Os títulos dos westerns-spaghetti eram
uma diversão à parte na segunda metade dos anos 60 quando esse subgênero do
faroeste tomou de assalto as telas do mundo inteiro. A cada semana pelo menos um
ou dois títulos eram anunciados, alguns inspirados no sucesso da ‘Trilogia dos
Dólares’ de Sergio Leone, outros em “O Dólar Furado”, e ainda um sem número de
títulos contendo o mágico número sete que rendeu infinitas combinações. E havia
ainda aqueles títulos, decididamente de mau gosto, que viravam piada entre o
público e entre os muitos críticos que abominavam qualquer western não
produzido por Hollywood. Quando na primeira semana de julho de 1968 “Vou...
Mato e Volto” foi lançado em São Paulo, o que mais se ouvia eram chacotas com
esse título que virou rapidamente “Vou no Mato e Volto” e outras variantes,
algumas impublicáveis. No entanto o western-spaghetti tinha um público cativo
que só aumentava e, alheio às zombarias, este terceiro filme de Enzo G. Castellari,
diretor então com 29 anos de idade, fez sucesso na capital paulista,
permanecendo oito semanas consecutivas nos cinemas lançadores, passando depois
para o circuito dos bairros. Essa bela carreira tinha razão de ser pois “Vou...
Mato e Volto” (Vado... L’Amazzo e Torno) possui uma trama que foge do lugar
comum que havia tomado conta dos westerns-spaghetti e é, antes de tudo, um
filme extremamente divertido.
Gilbert Roland e George Hilton |
Parceiros
nada confiáveis - Um caçador de recompensas conhecido
apenas por Forasteiro (George Hilton) está à caça de Monetero (Gilbert Roland),
chefe de uma quadrilha que tem a cabeça a prêmio. Monetero e seu bando assaltam
um trem que carrega 300 mil dólares em moedas, dinheiro pertencente a um banco
de Boston. O dinheiro fica em poder de Pajondo (Ignazio Spalla), homem de
confiança de Monetero, que trai o chefe e esconde os 300 mil dólares numa
missão semidestruída de nome Cuenca. Pajondo é morto pelo Exército
norte-americano que procura resgatar o dinheiro e prender Monetero. Clayton
(Edd Byrnes), um funcionário do banco, quer também reaver o produto do roubo,
assim como o inconformado Monetero. Enquanto isso o caçador de recompensas
segue a todos e descobre que Clayton e Monetero se tornaram aliados. Mas como
nenhum deles é confiável, as alianças são feitas e rompidas, inclusive as
feitas com o Forasteiro. Surge um outro interessado chamado Blackman (Gérard
Herter) que trabalha para a companhia de seguros contratada pelo banco. Ao
final, depois de uma sucessão de traições entre os três parceiros, Monetero,
Clayton e o Forasteiro chegam ao local onde foram escondidos os 300 mil
dólares, fazendo a partilha entre eles. Até que uma nova traição os separe...
Covers de Mortimer, Django e o Estranho. |
Sabor
jocoso - “Vou... Mato e Volto” se inicia com três foras-da-lei
procurados pela Justiça sendo mortos pelo Forasteiro. Os três são cópias
descaradas do Coronel Douglas Mortimer, de Django e do Estranho Sem Nome,
personagens que ficaram célebres interpretados respectivamente por Lee Van
Cleef, Franco Nero e Clint Eastwood. Três caixões vazios são transportados em
uma carroça e dentro de cada caixão há um cartaz, cada qual com o nome de um
dos três imitadores. Após essa introdução paródica começa a trama real do
filme, sem nunca perder o sabor jocoso que pouco a pouco envolve os três
principais participantes, a princípio circunspectos. Sem se definir como
western cômico, na linha daqueles estrelados por Bob Hope ou “O Rei do Laço”
(Pardners), Castellari imprime um ritmo farsesco com reviravoltas que evitam a
previsibilidade das comédias. Se Gilbert Roland não tem o mínimo cacoete para
fazer graça, George Hilton e Edd Byrnes disputam quem é mais cínico e atrevido.
