Burt Reynolds e Sergio Corbucci |
Sergio Corbuci é, ao lado de Sergio
Leone, o mais bem sucedido diretor do tão admirado ciclo de westerns spaghetti.
Em 1966 Corbucci já havia filmado dois outros faroestes quando foi lançado
“Django”, filme que obteve extraordinário sucesso gerando inúmeras sequências
que utilizaram indiscriminadamente o nome do mais famoso justiceiro da
contrafação europeia. Nenhuma delas, no entanto, foi dirigida por Corbucci. Ao
contrário de Leone, Corbucci filmava com incrível rapidez e sua longa lista de
westerns é composta de alguns clássicos do gênero e pelo menos uma obra-prima,
“O Vingador Silencioso” (Il Grande Silenzio), realizado em 1968. Na filmografia
western de Corbucci, “Navajo Joe” (no Brasil “Joe, o Pistoleiro Implacável”) é
injustamente menos lembrado e nunca alçado ao nível de seus melhores trabalhos.
A razão talvez seja porque Burt Reynolds, o protagonista, não tenha se
interessado em se tornar um ídolo dos westerns spaghetti. Já se disse que
Franco Nero representou para Corbucci o mesmo que Clint Eastwood significou
para Sergio Leone, enquanto Burt Reynolds preferiu encaminhar sua carreira
longe de Almería e das dificuldades climáticas e linguísticas que o western
spaghetti criava para atores norte-americanos. Todavia, assistindo-se “Navajo
Joe” fica a certeza que nem Franco Nero ou Eastwood seriam capazes de emprestar
ao personagem o brilho que Reynolds conseguiu com seu ágil desembaraço nas
sequências de ação e a necessária introspecção típica de um índio.
Burt Reynolds; abaixo o bando a cavalo. |
Um
dólar por cabeça - O bando chefiado por Mervyn Duncan
(Aldo Sambrell) vive de matar índios, vendendo seus escalpos a um dólar por
unidade na cidade de Pyote. Numa dessas investidas o bando massacra um remanescente
povoado Navajo e o próprio Duncan escalpela a esposa de Navajo Joe (Burt
Reynolds). Duncan recebe uma informação que 500 mil dólares serão transportados
por trem para o banco de Esperanza e decide se apropriar do dinheiro em conluio
com o Dr. Chester Lynne (Pierre Cressoy), cidadão proeminente de Esperanza. O
bando de Duncan é seguido à distância por Navajo Joe que aos poucos provoca
baixas entre os bandidos. A chegada de Duncan aterroriza Esperanza e Joe se
oferece para enfrentar os malfeitores, cobrando para isso um dólar de cada
habitante da cidade por bandido que ele mate. Sem outra alternativa o povo de
Esperanza aceita a proposta do índio que esconde o dinheiro guardado no banco.
Quando Duncan e seu bando retornam à cidade são recebidos a tiros e a explosões
de dinamite por Joe, sendo exterminados e restando apenas Duncan e seu
perseguidor. No confronto final ambos sucumbem mas Joe ainda consegue fazer com
que seu cavalo leve o dinheiro até Esperanza.
Aldo Sambrell ladeado por Lucio Rosato e Alvaro de Luna; abaixo Reynolds e cidadãos de Esperanza. |
Vilão
bastardo - Índios em western spaghetti são personagens raros e
incomuns como heróis das histórias. Afora isso, “Navajo Joe” segue à risca o
modelo de grande parte desse tipo de filme que invariavelmente apresenta um
personagem solitário que atua como vingador ou caçador de recompensas. Ele possui
extrema destreza no manejo de armas e faz uso dessa habilidade em cidades cuja
população é acovardada e acuada por bandidos. Ainda que dentro do modelo
incansavelmente utilizado em dezenas e dezenas de faroestes ítalo-espanhóis,
“Navajo Joe” se diferencia pela inescrutável presença do índio que não deixa
nenhum indício da razão da sua empreitada. Em “Navajo Joe”, Duncan chega mesmo
a pensar que o índio é um mero caçador de recompensas. Aos cidadãos de
Esperanza o Navajo clama apenas ser mais legitimamente americano que os tantos
descendentes de imigrantes europeus que o vêem com desprezo. O brutal Duncan,
por sua vez, reage instintivamente à sua condição de bastardo que ele não
gostaria de ser e sua crueldade nata pouco tem a ver com o objetivo maior que é
o roubo dos 500 mil dólares. A cidade acuada e a trama em torno do roubo formam
o cenário no qual Joe perpetrará sua vingança.
