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30 de julho de 2015

O ÚLTIMO PISTOLEIRO (THE SHOOTIST), O COMOVENTE ADEUS DE JOHN WAYNE


Nenhum outro epitáfio poderia ser mais apropriado a John Wayne que seu código de honra expresso pelo personagem John Bernard Books em “O Último Pistoleiro” (The Shootist): “Ninguém me engana, ninguém me insulta, ninguém bota a mão em mim; não faço essas coisas com outras pessoas e exijo delas o mesmo”. Não só a partir dessa epígrafe, mas e principalmente pelas tristes semelhanças entre o filme de Don Siegel com o final de vida de John Wayne, este seu derradeiro trabalho no cinema se tornou a mais perfeita, sincera e condoída homenagem que um ator poderia receber. E se o western de Siegel é amargo e doloroso, não o é menos admirável ao mostrar o crepúsculo de um tempo que criou homens lendários que o cinema ajudou a mitificar.



James Stewart e John Wayne
A morte do pistoleiro - J.B. Books (John Wayne) chega a Carson City (Nevada) para se consultar com o Dr. Hostetler (James Stewart), médico que há tempos lhe salvara a vida após um tiroteio. Books se queixa de fortíssimas dores na vértebra lombar e após ser examinado o diagnóstico indica que ele tem poucas semanas de vida, seis, se tanto. Muito famoso pelos mais de 30 homens que matou em confrontos, o pistoleiro Books chegou incógnito a Carson City e é orientado pelo médico a se instalar na pensão da viúva Bond Rogers (Lauren Bacall) à espera da morte. Inicialmente Books esconde sua verdadeira identidade, mas logo toda cidade toma conhecimento da sua presença. O jogador Pulford (Hugh O’Brian), o estourado Cobb (Bill McKinney) e o rancheiro Sweeney (Richard Boone) se interessam por desafiar Books, os dois primeiros pela fama que eventualmente irão obter ao matar Books. Já Sweeney tem motivos pessoais pois seu irmão foi uma das vítimas de Books. O pistoleiro adoecido pede ao jovem Gillom (Ron Howard), filho da senhora Rogers, que avise aos três homens que os encontrará, com hora marcada, no Metropolitan Saloon. Inicialmente Books enfrenta e mata Cobb; no instante seguinte é alvejado por Sweeney, a quem também mata; Pulford consegue ferir Books porém tem a mesma sorte dos outros dois desafiantes. Ferido mas vitorioso Books é vítima do bartender do saloon que o alveja mortalmente para, em seguida, com a própria arma de Books, Gillon matar o traiçoeiro bartender.

Crepúsculo de um tempo - “O Matador” (The Gunfighter), 1950, foi o primeiro western a mostrar o lado obscuro e perverso acarretado pela fama de um pistoleiro. Outros filmes foram feitos na esteira desse clássico de Henry King, destacando-se “Gatilho Relâmpago” (The Fastest Gun Alive), de Russell Rouse, de 1956). Nos anos 60 Sam Peckinpah deu forma ao que se convencionou chamar de ‘faroestes crepusculares’, com “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), de 1962, “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch), de 1969, e “A Morte não Manda Recado” (The Ballad of Cable Hogue), de 1970. Escrito em 1974 por Glendon Swarthout e lançado em 1975, o livro “The Shootist”, junta esses dois temas ao contar a história do pistoleiro que em seus últimos dias de vida quer apenas morrer em paz porque como o próprio personagem diz “minha morte é assunto que me pertence”. John Wayne, melhor que qualquer outro ator personificou o íntegro, destemido e aparentemente indestrutível homem do Oeste norte-americano. E é Wayne, através de John Bernard Books quem lembra à ex-amante Serepta (Sheree North) que “todos nós temos o nosso próprio tempo”. O Velho Oeste, os pistoleiros e mesmo John Wayne tiveram seu próprio tempo e Don Siegel, poética e brilhantemente, fez esse registro em “O Último Pistoleiro”.