Com ponto extra para Byrnes devido à sua incrível forma física que lhe permite
audaciosas acrobacias. Byrnes surpreende e faz com que suas sequências de ação
lembrem inevitavelmente o excepcional Douglas Fairbanks e mais ainda o
picaresco Burt Lancaster de “O Pirata Sangrento”.
Tomadas feitas com câmera no chão durante a luta de Edd Byrnes e George Hilton. |
Gilbert Roland e Ivano Staccioli; George Hilton. |
Meu
nome é... Monetero - A garrulice de Quentin Tarantino faz
com que ele declare, em diferentes momentos, que aprendeu a fazer cinema com um
monte de diretores e Enzo G. Castellari é um dos preferidos do diretor de “Pulp
Fiction”. A ação que gira intermitente e desconcertantemente nos filmes de
Tarantino não deixa dúvida que ele viu “Vou... Mato e Volto” muitas vezes. Em “Vou...
Mato e Volto” as trapaças se sucedem e Castellari faz com que interesses
escusos não permitam desfechos fatais entre Monetero, Clayton e o Forasteiro,
nenhum deles uma aposta segura em se tratando de amizade e menos ainda de
sociedade. E o ritmo deste western de Castellari é frenético, com lutas
corporais a céu aberto, numa cantina e outra em uma casa de banho,
perseguições, assalto a trem e tiroteios com fartura de munição, tudo temperado
com diálogos sarcásticos como quando o Forasteiro diz: “Tenho um lema: Quando tem que matar alguém, mate-o”. Isso explica
sarcasticamente por que mocinhos raramente morrem nas mãos de bandidos que
insistem em adiar a execução. Fazendo valer a tradição dos westerns-spaghetti,
nem o agente bancário Clayton e menos ainda o caçador de recompensas são
heróis. Pelo contrário. E o bandido de verdade recebe um dos mais espirituosos
nomes de vilão (‘Monetero’), indicando o quanto preza o vil metal que persegue
com tenacidade.
George Hilton e Gilbert Roland; George Hilton. |
Stefania Careddu e Ricardo Pizzuti |
A
macheza de Gilbert Roland - No cinema desde os 18 anos, quando
fez sua estreia em 1923, o mexicano Gilbert Roland é lembrado pelos tipos
machos que criou na tela. Mesmo o requintado Cisco Kid criado por O’Henry,
vivido por Roland se transformou em herói viril nos anos 40. E na vida real
Gilbert Roland era uma lenda como latin lover, assediado pelas estrelas de
Hollywood que queriam comprovar (e provar) seu talento como amante. E não é que
Monetero engole a seco a atração que Guapa (Stefania Careddu) sua namorada, sente
pelo Forasteiro. E ao final o bandido vê a infiel Guapa deixá-lo pelo delicado
Blackman, o agente da seguradora sempre com sua luneta observando as idas e
vindas daqueles que brigam pelos 300 mil dólares. Proposital ou não, “Vou...
Mato e Volto” brinca até mesmo com a macheza de Gilbert Roland. O clímax do
western de Castellari é uma gag hilariante e cheia de imaginação. Posicionam-se
Monetero, Clayton e o Forasteiro para um trielo, referência ao clássico “Três
Homens em Conflito”. A tensão aumenta com os closes e a música criando o clima
apropriado. Mas se o espectador é frustrado com o trielo que não ocorre,
presencia um dos mais irreverentes momentos de um western com o desfecho que momentaneamente
une o trio.
George Hilton disfarçado de padre; Gilbert Roland e Hilton. |
Divertir
divertindo - Todos os três atores – Roland, Byrnes e Hilton – parecem
se divertir o tempo todo com seus personagens, sabedores que Castellari
pretendia mesmo era divertir o espectador. E o consegue com rara e espontânea felicidade,
longe da estudada bufonaria de Trinity e carambola, por exemplo. Há quem afirme
que o western-spaghetti nunca se levou a sério e Castellari, com este “Vou...
