25 de junho de 2017

BUCKING BROADWAY – PRIMEIROS PASSOS DE JOHN FORD COMO DIRETOR DE WESTERNS


Acima Carl Laemmle e Harry Carey;
abaixo os irmãos Ford - Francis e John
Se Francis Ford foi o responsável por encaminhar seu irmão mais novo Jack Ford no cinema, Harry Carey teve igual ou maior importância. Carey era já um ator de razoável sucesso quando insistiu com Carl Laemmle, dono da Universal, para dar oportunidade ao irmão de Francis para dirigir filmes. Jack Ford vinha atuando como ator desde 1913 e aos 23 anos, em 1917, estreou como diretor fazendo cinco ‘shorts’ (filmes de dois rolos), dois deles estrelados por Harry Carey. Nesse mesmo ano Ford dirigiu quatro westerns com duração próxima de 60 minutos (cinco rolos) todos tendo Harry Carey como astro. Estava iniciada uma longa parceria e grande amizade que estremeceu quando se percebeu que Jack Ford era um diretor competente. Ford que ganhava 300 dólares por semana também percebeu isso e pediu para ganhar algo próximo do que ganhava Harry Carey (2.250 dólares semanais), o que desgostou o ator. Enquanto a carreira de Jack Ford, agora assinando seus filmes como ‘John Ford’, se consolidava, a de Harry Carey entrava em decadência. Todos os filmes que fizeram em parceria foram dados como desaparecidos, até que uma cópia de “O Último Cartucho” (Straight Shooting) foi descoberta em Praga, capital da antiga Tchecoslováquia. Na década de 70, na França, um colecionador encontrou uma cópia de “Bucking Broadway” e esses dois filmes de 1917 são os únicos remanescentes da fase inicial daquele que viria a ser o mais extraordinário cineasta do gênero western.


Harry Carey e Molly Malone;
cowboys invadindo a grande cidade
Um cowboy em Nova York – Olive Carey afirmou em entrevista que Harry Carey e John Ford com sinopses dos filmes em mãos iam a cavalo para os locais de filmagem e lá desenvolviam o roteiro improvisando a maior parte das sequências a serem filmadas. Com “Bucking Broadway” não foi diferente nesta história passada no Wyoming onde o cowboy Cheyenne Harry (Harry Carey) pede a jovem Helen Clayton (Molly Malone) em casamento e o rancheiro Ben Clayton (L.M. Wells), pai da moça, consente o matrimônio. Nem Ben e nem Cheyenne contavam, porém, com a chegada do inspetor federal Eugene Thornton (Vester Pegg) que veio à fazenda para inspecionar a criação de animais. Thorton convence Helen a fugir com ele para Nova York e iludida ela abandona os planos de uma vida simples no Oeste em troca da agitação da metrópole. Inconformado Cheyenne parte à procura da ex-noiva que em pouco tempo descobre o verdadeiro caráter de Thornton, homem que bebe demais e que se torna violento, chegando a agredi-la. É quando Cheyenne os encontra e por sorte seus amigos cowboys do Wyoming estavam também em Nova York, acompanhando uma numerosa venda de cavalos. Ao defender Molly, Cheyenne é atacado pelos grãfinos amigos de Thornton mas com a providencial ajuda dos demais cowboys surra os esnobes e revive o amor com Helen, com quem retorna para os prados do Wyoming.

Harry Carey;abaixo Vester Pegg
Cowboy autêntico - História mais simples e previsível que a de “Bucking Broadway” é impossível, mas naquelas primeiras décadas do cinema esse tipo de filme atraía e agradava demais ao público, tanto que Harry Carey disputava com William S. Hart a primazia de ser o cowboy favorito do cinema. Rudes e taciturnos como um cowboy deve ser, Hart e Carey tinham ainda em comum o fato de terem deixado há muito de ser jovens. O idílio entre Cheyenne Harry e a filha do rancheiro funciona como mero pretexto para a segunda parte de “Bucking Broadway” passada em Nova York (mas filmada em Los Angeles) e ressaltando a gritante diferença entre a vida saudável no rancho e a luxúria da cidade. Eugene Thornton chega ao rancho de Ben Clayton em um automóvel, modernidade que contrasta com os muitos cavaleiros e suas atividades como vaqueiros. Seu antipático, fino e bem cuidado bigode, típico dos trapaceiros, contrasta com o vasto mustache de Ben Clayton. Entre as pessoas da roda de Thornton em Nova York está o casal de vigaristas que rouba Cheyenne Harry, sem falar no desregramento dos convivas da festa que se desenvolve. E sabe-se lá o quanto mais deixou de ser visto devido aos tantos cortes impostos pela censura, um capítulo à parte neste filme.

