O
fenômeno Alan Ladd - O ator Alan Ladd pode ser considerado o
maior fenômeno do cinema norte-americano nos anos 40. Após fazer figuração em
filmes por quase dez, Ladd conseguiu seu primeiro grande papel em “Alma
Torturada”, de 1942. Seus filmes seguintes deram enorme lucro para o estúdio e
ao final da década Ladd era o maior astro da Paramount. Isto mesmo sem que
jamais Alan Ladd tenha sido dirigido por um diretor de renome ou tenha tido a
seu lado uma estrela de primeira grandeza. Além disso Ladd tinha contra si sua
pequena estatura (1,65m) e os críticos, liderados por Bosley Crowther do New
York Times, que implacavelmente arrasavam cada uma de suas atuações. Seus
filmes nos anos 40 ou eram policiais ou aventuras, todos em preto e branco e
Ladd ainda não havia estrelado um western. Somente em 1948 o louro galã atuou
como astro principal em seu primeiro faroeste filmado em Technicolor com o
título de “Abutres Humanos” (Whispering Smith). Depois de “Abutres Humanos”
Ladd estrelou os westerns “A Marca Rubra” e “O Último Caudilho” até se
encontrar, em 1951, com George Stevens.
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Alan Ladd, Jean Arthur e Van Heflin em "Shane". |
Precursor
de Shane - George Stevens nunca mencionou alguma influência de
“Abutres Humanos” em seu clássico faroeste “Os Brutos Também Amam”. Mas há claras
semelhanças entre os dois filmes, a começar pelo ator principal. Sabe-se que
Ladd não era a primeira opção de Stevens para interpretar Shane pois Stevens
queria Montgomery Clift. Talvez lembrando-se da interpretação de Ladd como
Whispering Smith, George Stevens tenha percebido que Ladd poderia ser um Shane do jeito que ele queria. E o relacionamento entre Joe Starrett, sua esposa
Marian e Shane, em “Os Brutos Também Amam”, estava ali rascunhado em “Abutres
Humanos”. Por coincidência o vértice feminino dos dois triângulos amorosos
chamava-se Marian. E assim como Shane, Whispering Smith é um homem íntegro e
corajoso, não se afastando um passo da defesa de uma causa justa e nobre e
respeitando os limites dos sentimentos proibidos. Mesmo tendo sido filmado três
anos antes que o faroeste de George Stevens, “Abutres Humanos” toca mais
profundamente na complexa questão da atração adúltera. (NR - “Shane” foi
filmado em 1951 e só lançado em 1953.)
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Acima um desenho do detetive 'Whispering' Smith; abaixo J.P. McGowan e lobbycard do filme em que George O'Brien interpreta o policial das ferrovias. |
Os
muitos ‘Whispering Smith’ - O escritor Frank H. Spearman
escreveu o livro “Whispering Smith” em 1906, narrando episódios da vida do
lendário detetive de ferrovias James L. ‘Whispering’ Smith. O personagem foi
levado ao cinema pela primeira vez em 1916, sendo interpretado por J.P McGowan.
Em 1926 e 1927 H.B. Warner interpretou ‘Whispering Smith em dois faroestes. Em
1935 George O’Brien protagonizou “Whispering Smith Speaks”. Alan ladd foi o
quarto ator a interpretar o personagem criado por Spearman em “Abutres
Humanos”, que foi roteirizado por Frank Butler e Karl Kamb, em filme dirigido
por Leslie Fenton, ex-ator inglês que já havia dirigido Alan Ladd em “Saigon”,
filme de 1946 estrelado por ladd e Veronica Lake. E haveria ainda a malfadada
série de TV intitulada “Whispering Smith”, que mesmo estrelada por Audie Murphy
resultou em fracasso, tendo sido produzidos apenas 26 episódios, em 1961/62.
Whispering significa ‘Sussurante’.