Mato e Volto” comprova explicitamente essa teoria. Gilbert Roland é o destaque
do trio, veterano de tantos e tantos trabalhos, comandando o elenco com sua
figura carismática, seguido pelo histrionismo de Edd Byrnes e George Hilton. A trilha
musical é de Francesco Masi e, como não poderia deixar de ser, altamente
influenciada pelas criações de Ennio Morricone, ainda que sem a sublime
inventividade deste. O cantor Raoul interpreta o esquecível tema principal
chamado “The Stranger”, também de autoria de Mais em parceria com Alessandroni
e De Mutiis. Alessandro Alessandroni com suas vozes e acordes mágicos completam
a trilha. Destaque para o excelente trabalho dos dublês Miguel Pedregosa e
Giorgio Ubaldi.
Brincar
de mocinho - “Vou... Mato e Volto” recebeu, quando de seu lançamento,
o título “For a Few Bullets More” destinado ao mercado norte-americano. Porém o
filme de Enzo G. Castellari marcou mesmo na distribuição em língua inglesa como
“Any Gun Can Play”, que é como circulou nos Estados Unidos e como foi distribuído em DVD. Numa tradução livre 'Any Gun Can Play' poderia significar ‘Qualquer um pode
brincar de mocinho’. Esse verdadeiro achado foi percebido por Kevin Grant que
intitulou como “Any Gun Can Play” o seu notável livro sobre o
western-spaghetti, uma das mais bonitas e completas obras sobre o gênero
faroeste, imprescindível em qualquer biblioteca de westernmaníacos. Sobre esse livro de Kevin Grant WESTERNCINEMANIA publicou uma resenha na série 'Biblioteca de Westerns'.
‘Não
vi, não gostei’ - O temido crítico Rubem Biáfora, em
sua resenha dominical de lançamentos no jornal “O Estado de S. Paulo”, deixa
claro a má vontade com o que era então chamado de ‘western italiano’. Diz
Biáfora, mestre de Rubens Ewald Filho, em sua resenha que “Vou... Mato e Volto”
tem excesso de estilização e violência, fórmula para cair no agrado popular.
Não perdoa Gilbert Roland, a quem chama de péssimo e nem Edd Byrnes que trata
como ‘novato’. Byrnes já atuava há mais de dez anos como ator, seis deles com
uma das séries policiais mais bem sucedidas dos anos 50/60 que foi “77 Sunset
Strip” e ainda uma dúzia de filmes no currículo, um deles “Texas 1967” do mesmo
Enzo G. Castellari. O cáustico Rubem Biáfora praticava o conhecido ‘não vi, não
gostei’ que tantos críticos usavam em relação à nova categoria de faroestes
oriunda da Europa. Talvez Biáfora mudasse de opinião se deixasse um pouco de
lado os Resnais, os Bergmans, os Mizoguchis e se divertisse assistindo “Vou...
Mato e Volto”.
Comentário do crítico Rubem Biáfora; o quadro da Bolsa de Cinema e Teatro da Folha de S. Paulo, vendo-se a cotação de "Vou... Mato e Volto"!. |
A cópia de "Vou... Mato e Volto" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.
Vi no cinema quando moleque e gostei pelo como vc. disse pelo sentido jocoso e pela falta de seriedade e traição entre os 3 personagens.. claro Castellari bebe na fonte de Leone.. depois ee partiu para filmes de Guerra e até uma paródia de Tubarão e colocou o último prego no caixão do Western Italiano com KEOMA...
ResponderExcluirAurélio Cardoso posso colocar no meu Grupo algumas fotos meu caro Darci.
ExcluirParabéns.. saudações de SHANE
Aurélio - Fique totalmente à vontade para utilizar as fotos que você quiser deste blog. abraço do Darci.
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