UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

18 de setembro de 2015

VOU... MATO E VOLTO (VADO... L’AMAZZO E TORNO) OU ‘VOU... ASSISTO E ME DIVIRTO’


Os títulos dos westerns-spaghetti eram uma diversão à parte na segunda metade dos anos 60 quando esse subgênero do faroeste tomou de assalto as telas do mundo inteiro. A cada semana pelo menos um ou dois títulos eram anunciados, alguns inspirados no sucesso da ‘Trilogia dos Dólares’ de Sergio Leone, outros em “O Dólar Furado”, e ainda um sem número de títulos contendo o mágico número sete que rendeu infinitas combinações. E havia ainda aqueles títulos, decididamente de mau gosto, que viravam piada entre o público e entre os muitos críticos que abominavam qualquer western não produzido por Hollywood. Quando na primeira semana de julho de 1968 “Vou... Mato e Volto” foi lançado em São Paulo, o que mais se ouvia eram chacotas com esse título que virou rapidamente “Vou no Mato e Volto” e outras variantes, algumas impublicáveis. No entanto o western-spaghetti tinha um público cativo que só aumentava e, alheio às zombarias, este terceiro filme de Enzo G. Castellari, diretor então com 29 anos de idade, fez sucesso na capital paulista, permanecendo oito semanas consecutivas nos cinemas lançadores, passando depois para o circuito dos bairros. Essa bela carreira tinha razão de ser pois “Vou... Mato e Volto” (Vado... L’Amazzo e Torno) possui uma trama que foge do lugar comum que havia tomado conta dos westerns-spaghetti e é, antes de tudo, um filme extremamente divertido.


Gilbert Roland e George Hilton
Parceiros nada confiáveis - Um caçador de recompensas conhecido apenas por Forasteiro (George Hilton) está à caça de Monetero (Gilbert Roland), chefe de uma quadrilha que tem a cabeça a prêmio. Monetero e seu bando assaltam um trem que carrega 300 mil dólares em moedas, dinheiro pertencente a um banco de Boston. O dinheiro fica em poder de Pajondo (Ignazio Spalla), homem de confiança de Monetero, que trai o chefe e esconde os 300 mil dólares numa missão semidestruída de nome Cuenca. Pajondo é morto pelo Exército norte-americano que procura resgatar o dinheiro e prender Monetero. Clayton (Edd Byrnes), um funcionário do banco, quer também reaver o produto do roubo, assim como o inconformado Monetero. Enquanto isso o caçador de recompensas segue a todos e descobre que Clayton e Monetero se tornaram aliados. Mas como nenhum deles é confiável, as alianças são feitas e rompidas, inclusive as feitas com o Forasteiro. Surge um outro interessado chamado Blackman (Gérard Herter) que trabalha para a companhia de seguros contratada pelo banco. Ao final, depois de uma sucessão de traições entre os três parceiros, Monetero, Clayton e o Forasteiro chegam ao local onde foram escondidos os 300 mil dólares, fazendo a partilha entre eles. Até que uma nova traição os separe...

Covers de Mortimer,
Django e o Estranho. 
Sabor jocoso - “Vou... Mato e Volto” se inicia com três foras-da-lei procurados pela Justiça sendo mortos pelo Forasteiro. Os três são cópias descaradas do Coronel Douglas Mortimer, de Django e do Estranho Sem Nome, personagens que ficaram célebres interpretados respectivamente por Lee Van Cleef, Franco Nero e Clint Eastwood. Três caixões vazios são transportados em uma carroça e dentro de cada caixão há um cartaz, cada qual com o nome de um dos três imitadores. Após essa introdução paródica começa a trama real do filme, sem nunca perder o sabor jocoso que pouco a pouco envolve os três principais participantes, a princípio circunspectos. Sem se definir como western cômico, na linha daqueles estrelados por Bob Hope ou “O Rei do Laço” (Pardners), Castellari imprime um ritmo farsesco com reviravoltas que evitam a previsibilidade das comédias. Se Gilbert Roland não tem o mínimo cacoete para fazer graça, George Hilton e Edd Byrnes disputam quem é mais cínico e atrevido. Com ponto extra para Byrnes devido à sua incrível forma física que lhe permite audaciosas acrobacias. Byrnes surpreende e faz com que suas sequências de ação lembrem inevitavelmente o excepcional Douglas Fairbanks e mais ainda o picaresco Burt Lancaster de “O Pirata Sangrento”.

