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31 de agosto de 2015

O HOMEM DO OESTE (MAN OF THE WEST) – O WESTERN SÁDICO DE ANTHONY MANN


Anthony Mann foi o diretor que mais se destacou no gênero western na década de 50. A partir de 1950 Mann realizou nada menos que 11 faroestes, alguns deles clássicos e pelo menos duas obras-primas - “O Preço de um Homem” (The Naked Spur) e “Um Certo Capitão Lockhart” (The Man from Laramie). “Cimarron” (1960) foi o derradeiro e o menos pessoal dos westerns de Anthony Mann que, em 1958 filmara “O Homem do Oeste” (Man of the West). A célebre parceria do diretor com James Stewart já havia sido desfeita e após dirigir Victor Mature em “O Tirano da Fronteira” (The Last Frontier) e Henry Fonda em “O Homem dos Olhos Frios” (The Tin Star), Anthony Mann teve a oportunidade de contar com Gary Cooper como astro de “O Homem do Oeste”. No entanto não é Cooper quem protagoniza o personagem-título e sim Lee J. Cobb como um tirânico homem mau representativo do fim daquele tipo de bandido.


Acima Gary Cooper; abaixo Robert J. Wilke,
Lee J. Cobb, Jack Lord e Royal Dano.
Retorno forçado ao crime - Com roteiro de Reginald Rose baseado no livro “The Border Jumps” de Will C. Brown, “O Homem do Oeste” narra um episódio violento na vida de Link Jones, um ex-fora-da-lei que casualmente se vê às voltas com criminosos que ele já conhecia. Link Jones (Gary Cooper) encontra-se na cidade de Crosscutt com a intenção de contratar uma professora para a pequena cidade onde vive como cidadão respeitável. O trem em que viaja é assaltado por bandidos e Link, acidentalmente, acaba ficando fora do trem que parte sem ele e mais dois passageiros, a cantora de saloon Billie Ellis (Julie London) e o jogador Sam Beasley (Arthur O’Connell. Os três se refugiam num rancho abandonado onde já se encontram escondidos os assaltantes do trem e mais Dock Tobin (Lee J. Cobb), o chefe do bando. Link Jones é sobrinho de Tobin, tendo feito, há mais de dez anos, parte do bando do tio. Para proteger Billie Ellis da sanha carnal do bando, Link diz a Tobin que a mulher é sua esposa, enquanto Sam Beasley é morto numa desavença entre homens do grupo chefiado por Tobin. Ainda como parte de um plano para conseguir escapar da quadrilha que os faz prisioneiros, Link aceita voltar a fazer parte do bando para assaltar um banco num lugarejo chamado Lassoon, em região que explora minério. Nenhum deles sabe que Lassoon se transformou numa cidade fantasma e durante o assalto Link mata três dos bandidos. No retorno ao esconderijo Link se defronta com Dock Tobin, matando-o também e vendo-se livre e libertando Billie Ellis, para retornar à sua vida de homem do bem.

Gary Cooper
Gary Gooper, velho demais - “O Homem do Oeste” é um filme tenso com sequências de grande dramaticidade, próximo dos melhores trabalhos de Anthony Mann. Isso, no entanto, não acontece plenamente em razão de um erro capital que foi a escolha de Gary Cooper para interpretar Link Jones. Ótimo ator que impõe a própria persona aos tipos que vive nos filmes em que atua, Link Jones é um personagem inadequado a Cooper. O velho bandido Dock Tobin foi quem introduziu o sobrinho Link na vida criminosa, assim como o fez com os outros dois sobrinhos Claude (John Dehner) e Coaley (Jack Lord), ambos bem mais jovens que o primo Jones. Mesmo envelhecido pela barba e cabelos grisalhos e voz gutural, Lee J. Cobb não parece mais idoso que Gary Cooper, dez anos mais velho que Cobb na realidade. Cooper não conseguindo disfarçar os sérios problemas de coluna que o acometeram no início dos anos 50 e que os levaram a transformar todos seus personagens em homens cansados e desgastados, isto desde o Will Kane de “Matar Ou Morrer” (High Noon). O problema seria menor se fosse unicamente a comparação de Link/Cooper com Tobin/J. Cobb. Mas, além de Julie ser igualmente muito jovem para compor par romântico com Cooper, há a luta corporal entre Coaley/Jack Lord e Link. Sequência muito bem filmada, com uso perfeito de dublês, que acaba com a pouco realista vitória de Link sobre o muito mais jovem e forte Coaley com a inaceitável incapacidade deste de impedir que Link o deixe de ceroulas tirando-lhe as vestes. Por fim Gary Cooper não convence como vilão que por sua brutalidade fora o braço direito do extremadamente venal Dock Tobin.