Molly Malone; abaixo a grande luta
Censura implacável em 1917 - Gertrude Astor era uma atriz de grande destaque à época e sua participação em “Bucking Broadway” ficou totalmente comprometida e perdeu o sentido, isto devido à censura imposta ao filme. Ela interpreta um personagem cúmplice de Thornton que aliciam moças para explorá-las, personagem esse que simplesmente desaparece da trama. Os muitos cortes exigidos pelos censores excluíram mulheres durante a festa usando trajes provocantes deixando a mostra boa parte de seus corpos, além das atitudes dos convivas embebedando-se avidamente. Outros cortes sofridos por “Bucking Broadway” se deram em razão da violência do burlesco confronto entre cowboys e os convidados da festa, entre elas Cheyenne Harry aplicando um justo corretivo no velhaco Eugene Thornton. Tantos cortes certamente prejudicaram a narrativa e melhor compreensão da crítica aos costumes que o filme pretendia fazer.

L.M. Wells
O cowboy Cheyenne Harry – Em 1917 Harry Carey se aproximava dos 40 anos de idade, ele que sempre teve aparência de homem maduro, o que não criava maior embaraço pois raros eram os atores mais jovens nos elencos. De expressão forte, Carey se impunha como cowboy valente, determinado e honrado. Molly Malone, então com 29 anos é a inocente garota que sucumbe às promessas do vilão interpretado por Vester Pegg. Tanto Molly Malone quanto Vester Pegg atuam também em “O Último Cartucho”. L.M. Wells é um daqueles tipos característicos marcantes com sei volumoso bigode branco e cabeleira igualmente branca. O cowboy Buck Hoover é interpretado por William Steele, ator que quase 40 anos depois participaria de “Rastros de Ódio” (The Searchers). Nesse western que é a obra-prima de John Ford, William Steele interpreta o rancheiro Nesby.

William Steele com Harry Carey;
 à direita L.M. Wells, Molly Malone, Vester Pegg e William Steele

O jovem John Ford
Ford jovialíssimo - Ambientado no Wyoming e com a parte final transcorrendo em Nova York, “Bucking Broadway” foi inteiramente rodado na Califórnia. É um filme que merece ser visto não só por ser um trabalho do jovem John Ford mas também porque é, igualmente, um raro western com Harry Carey quando ele vivia o cowboy Cheyenne Harry. Se alguma restrição pode ser feita é quanto ao inegável preconceito racial que surge com a presença de um negro bem vestido comportando-se como um dandy e ainda um mexicano que covardemente foge numa desavença com outro cowboy. Sendo esses personagens justamente um negro e um latino Ford demonstra claro preconceito. A cópia encontrada na França deste filme dado como perdido é ótima, tendo sido restaurada pela Cinemateca Francesa, órgão que dá a devida importância a este tão apreciado gênero cinematográfico.

Esta cópia foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Jose Flávio Mantoani.


à diretia o grupo de cowboys no rancho e abaixo o dandy negro

7 de junho de 2017

A NOITE DOS PISTOLEIROS (ROUGH NIGHT IN JERICHO) – DEAN MARTIN COMO HOMEM MAU


Dean Martin, um ator que irradiava simpatia por todos os poros, jamais havia interpretado um homem mau no cinema e isto veio a acontecer em 1967, no western “A Noite dos Pistoleiros” (Rough Night in Jericho). A história de autoria de Marvin H. Alpert teve roteiro do próprio Alpert em parceria com Sidney Boehm, de quem se poderia esperar boa dose de violência. Boehm foi o roteirista de “Os Corruptos” e “Sábado Violento”, dois filmes marcantes por suas cenas de extrema violência, isto quando Hollywod, ainda sob o Código Hays, evitava chocar as plateias. Mas não é o vilão Dean Martin quem participa da mais brutal sequência deste western e sim Slim Pickens em luta com George Peppard. Mesmo Peppard nunca teve no cinema a imagem de homem agressivo e parece que tanto Martin quando Peppard estão fora de seus personagens costumeiros. O western norte-americano começava a mudar e “A Noite dos Pistoleiros”, dirigido por Arnold Laven, indica essa direção que Sam Peckinpah norteava com seus filmes. Vale lembrar que o faroeste anterior de Laven foi “Assim Morrem os Bravos” (The Glory Guys), com roteiro de Peckinpah.