Tomadas feitas com câmera no chão durante a luta de Edd Byrnes e George Hilton.

Gilbert Roland e Ivano Staccioli;
George Hilton.
Meu nome é... Monetero - A garrulice de Quentin Tarantino faz com que ele declare, em diferentes momentos, que aprendeu a fazer cinema com um monte de diretores e Enzo G. Castellari é um dos preferidos do diretor de “Pulp Fiction”. A ação que gira intermitente e desconcertantemente nos filmes de Tarantino não deixa dúvida que ele viu “Vou... Mato e Volto” muitas vezes. Em “Vou... Mato e Volto” as trapaças se sucedem e Castellari faz com que interesses escusos não permitam desfechos fatais entre Monetero, Clayton e o Forasteiro, nenhum deles uma aposta segura em se tratando de amizade e menos ainda de sociedade. E o ritmo deste western de Castellari é frenético, com lutas corporais a céu aberto, numa cantina e outra em uma casa de banho, perseguições, assalto a trem e tiroteios com fartura de munição, tudo temperado com diálogos sarcásticos como quando o Forasteiro diz: “Tenho um lema: Quando tem que matar alguém, mate-o”. Isso explica sarcasticamente por que mocinhos raramente morrem nas mãos de bandidos que insistem em adiar a execução. Fazendo valer a tradição dos westerns-spaghetti, nem o agente bancário Clayton e menos ainda o caçador de recompensas são heróis. Pelo contrário. E o bandido de verdade recebe um dos mais espirituosos nomes de vilão (‘Monetero’), indicando o quanto preza o vil metal que persegue com tenacidade.

George Hilton e Gilbert Roland; George Hilton.

Stefania Careddu e Ricardo Pizzuti
A macheza de Gilbert Roland - No cinema desde os 18 anos, quando fez sua estreia em 1923, o mexicano Gilbert Roland é lembrado pelos tipos machos que criou na tela. Mesmo o requintado Cisco Kid criado por O’Henry, vivido por Roland se transformou em herói viril nos anos 40. E na vida real Gilbert Roland era uma lenda como latin lover, assediado pelas estrelas de Hollywood que queriam comprovar (e provar) seu talento como amante. E não é que Monetero engole a seco a atração que Guapa (Stefania Careddu) sua namorada, sente pelo Forasteiro. E ao final o bandido vê a infiel Guapa deixá-lo pelo delicado Blackman, o agente da seguradora sempre com sua luneta observando as idas e vindas daqueles que brigam pelos 300 mil dólares. Proposital ou não, “Vou... Mato e Volto” brinca até mesmo com a macheza de Gilbert Roland. O clímax do western de Castellari é uma gag hilariante e cheia de imaginação. Posicionam-se Monetero, Clayton e o Forasteiro para um trielo, referência ao clássico “Três Homens em Conflito”. A tensão aumenta com os closes e a música criando o clima apropriado. Mas se o espectador é frustrado com o trielo que não ocorre, presencia um dos mais irreverentes momentos de um western com o desfecho que momentaneamente une o trio.