Nicoletta Machiavelli com Burt Reynolds. |
Propósitos
torpes - “Navajo Joe” recebeu em Português o inadequado título
“Joe, o Pistoleiro Implacável”, sem dúvida para atrair aquele espectador que se
deleita com o incontável número de mortes que um filme pode produzir. Joe não é
um pistoleiro, mas sim um índio privado de seu solo nativo e deslocado para uma
região onde sua gente é cruel e covardemente assassinada. É sim, exímio no
manejo do rifle de repetição. Inicia então sua vingança contra os homens
capazes de matar pelo mais torpe dos motivos que é receber um dólar por escalpo
índio, valor pago por cidadãos brancos que visam o total extermínio dos
nativos. Índios falam pouco mas quando o fazem é de modo certeiro como suas
flechas. Tanto que Joe diz à mestiça Estella (Nicoletta Machiavelli) que ela
faz perguntas demais, perguntas às quais ele não responde. Porém numa curto
discurso em resposta ao xerife de Esperanza, Joe lembra que seu pai, e o pai de
seu pai e o pai deste e assim por diante, estavam naquela terra quando da
chegada daqueles que usurparam a terra dos índios. Em seguida Joe retira a
estrela do peito do xerife, filho de imigrante escocês, estrela que é o símbolo
de uma autoridade que os brancos se outorgaram e que sequer são capazes de
impor quando acossados por bandidos como Duncan.
A morte de Alvaro de Luna. |
Brutalidade
extrema - Para Corbucci o fã de faroestes gosta mesmo é de ação e o
diretor não se furta de criar sequências em série com intensa movimentação. O
talento desse diretor reside em fazer com que os muitos confrontos surjam
naturalmente e nunca de forma gratuita. E Corbucci é um mestre nesse tipo de
sequências, mais ainda quando conta com um ator com a incrível agilidade e
intrepidez de Burt Reynolds. Algumas das passagens podem até chocar pela
violência e crueldade com que foram encenadas como a frieza com que Duncan
assassina o padre Rattigan (Fernando Rey). Dentro da igreja o pároco agradece o
bandido por este ter poupado vidas inocentes e como resposta é alvejado a
queima-roupa por Duncan. Um dos mais desprezíveis bandidos apresentados nos
westerns spaghetti, Duncan é um psicótico que não vacila em matar atirando
pelas costas mesmo em companheiros que o desobedecem. Tenta arrancar uma
informação de Joe submetendo-o a uma bárbara sevícia e não satisfeito,
empunhando um chicote, parece querer surrar Joe até a morte no melhor estilo do
famigerado e antológico Liberty Valance criado por Lee Marvin. É contido pelo
bandido Sancho (Álvaro de Luna) que lembra a Duncan que mortos não falam e que os
bandidos precisam da preciosa informação. E a morte de Duncan se dá de modo
terrível ao ter cravado na testa uma machadinha índia arremessada certeiramente
pelo Navajo Joe.
Burt Reynolds sendo surrado a chicote por Aldo Sambrell; Aldo Sambrell matando Fernando Rey. |
Tanya Lopert e Franca Poleselic; abaixo Lucia Modugno. |
Belas
donas entre socos e tiros - Primando pela violência, Corbucci
faz um contraponto perfeito ao reunir um elenco feminino de rara beleza com as
três graciosas coristas (Tanya Lopert, Franca Poleselic e Lucia Modugno), a
índia esposa de Joe (Maria Cristina Sani) que aparece brevemente no início do
filme, a madura filha do banqueiro (Valeria Sabel), a sonhadora europeia que
chega àquele novo mundo para morrer (Dyanik Zurakowska) e mais que todas a
mestiça interpretada por Nicoletta Machiavelli. E Corbucci brinca com o anseio
do espectador ao não permitir que Joe e Estella se relacionem amorosamente,
‘coisa’, segundo o diretor, do açucaramento típico dos faroestes
norte-americanos. Paradoxalmente Corbucci opta por fazer com que seja o cavalo
de Joe quem receba suas atenções e afagos, assim como faziam cowboys nos
westerns ‘B’ produzidos por Hollywood e estrelados por Hopalong Cassidy, Ken
Maynard, Charles Starrett e outros.
Franca Poleselic, Tanya Lopert e Nino Imparato; Franca Poleselic com Cris Huerta. |
Burt Reynolds atirando a machadinha que atinge a testa de Aldo Sambrell. |
Confronto
memorável - Sergio Corbucci não era adepto de finais em que o herói
ou anti-herói parte para novas jornadas após cumprir sua missão. O Navajo Joe
se defronta com Mervyn Duncan ao final, quando o atrai para um cemitério
indígena e ali executa sua vingança aplicando memorável surra no bandido. Ao
arrancar o medalhão com dois triângulos do pescoço de Duncan, este afinal
descobre a razão de ser perseguido pelo índio. O bandido roubara esse medalhão
da esposa de Joe antes de matá-la e retirar seu couro cabeludo. Prestes a
consumar o castigo escalpelando Duncan ainda vivo, Joe se distrai e isso é o
suficiente para o agonizante facínora sacar um revólver que tinha escondido
dentro do casaco e atirar diversas vezes contra o índio acertando no peito. Mesmo
ferido mortalmente Joe apanha uma machadinha, atira-a com força cravando-a na
testa de Duncan. Toda essa sequência transcorre em segundos, diferentemente dos
elaboradíssimos finais de Sergio Leone que de análogo tem a preciosa música de
Ennio Morricone.