John Wayne à esquerda com Lauren Bacall e à direita com Sheree North.

John Carradine
Abutres humanos - O roteiro divide o filme em oito dias e em cada um deles mais se acentua o drama de J.B. Books, atormentado pela saúde que se esvai. O primeiro vidro de láudano (linimento à base de ópio e álcool) dado pelo dr. Hostetler acabou e, desiludido, Books desiste de repetir outro vidro. Em seus últimos dias o velho homem do oeste é assediado por oportunistas que tentam tirar proveito de sua morte: o jornalista que pretende escrever sobre sua vida acrescentando detalhes inverossímeis; o agente funerário que lhe promete um enterro de primeira mas que quer mesmo é fazer um espetáculo circense com o cadáver  de Books; o barbeiro que não lhe cobra pelo corte de cabelo mas que recolhe os fios cortados do chão sentindo-se tentado a vendê-los após a morte do pistoleiro. Pior que todos é a presença de Serepta, mulher que um dia Books amou e que ressurge em sua vida pedindo-lhe que se case com ela, forma legal da interesseira mulher se apoderar dos direitos sobre suas valiosas memórias. Cobb, Pulford e Sweeney não são menos desprezíveis que essas biltres, com a diferença que o que lhes interessa é a notoriedade de haver matado J.B. Books.

Acima John Wayne com Sheree North e com Harry Morgan;
abaixo Wayne com Rick Lenz e à direita Alfred Dennis.

‘Até um touro morre’ – O destino tornou os últimos dias de J.B. Books mais amenos com seu encontro com a viúva Bond Rogers, com quem o pistoleiro mantém uma platônica amizade. O filho de Bond admira Books de quem recebe em poucos dias de convívio talvez lição de vida maior que a deixada por seu pai falecido há um ano. Uma das magistrais sequências de “O Último Pistoleiro” é quando Gillom Rogers, após matar o bartender, deixa o Metropolitan Saloon: havia entrado um jovem adolescente e quem sai do local do tiroteio é um homem, duro no olhar e no caminhar em direção à sua vida que parece começar ali. Simplesmente primorosas são todas as sequências entre Books e a viúva Rogers, pela delicadeza dos contatos nunca físicos, mas de alma, ela que se compadece daquele homem rude que está cada vez mais próximo da morte. Igualmente magníficos são os diálogos entre Books e o dr. Hostetler, este direto, falando sem rodeios do mal incurável do amigo que veio de longe para lhe procurar. “Você disse para mim que eu era forte como um touro...”, questiona Books, que ouve a resposta seca do clínico: “Até um touro morre”.

John Wayne e James Stewart

Books como John Wayne – Siegel, que sempre primou pela economia de tomadas e diálogos, desenvolve “O Último Pistoleiro” de forma lenta, mas jamais arrastada. O clímax passado dentro do saloon, mesmo com cinco mortes, é rápido e emocionante, com direito a um singular momento dos tempos de Wayne na Monogram, Mascot e Republic, quando Books vê a movimentação de Pulford refletida em um copo no balcão. E num tempo em que Sam Peckinpah levava a extremos a violência com banhos de sangue, Books encontra a morte ao receber dois disparos de grosso calibre, o máximo que Siegel se permitiu para se aproximar da tendência daqueles dias. Contraponto a esse momento são as imagens iniciais em preto e branco com um pseudo J.B. Books sendo mais rápido que adversários em sequências extraídas de “Rio Vermelho” (Red River), “Caminhos Ásperos” (Hondo), “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo) e “El Dorado”. Esse incrível achado, com John Wayne em fases diferentes de sua carreira, reforça inequivocamente a intenção de confundir o fictício John Bernard Books com o real John Wayne.

Nos clips exibidos no início do filme, em preto e e branco, John Wayne aparece
respectivamente nos filmes "Rio Vermelho" (Red River), "Caminhos Ásperos"
(Hondo), ""Onde Começa o Inferno" (Rio Bravo) e "El Dorado".