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Os irmãos Barton (Murvyn Vye, Robert Wood e Bob Kortman). |
Assaltos
à ferrovia - Em “Abutres Humanos” Whispering Smith (Alan Ladd) tem
duas missões importantes. A primeira é investigar os sucessivos assaltos a
trens de carga da ferrovia Nebraska & Pacific Railroad Company. A segunda é
fazer com que seu amigo Murray Sinclair (Robert Preston) volte a trilhar o
caminho do bem, deixando de participar da quadrilha de Barney Rebstock (Donald
Crisp), responsável pela onda de assaltos contra a ferrovia. Desbaratar a
quadrilha de Rebstock não seria tarefa das mais difíceis para o corajoso
detetive ferroviário, mesmo que Rebstock tenha como braço direito o assustador
pistoleiro Whitey Du Sang (Frank Faylen). Sinclair, tem uma vida dupla pois é
também detetive da ferrovia e só sua prática de delitos contra a própria companhia ferroviária explica o fato de ele possuir um bem montado rancho onde vive com a
esposa Marian (Brenda Marshall). Regenerar o amigo Sinclair é bem mais difícil pois manter a amizade antiga torna-se quase impossível. As diferenças entre Sinclair e Whispering
Smith aumentam e passam para o terreno pessoal pois entre os dois, além da
proteção à ferrovia, está Marian. Após um último assalto a um trem Sinclair
pretende mudar-se para Carson City, mas é ferido e no derradeiro confronto com
Smith é morto por este.
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Whispering Smith, o amigo Sinclair Murray e a esposa deste, Marian, ex-namorada de Smith. |
Um
amor para dois - “Abutres Humanos” seria um western acima da média dos
westerns comuns apenas devido ao excelente ritmo do filme, com ação constante e
bem executada, além do ótimo elenco de coadjuvantes. Mas este western de Leslie
Fenton é mais que isso devido à provocante subtrama envolvendo os amigos Smith
e Murray e ainda a esposa Marian. Sinclair Murray gosta tanto do amigo Smith
que quando este é ferido leva-o para casa para receber o tratamento atencioso
de sua esposa Marian. E isto acontece mesmo sendo Sinclair sabedor que antes de
seu casamento com Marian ela teve um caso de amor com Whispering Smith. O
reencontro após cinco anos reacendeu inevitavelmente os antigos sentimentos
tanto em Marian como em Smith. Sinclair usa a própria esposa para atrair o
amigo, chegando a dizer a ele frases como “Meu
rancho é grande demais para um homem só”, “Entre comigo com as suas condições, fica meio a meio”. E Sinclair
constrange até Marian ao lhe dizer lascivamente que ela está provocando Smith, o que na verdade Sinclair gostaria que acontecesse.
Abutres
não amam, brutos sim - O 'sussurante' Smith com sua fala
macia divide-se entre a lealdade ao amigo Sinclair e a ressonância de seu amor
por Marian. Fala mais forte, porém, a amizade masculina e Smith procura de
todas as maneiras salvar Sinclair. Marian se desespera ao ver diminuir suas
chances de reviver seu amor com Smith e ao ver o marido cada vez mais enredado
com os foras-da-lei. Sinclair passa a odiar Smith quando percebe o que ainda
existe entre o amigo e Marian. A relação entre Sinclair e Smith deixa de ser
ambígua ao ser expressa por meio de frases como “Murray, se houvesse outro jeito eu teria feito diferente; as únicas
cartas que eu tinha foram as que você me deu”, diz Smith ao amigo após
alvejá-lo mortalmente. Smith e Marian apenas não terminam juntos ao final de
“Abutres Humanos” em respeito ao Código Hays que ainda determinava o respeito
às convenções sociais de então. Outra interpretação possível do final aberto deste
faroeste é que Smith parte sozinho após a morte do amigo querido. Como se
percebe, o filme de Leslie Fenton teve a coragem de ir além das meras sugestões
contidas em “Os Brutos Também Amam”. Por sinal, “Shane” poderia ser mais
adequadamente intitulado como “Abutres Humanos” pensando-se nos Rykers,
enquanto brutos como Sinclair Murray e Whispering Smith ficariam melhor com o
título tão rejeitado por Paulo Perdigão e outros cinéfilos.
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Frank Faylen |
Alan
Ladd, o durão das ferrovias - “Abutres Humanos” é um faroeste que funciona
perfeitamente se o espectador aceitar Alan Ladd como um temido e durão policial
de ferrovias, o que, convenhamos, não é nada fácil se vier à mente, por
exemplo, a figura de Ernest Borgnine em “O Imperador do Norte”. E nem é preciso
ir assim tão longe pois comparado ao próprio Robert Preston com sua
impressionante e sólida figura, Alan Ladd se reduz ainda mais. E para
atrapalhar Ladd o elenco tem o ótimo Donald Crisp como vilão, William Demarest
num personagem sem importância e o surpreendente Frank Faylen como o marcante pistoleiro
albino. Certamente numa galeria de homens maus inesquecíveis Whitey Du Sang
(Frank Faylen) tem lugar garantido, sendo lícito dizer que há mesmo um pouco
desse tipo criado por Faylen no imortal Wilson do já comentado “Os Brutos
Também Amam”. Penúltimo filme da ótima Brenda Marshall, uma cativante Marian
capaz de expressar admiravelmente o que sente por Sinclair e por Smith. Brenda
abandonou o cinema aos 38 anos após se casar com William Holden.
