo durante o combate. Seu filho Zeb (George Peppard) parte então para a Guerra Civil onde evita uma tentativa de assassinato do General Grant (Harry Morgan). Finda a Guerra Civil Zeb, agora como Tenente é destacado para acompanhar a implantação da ferrovia Central Pacific que atravessa terras dos índios, que se rebelam e atacam a ferrovia. Zeb desliga-se do Exército e se torna xerife, defrontando-se com o fora-da-lei Charlie Gant (Eli Wallach) e seu bando quando estes atacam um trem que carrega passageiros e valores.

Debbie Reynolds e Gregory Peck
A técnica prejudicando a história - Um filme dividido em episódios e dirigido por diferentes diretores teria uma dificuldade inicial a superar que seria a própria unidade da história, mais ainda quando ela abrange meio século e focaliza eventos importantes da ‘conquista do oeste’. Porém não foi esse o maior obstáculo para que este arrojado projeto cinematográfico resultasse em um bom filme e sim o uso da técnica diferente que mais que beneficiar a produção lhe trouxe prejuízos. Quanto mais as revoluções tecnológicas ganham importância na produção de filmes mais perde espaço a arte interpretativa e o aspecto humano que ela transmite. Muito se escreveu sobre o incômodo dos três diretores e dos atores com os pesados equipamentos que eram as câmeras do processo Cinerama. E se as empolgantes imagens de ação (sempre com dublês substituindo os atores) e as espetaculares tomadas panorâmicas impressionam, o filme cai verticalmente quando ocorrem as sequências dialogadas. O admirável elenco reunido, com atores do porte de Henry Fonda, Richard Widmark, Gregory Peck, Agnes Moorehead e muitos outros, têm seus personagens mal desenvolvidos, entrando e saindo da história sem praticamente nada acrescentar a ela. E parte da culpa cabe ainda a James R. Webb, responsável pelos diálogos que formam um grande conjunto de frases feitas, algumas vezes insossas e que pouco dizem.

Henry Fonda
Segmentos fracos - Um episódio da maior importância, por sinal o único historicamente real que foi a Guerra Civil, teve como diretor o aclamado John Ford. Deixa esse segmento a impressão de ter sido feito às pressas e sem a marca poética, característica de Ford, mesmo em se tratando de um drama familiar passado no encarniçado conflito. E sabe-se que sequências de combate que surgem na tela foram tirados de cenas não utilizadas em “O Álamo” (The Alamo) e em A Árvore da Vida (Raintree County), de 1957. Outro episódio que deixa a desejar é o que trata da ferrovia e no qual os personagens de Henry Fonda e Richard Widmark parecem perdidos entre os confusos diálogos. Compensa nesse episódio o estouro da manada de búfalos promovido pelos índios no ataque ao canteiro de obras da Central Pacific. É neste episódio que melhor se nota a dificuldade dos atores em relação à câmera central (eram três câmeras no processo Cinerama), situada muito próxima do ator.

Richard Widmark; John Wayne e Harry Morgan

Sequências perigosas com George Peppard
e dublês.
Embate emocionante - Os demais segmentos ficaram a cargo de Henry Hathaway que se saiu melhor não só porque contou com um roteiro mais plausível como também por sua reconhecida competência. Nada razoável é James Stewart passar por um caçador capaz de manter um romance com a jovem Carroll Baker, o que é esquecido com a ótima sequência em que a jangada com os Prescotts é levada pela correnteza. Em seguida é Debbie Reynolds que centraliza o episódio em que é disputada pelo ótimo Robert Preston e por Gregory Peck, triângulo que se prolonga e dá espaço à presença de Thelma Ritter. Esta, nos poucos momentos em que está na tela, demonstra que bem poderia ser melhor aproveitada pela graça que incute à personagem. É nesse episódio que ocorre outra ótima sequência (de ação) com o ataque dos índios à caravana. Se um nome do elenco pudesse ter maior destaque em razão da importância de seu personagem este seria George Peppard que transita por três episódios, inclusive o segmento final denominado ‘Os Foras-da-Lei’, como xerife. É essa parte que apresenta o ponto alto do filme com o embate entre o bando de Charlie Gant e o xerife Rawlings, este ao lado do delegado Lou Ramsey (Lee J. Cobb), com o trem em movimento. Esta é daquelas sequências que vistas em tela pequena não atingem a dimensão com que foram concebidas mas ainda assim impressiona sobremaneira. O realismo exigido por Hathaway mostra George Peppard em situações de grande risco, pendurado por uma corrente em toras prestes a rolar do vagão. Peppard teve como dublê Bob Morgan (então marido de Yvonne De Carlo) e foi nessa sequência que Morgan sofreu um acidente e teve a perna decepada.

Debbie Reynolds e Thelma Ritter
Atores mal aproveitados - Eli Wallach repete os trejeitos do bandido ‘Calvera’ que criou em “Sete Homens e um Destino” (The Magnificent Seven), ele que ficaria célebre como outro bandido, o ‘Tuco’ pelas mãos de Sérgio Leone. Se Wallach teve realce, Lee Van Cleef, que interpreta um pirata dos rios, não era ainda nome merecedor de maior atenção. Poucos anos depois, assim como ocorreu com Eli Wallach, Lee Van Cleef se tornaria grande atração por atuações em westerns spaghetti. Mesmo com quase três horas de duração “A Conquista do Oeste” não permite que bons atores apareçam por mais tempo ou mesmo tenham alguma fala, caso de Harry Dean Stanton e do menos conhecido Jack Lambert. Raymond Massey não faz mais que uma ponta no episódio dirigido por John Ford e Walter Brennan quase irreconhecível como um pirata dos rios. Spencer Tracy deveria atuar mas por problemas de saúde foi apenas o narrador, enquanto Richard Thorpe não recebeu crédito pelas sequências de transição entre os segmentos. sequências que ele dirigiu.

Filme para tela grande – Foi grande o sucesso deste épico, especialmente nos Estados unidos e na Inglaterra. Em Londres o filme permaneceu 123 semanas em cartaz no mesmo cinema que o exibia no processo Cinerama. Assistido em telas pequenas perde-se, inevitavelmente como acontece com muitos filmes de concepção monumental, muito da grandeza épica que “A Conquista do Oeste” pretendeu ter com a exuberância das imagens feitas nos magníficos cenários do Oeste norte-americano. As versões lançadas em VHS e DVD foram apresentadas em formatos que prejudicaram enormemente o impacto do filme. Foi lançada há pouco tempo uma versão em Blu-Ray que mantém, segundo o cinéfilo Sebá Santos, as incômodas faixas dividindo a tela em três. No entanto há comentários que atestam que esse é um dos melhores filmes para serem assistidos em Blu-Ray. Confesso que não vi essa versão.

Nunca o ‘western definitivo’ - As imponentes imagens capturadas por quatro cinegrafistas são realçadas pela música inspirada ainda que um tanto suntuosa e intrusiva de Alfred Newman. Indicado em oito categorias para o Oscar, entre elas a de Melhor Filme e Melhor Score Musical, “A Conquista do Oeste” abiscoitou somente os prêmios de Melhor Edição, Melhor Som e Melhor Roteiro (escrito diretamente para o cinema). Longe de ser um western ruim, “A Conquista do Oeste” não consegue ser o filme definitivo sobre o gênero como pretendia sua produção. E o meio termo dá razão àqueles que defendem a tese que um western, quanto mais simples melhor.

Debbie Reynolds e Carroll Baker

James Stewart e Eli Wallach