Burt Reynolds |
Trilha
musical fascinante - Ennio Morricone compôs para “Navajo
Joe” uma trilha musical relativamente simples se comparada, às clássicas
trilhas de sua autoria mais conhecidas. O tema principal é repetido em muitos
momentos do filme com variações de arranjo que o torna apropriado e funcional. Morricone
mais uma vez contando com o coral ‘I Cantori Moderni’ sob a regência de
Alessandro Alessandroni, destacando a voz aguda de Gianna Spagnolo, faz com que
o espectador se sinta às portas de um inferno dantesco. Morricone faz
experiências sonoras com o uso de instrumentos exóticos como a tabla, a cítara
e outros acrescentando dramaticidade às violentas sequências. Marcante ainda o
estrondo de tambores que diminui de intensidade para dar vez às vozes femininas
do ‘I Cantori Moderni’ entoando repetidamente ‘Navajo Joe’, ‘Navajo Joe’, ‘Navajo
Joe’.
Aldo Sambrell; Fernando Rey. |
Aldo
Sambrell, memorável vilão - Burt Reynolds recebeu inúmeras vezes
em sua carreira prêmios de ‘Pior Ator’. Excepcionalmente bem sucedido nas
bilheterias Reynolds nunca se destacou por seu talento dramático ou mesmo de
comediante, ainda que tenha sido indicado ao Oscar em 1997 por “Boogie Nights”
e vencido o Globo de Ouro por seu desempenho nesse mesmo filme. Dirigido por
Sergio Corbucci, Reynolds está perfeito como o vingador Navajo, demonstrando
durante todo o filme sua habilidade não esquecida dos tempos de stuntman, numa
performance admirável. Todas as sequências arriscadas nas quais participa foram
supervisadas pelo próprio Burt Reynolds. Aldo Sambrell brilha intensamente como
o contido porém impiedoso bandido, numa atuação memorável mas que não guindou
ao panteão dos grandes vilões dos westerns spaghetti. Nicoletta Machiavelli é
praticamente um enfeite no filme, pouca oportunidade tendo de mostrar seu
talento de atriz. Fernando Rey que em seguida brilharia como vilão em “Operação
França” (I e II) e seria o ator preferido de Luís Buñuel, pouco tem a fazer
como o Padre Rattingan. Nino Imparato, ator de poucos filmes e que lembra Jimmy
Durante, é o responsável pelos escassos momentos de humor.
Western
influente - Uma curiosidade: o cavalo Pinto que Burt Reynolds monta
era todo branco e teve suas manchas pintadas. Reynolds destinou verba para o proprietário
do cavalo para que este tivesse até o final de sua vida um tratamento especial.
“Navajo Joe” é um western espetacular, tendo influenciado visivelmente “Renegado
Vingador” (Chato’s Land), de Michael Winner e grande sucesso de Charles
Bronson. Este faroeste de Sergio Corbucci merece estar entre os melhores
westerns spaghetti e reluz na refulgente filmografia do diretor.
Tenho este filme e o cd. Apaixonei-me pelo Cinema & Spaghetti Western (o gênero), graças a música de Ennio Morricone criada para "..Era Uma Vez no Oeste" (1969), de Sergio Leone. Morricone tinha um parecer para seu estilo musical. Certa vez, um crítico de cinema da Revista Premiere, indagando-lhe o motivo dele recorrer tanto ao coral na maioria de seus temas. No que ele respondeu: "A voz do homem é o instrumento mais bonito, o mais perfeito, porque ele vem das profundezas de nosso corpo, é mesmo o som arrancado da vida. Com a voz não existe mediação do instrumento, é o som diretamente enraizado nas nossas entranhas. Ainda ressaltando que "eu amo os instrumentos de música". Morricone deixou o maior legado em trilhas sonoras para a História do Cinema, foram 528 créditos. Faleceu em 6 de julho de 2020, aos 91 anos. O tema para o seriado "Marco Polo (1980/81), de Giulianmo Montado; ainda que não tenha sido tema de um Western, considero sua obra de maior inspiração e o mais belo tema já feitos para a televisão.Tenho o seriado e o o cd duplo. Ennio Morricone, que Deus o guarde para a eternidade!...
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