George Hilton disfarçado de padre;
Gilbert Roland e Hilton.
Divertir divertindo - Todos os três atores – Roland, Byrnes e Hilton – parecem se divertir o tempo todo com seus personagens, sabedores que Castellari pretendia mesmo era divertir o espectador. E o consegue com rara e espontânea felicidade, longe da estudada bufonaria de Trinity e carambola, por exemplo. Há quem afirme que o western-spaghetti nunca se levou a sério e Castellari, com este “Vou... Mato e Volto” comprova explicitamente essa teoria. Gilbert Roland é o destaque do trio, veterano de tantos e tantos trabalhos, comandando o elenco com sua figura carismática, seguido pelo histrionismo de Edd Byrnes e George Hilton. A trilha musical é de Francesco Masi e, como não poderia deixar de ser, altamente influenciada pelas criações de Ennio Morricone, ainda que sem a sublime inventividade deste. O cantor Raoul interpreta o esquecível tema principal chamado “The Stranger”, também de autoria de Mais em parceria com Alessandroni e De Mutiis. Alessandro Alessandroni com suas vozes e acordes mágicos completam a trilha. Destaque para o excelente trabalho dos dublês Miguel Pedregosa e Giorgio Ubaldi.

Brincar de mocinho - “Vou... Mato e Volto” recebeu, quando de seu lançamento, o título “For a Few Bullets More” destinado ao mercado norte-americano. Porém o filme de Enzo G. Castellari marcou mesmo na distribuição em língua inglesa como “Any Gun Can Play”, que é como circulou nos Estados Unidos e como foi distribuído em DVD. Numa tradução livre 'Any Gun Can Play' poderia significar ‘Qualquer um pode brincar de mocinho’. Esse verdadeiro achado foi percebido por Kevin Grant que intitulou como “Any Gun Can Play” o seu notável livro sobre o western-spaghetti, uma das mais bonitas e completas obras sobre o gênero faroeste, imprescindível em qualquer biblioteca de westernmaníacos. Sobre esse livro de Kevin Grant WESTERNCINEMANIA publicou uma resenha na série 'Biblioteca de Westerns'.

Edd Byrnes
‘Não vi, não gostei’ - O temido crítico Rubem Biáfora, em sua resenha dominical de lançamentos no jornal “O Estado de S. Paulo”, deixa claro a má vontade com o que era então chamado de ‘western italiano’. Diz Biáfora, mestre de Rubens Ewald Filho, em sua resenha que “Vou... Mato e Volto” tem excesso de estilização e violência, fórmula para cair no agrado popular. Não perdoa Gilbert Roland, a quem chama de péssimo e nem Edd Byrnes que trata como ‘novato’. Byrnes já atuava há mais de dez anos como ator, seis deles com uma das séries policiais mais bem sucedidas dos anos 50/60 que foi “77 Sunset Strip” e ainda uma dúzia de filmes no currículo, um deles “Texas 1967” do mesmo Enzo G. Castellari. O cáustico Rubem Biáfora praticava o conhecido ‘não vi, não gostei’ que tantos críticos usavam em relação à nova categoria de faroestes oriunda da Europa. Talvez Biáfora mudasse de opinião se deixasse um pouco de lado os Resnais, os Bergmans, os Mizoguchis e se divertisse assistindo “Vou... Mato e Volto”.

Comentário do crítico Rubem Biáfora; o quadro da Bolsa de Cinema e Teatro
da Folha de S. Paulo, vendo-se a cotação de "Vou... Mato e Volto"!.




A cópia de "Vou... Mato e Volto" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

3 comentários:

  1. Vi no cinema quando moleque e gostei pelo como vc. disse pelo sentido jocoso e pela falta de seriedade e traição entre os 3 personagens.. claro Castellari bebe na fonte de Leone.. depois ee partiu para filmes de Guerra e até uma paródia de Tubarão e colocou o último prego no caixão do Western Italiano com KEOMA...

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    1. Aurélio Cardoso posso colocar no meu Grupo algumas fotos meu caro Darci.

      Parabéns.. saudações de SHANE

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    2. Aurélio - Fique totalmente à vontade para utilizar as fotos que você quiser deste blog. abraço do Darci.

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