Dean Martin; George Peppard
51% de tudo - Alex Flood (Dean Martin) e Dolan (George Peppard) são dois ex-homens da lei que cansados de arriscar a vida a troco de um salário irrisório decide mudar de vida. Flood se instala em Jericho onde passa a dominar a vida local sendo sócio de tudo que gere dinheiro. Contenta-se com 51% de qualquer coisa, o suficiente para ser respeitado por todos, inclusive pelo bando que comanda. Flood enforca sumariamente seus desafetos e muda o xerife que não o obedece, tencionando ser sócio majoritário da companhia de diligências da viúva Molly Lang (Jean Simmons). Dolan chega a Jericho numa diligência da empresa de Molly em companhia de Ben Hickman (John McIntire), outro ex-homem da lei, sendo no caminho intimidado por Flood, que dispara várias vezes contra a diligência. Dolan se interessa por Molly e para piorar as coisas ganha de Flood no pôquer, o suficiente para que seja intimado a deixar a cidade. Tudo muda quando Flood destrói o armazém de Ryan (Richard O’Brien), o que faz com que Dolan convença alguns homens a enfrentar o poderoso pequeno exército de Flood. Emboscado este vê seu bando ser dizimado e foge, sendo perseguido por Dolan que o enfrenta num confronto mortal.

Violência exacerbada - “A Noite dos Pistoleiros” não é um western com muita ação, resumindo-se a três sequências os momentos de maior emoção, uma delas excepcionalmente bem filmada. É quando Yarbrough (Slim Pickens), braço direito de Flood e que faz uso de um chicote quando necessário, enfrenta Dolan. Ao contrário das lutas travadas com punhos, os dois homens usam o que estiver à mão e a morte de Yarbrough é animalesca com Dolan extravasando sua fúria incontida. Yarbrough apertando o pescoço de Molly com um seus enormes braços diz que poderá quebrar o pescoço da mulher com mais um mínimo aperto. Mesmo a sequência em que Flood dá uma lição a um provocador em seu saloon, bate com a cabeça do infeliz várias vezes contra o balcão, algo poucas vezes visto no western e menos ainda porque é Dean Martin quem comete a brutalidade. Flood querendo saber se Molly dormiu ou não com Dolan e não obtendo resposta, desfere violentos tapas na mulher em mais uma sequência de selvageria.

George Peppard em luta Slim Pickens

Jean Simmons e Dean Martin
Sensação de ‘já vi esse filme’ - O roteiro repete lugar comum de tantos e tantos westerns com a chegada de um forasteiro que provoca uma sublevação contra o tirânico opressor. A inferioridade numérica é compensada pela astúcia do herói, aqui um profissional de pôquer que considera todas as probabilidades, conforme repete várias vezes. A disputa pela mesma mulher, uma bela e arrojada viúva como sempre, completa o quadro que leva ao previsível desfecho. Salvaria o filme diálogos que fossem mais divertidos uma vez que a ironia perpassa todas as conversas travadas entre Dolan e Flood. O que se vê, no entanto, são colóquios maçantes na maior parte do filme. Ben Hickman é quem faz subir a qualidade não só interpretativa como, coincidentemente dos diálogos. E claro, a presença do violento Yarbrough.

Jean Simmons
A beleza madura de Jean Simmons - Fora de seu padrão interpretativo, Dean Martin faz o que pode para tornar o abusivo Flood convincente como vilão. George Peppard tenta interpretar um jogador elegante ao estilo daqueles que ninguém melhor que Henry Fonda era capaz de compor. Jean Simmons já sem o frescor de sua beleza tantas vezes vista no cinema sempre agrada, boa atriz que era. Em uma sequência Jean entorna garrafa e meia de whisky com George Peppard, ela que na vida real teve sérios problemas com a bebida. Em nenhum filme do qual participa, John McIntire deixa de impressionar e neste, mais uma vez, ele mostra que era um dos grandes característicos do cinema norte-americano. Slim Pickens desta vez menos espalhafatoso tem marcante participação como capanga de Dean Martin.

Dean Martin
Centenário de nascimento - Realizado no período de transição que precedeu a inequívoca influência dos westerns-spaghetti, “A Noite dos Pistoleiros” é um faroeste que guarda a influência do modelo que Hollywood consagrou ao mesmo tempo em que busca renovar a linguagem do gênero com uma dose maior de violência. Nada memorável, seja na filmografia de Arnold Laven ou na dos principais intérpretes, este filme recebeu uma única indicação nas dezenas de Top-Ten Westerns publicados neste blog. Quem o listou foi o cinéfilo José Correia Dantas que admirava o estilo de atuar de Dean Martin, tanto que procurava, nas reuniões da confraria paulistana de westernmaníacos, se trajar como esse grande astro nascido no dia 7 de junho de 1917. Exatamente na data da publicação desta postagem transcorre portanto o centenário de nascimento do querido ator-cantor nascido como Dino Paul Crocetti.