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Bob Kortman em cena com John Wayne nos anos 30. |
Bob
Kortman, o mais feio dos bandidos - O elenco de “Abutres Humanos” traz
em pequenos papéis ou figurações a simpatia da alegre Fay Holden, Murvyn Vye,
Ray Teal, Hank Worden, J. Farrell McDonald, Will Wright, Eddy Waller, Hank Bell, Tom Fadden e,
especialmente, Bob Kortman. Este veteraníssimo ator que contracenou inúmeras
vezes com William S. Hart desde os idos de 1915, deu trabalho no cinema para Gary Cooper, Joel McCrea, Buck Jones, John Wayne e um sem número de mocinhos
dos faroestes ‘B’. Bob Kortman chamou sempre a atenção por seu rosto que
lembrava uma caveira e, diferentemente dos outros homens maus não precisava
fazer cara feia pois suas feições eram
assustadoras. Quanto mais Kortman envelheceu mais feio ficou sendo “Abutres
Humanos” um dos últimos filmes de Bob Kortman. Destaque para a
cinematografia de Ray Renahan, que entre outros grandes trabalhos foi
responsável pelas imagens de “Duelo ao Sol”, “Sangue e Areia” e “E o vento
Levou”. A exemplar câmara de Renahan ensina como filmar cenas noturnas sem
impedir que o espectador enxergue o que se passa, o que se tornou tão comum em
faroestes recentes.
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Alan Ladd com o amigo William Demarest. |
Atrevimento
romântico - Como curiosidade, muitos dos cenários de “Abutres
Humanos” faziam parte do Paramount Ranch, mais tarde transformado em Virginia
City, cenário da série “Bonanza”. Outra curiosidade é a bela voz de Alan Ladd que
pode ser ouvida na canção “Auld Lang Syne”.
Cogitou-se por algum tempo que Ladd gravasse um álbum, mas o projeto nunca
foi adiante, infelizmente. William Demarest (e esposa) era grande amigo de Alan
Ladd, sendo dos poucos artistas que frequentavam a casa de Ladd. Para os fãs de
faroestes que nunca se conformaram com a falta de maior atrevimento romântico de
Shane em “Os Brutos Também Amam”, o mesmo tímido ator tem em “Abutres Humanos”
possibilidade de formar um verdadeiro triângulo amoroso, emoldurado por muita
ação de boa qualidade.
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Robert Preston, ator que se consagraria nos palcos nas montagens "O Vendedor de Ilusões" e "Victor ou Victória", levadas também ao cinema.
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Algumas expressões de Alan Ladd, pouco diferentes umas das outras. |
Darci, parabéns pelo texto. Assisti o filme há poucos dias e nem tinha reparado nas semelhanças com Shane.
ResponderExcluirPor outro lado, Bob Kortman pode ser feio, mas Brenda Marshall fica só um pouquinho atrás, heim? De leve...
José Tadeu
Olá, José Tadeu - Você tem razão pois Brenda Marshall não era nenhuma Rhonda Fleming, mas fotografada de certos ângulos ela chega até a ser bonita, nuca linda. Mas feia como o Bob Kortman é exagero seu. Grande abraço do Darci.
ResponderExcluirOlá Darci !! Tenho os dois filmes.É verdade que "Shane" vi umas centenas de vezes e "Abutres" uma ou duas apenas ! Confesso que náo havia percebido tanta semelhança entre eles.
ResponderExcluirOportuna e muito bem feita a matéria . Vamos rever Abutres,Marca Rubra,Ultimo caudilho e novamente curtir um pouco
do nosso Alan Ladd !! Abraços !!
Lau Shane - Além das semelhanças. como foi dito, "Abutres Humanos" é um belo programa de faroeste. - Um abraço do Darci.
ResponderExcluirME CONVERTI EM DARCIMANÍACO. TODOS OS DIAS LEIO SEUS COMENTÁRIOS. FORTE ABRAÇO IRMÃO...
ResponderExcluirComentários, fatos e históricos sempre enriquecedores. Parabéns pelo trabalho, sempre espetacular em detalhes e curiosidades.
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