Lee J. Cobb e Gary Cooper

Gary Cooper com Jack Lord e com Julie London.

Lee J. Cobb
Crepúsculo de um facínora - Com “O Homem do Oeste” Anthony Mann criou o supremo facínora de seus westerns, ele que expressou a maldade dos homens com atores como o excepcional Robert Ryan e com os magníficos Dan Duryea, Arthur Kennedy e John McIntire, sem esquecer a extraordinária Barbara Stanwyck de “Almas em Fúria” (The Furies). Mann soltou as rédeas para que Lee J. Cobb, ator conhecido por seus excessos interpretativos, compusesse um desvairado homem mau, mórbido e repulsivamente lascivo. Mesmo a estudada teatralidade dos gestos e reações que Cobb impõe ao personagem não tiram dele a asquerosa bestialidade. Homens como Dock Tobin viviam seus derradeiros dias nas cidades do Velho Oeste que começavam a mudar e o vetusto malfeitor sabia que o fechamento de seu ciclo era iminente. Escolhe para último ato um assalto a uma cidade que, como ele, se transformou num fantasma do que fora em outros tempos. E assim como Lassoon é só uma lembrança, suja, empoeirada e triste, o mesmo ocorre com o velho homem do oeste em seus últimos dias.

Lee J. Cobb
Confronto na cidade-fantasma - O momento culminante de muitos westerns de Anthony Mann se passa em montanhas, com homens se defrontando num grande palco rochoso natural com balas ricocheteando em todas as direções. Em “O Homem do Oeste” o diretor preferiu o anticlímax com a ação mais vigorosa antecipando o embate entre as escarpas íngremes das montanhas. Este se passa entre Link Jones e Dock Tobin e é decepcionante, com Tobin atirando para cima e pedindo para ser morto, provocando o sobrinho dizendo a ele “Você perdeu seu apetite de matar”, enquanto Link responde a frase insípida “Vou te pegar, Dock”, no final menos inspirado entre tantos filmados por Anthony Mann. Ainda que não memorável, o confronto entre Link enfrentando Claude, Ponch (Robert J. Wilke) e Trout (Royal Dano) na cidade-fantasma de Lassoon supera aquele que deveria ser o grand finale entre Link e Dock Tobin. E Anthony Mann junta aos muitos antológicos momentos de violência de seus westerns a luta encarniçada entre Link e Coaley, apesar de a sequência apresentar de modo inverossímil, o personagem de Gary Cooper como vencedor.

Jack Lord e o dublê de Gary Cooper; Gary Cooper despindo Jack Lord.

Jack Lord, Gary Cooper e Julie London.
Estupro moral - Neste penúltimo western de Anthony Mann a personagem feminina Billie Ellis tem invulgar importância, algo pouco comum nos westerns de modo geral. Billie (Julie London) é uma cantora que se apresenta de cidade em cidade sendo alvo por onde passa do assédio de homens que não resistem à sua beleza. Link não a vê como objeto sexual, o que a intriga. Diz ela a Link Jones ser ele é o primeiro homem, desde que ela tinha 14 anos, que olha para seus pés e não para outras partes de seu corpo. O roteiro reserva para a personagem uma sequência de erotismo perverso brilhantemente concebida por Mann quando Billie, mulher experiente mas ainda belíssima, sofre um estupro moral ao ser forçada a um strip-tease dentro da cabana onde está com Link, cena assistida pelos cinco bandidos. Mais tarde Billie se vê forçada a passar a noite com Link, ambos simulando serem casados. Após a humilhação a que foi submetida e depois da inesperada noite de amor com Link, Billie se apaixona pelo redimido bandido. Para má sorte da mulher, Link confessa estar casado, que sua esposa é bonita, tendo com ela dois filhos. Encontrar o amor de sua vida só faz de Billie uma mulher mais sofrida, acrescentando-se ainda a violação que sofre por parte do alucinado Dock Tobin, isto quando Link e os demais bandidos estão em Lassoon. E o filme se encerra tristemente com Billie aceitando seu destino, agradecida pelos melhores momentos que teve na vida, justamente ao lado de seu protetor Link.

Acima e abaixo Julie London.


Julie London, Lee J, Cobb,
Robert J. Wilke e Royal Dano
Tocante desempenho de Julie London – Mesmo inadequado como Link Jones, Gary Cooper tem boa atuação, lutando estoicamente contra o incômodo personagem que teve que desempenhar e contra as dores que o forçam a andar alquebradamente. Lee J. Cobb se impõe de maneira impressionante, ator intenso que apesar do impulsivo over-acting cresce na tela como trágica figura paterna, fazendo dos demais atores meros coadjuvantes, inclusive Cooper. Julie London como Billie Ellis tem, provavelmente, seu melhor e mais tocante desempenho no cinema. Cantora excepcional, Julie não entoa nenhuma canção neste filme, num desperdício incompreensível, mais ainda porque a canção-tema, sem letra, foi composta por seu marido Bobby Troup. Arthur O’Connell é o escroque que não engana ninguém e que se sai bem quando tem de mostrar covarde. John Denher como o cético sobrinho, Jack Lord como o bandido impetuoso, Royal Dano como o psicopata mudo e Robert J. Wilke como o idiotizado Ponch, estão perfeitos como os bandidos que são chamados de ‘porcos’ por Dock Tobin. Chuck Roberson e Jack Williams, que atuam também como stuntmen, têm participações na sequência de assalto ao trem, ambos se mostrando merecedores da chance recebida.

Gary Cooper e Jack Lord. Jack Lord atirando

O talento de Anthony Mann - Considerado por alguns críticos (entre eles Jean-Luc Godard) como o melhor dos westerns de Anthony Mann, “O Homem do Oeste” carrega o pecado da escolha errada de Gary Cooper como ator principal. Sabe-se que James Stewart (oito anos mais novo que Cooper) queria o papel, mas sequer foi considerado por Mann, com quem havia brigado no ano anterior. Outro ator cogitado para viver o personagem foi Stewart Granger, que teria o desafio de ser um ex-bandido. Imagina-se que grande filme teria sido “O Homem do Oeste” com Robert Mitchum como Link Jones. Admirável exercício de violência e sadismo este western de Anthony Mann com contornos de tragédia é obrigatório por sua força e aspectos psicológicos que o diretor desenvolve com invulgar domínio e precisão.

John Dehner com Lee J. Cobb; Jack Lord e John Dehner.

Lee J. Cobb; Gary Coper e Arthur O'Connell.

John Dehner; Robert J. Wilke.

Pôsteres norte-americano, italiano e francês de "O Homem do Oeste".

2 comentários:

  1. Grande Darci! Como vai? Comprei esse western por acaso há muito tempo nas lojas americanas. Me surpreendi com a qualidade do filme. Concordo com o que você escreveu, sobre o erro do diretor em escalar Cooper para o papel. É visível que sua idade não "combinou" com o personagem. Mas em suma, realmente, trata-se de um ótimo filme. Ontem assisti AUDAZES E MALDITOS, ótimo filme de Ford que está no box "Cinema Faroeste" lançado pela versátil. Achei o filme sensacional. No mais, é isso, grande abraço mestre!

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    1. Olá, Jefferson. 'Audazes e Maldito' está na fila para ser resenhado pois afinal é um western do maior diretor do gênero. Né não? - Abraço do Darci.

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