Ron Howard
Personagem sublime – No livro de Glendon Swarthout o pistoleiro J.B. Books é um homem sem escrúpulos, capaz de atirar, pelas costas, nas nádegas de um desafeto. Grosseiro, sua linguagem é sempre blasfema e poucas frases suas não contém impropérios. John Wayne exigiu que o personagem fosse substancialmente alterado para que sua imagem permanecesse a mesma cultivada nas mais de duas centenas de filmes. Gillom Rogers, o personagem de Ron Howard, é no livro “The Shootist” um jovem a um passo de se tornar fora-da-lei e sua admiração por J.B. Books advém justamente da falta de princípios do pistoleiro. No tiroteio no saloon é Gillom quem atira em Books pelas costas matando-o para saborear a reputação de ter liquidado o célebre pistoleiro. Essa alteração também foi imposta por Wayne que entendeu ser Gillom Rogers um exemplo negativo para os jovens norte-americanos. Paul Newman era a primeira opção para interpretar J.B. Books, que no livro tem 51 anos de idade (o personagem de Wayne tem 58 anos). Com Newman, que certamente não pediria para alterar o texto original, “O Último Pistoleiro” seria um filme diferente. E a diferença é que nem Newman, nem ninguém é John Wayne, e o Duke com seu carisma único criou um dos personagens mais sublimes de todos os westerns. 

A morte de John Wayne.

Lauren Bacall
Bacall fenomenal – Normalmente menosprezado como ator, John Wayne demonstrou inúmeras vezes o quanto os críticos lhe foram injustos. Afinal lhe deram um Oscar com sabor de consolação por uma interpretação menor, um canyon distante de Ethan Edwards (“Rastros de Ódio”/The Searchers) ou de Tom Dunson (“Rio Vermelho”/Red River). Em seu derradeiro trabalho no cinema Wayne tem atuação extraordinária compondo um personagem que enternece e que, assistido após sua morte em 1979, provoca um nó na garganta mesmo àqueles espectadores menos sensíveis. Lauren Bacall em seu segundo filme com John Wayne faz jus ao apelido ‘Bacall Fenomenal’ pois está soberba como a mulher madura que se compadece do pistoleiro. Incrivelmente sincera tira qualquer dúvida quanto a ter sido ótima atriz. Ron Howard excelente como o jovem que se deixa influenciar por Books. James Stewart perfeito como o médico acuado pela atroz revelação a ser feita. Uma falha deste filme de Don Siegel é não ter delineado melhor os três personagens que se defrontam com Books. Hugh O’Brian ainda tem oportunidade de relembrar os tempos de Wyatt Earp usando traje igual, enquanto Richard Boone é um talento dos maiores para fazer pouco mais que uma modesta participação especial. Bill McKinney, morto por Wayne, iguala-se a Robert Duvall, também morto em westerns pelo Duke e por Clint Eastwood. Apesar de pequenas, muito boas as participações de Sheree North, Scatman Crothers e Harry Morgan, enquanto John Carradine com paletó da época, colete e cartola é o mais perfeito agente funerário do cinema.

Lauren Bacall com John Wayne

John Wayne
Despedida do grande cowboy – Em sua bela filmografia, “Estrela de Fogo” (Flaming Star) destacava-se como o melhor dos westerns que Don Siegel havia dirigido, entendendo-se que “O Estranho que Nós amamos” (The Beguiled) não seja exatamente um faroeste. Com “O Último Pistoleiro” Siegel realizou um dos grandes filmes do gênero dos anos 70 e um dos cinco melhores westerns estrelado por John Wayne, excetuadas as obras-primas dirigidas por John Ford. Filmado parcialmente em Carson City, cidade que ainda mantinha prédios da virada do século XIX para o século XX, “O Último Pistoleiro” conta com excelente cinematografia de Bruce Surtees e eficiente mas discreta trilha sonora musical composta por Elmer Bernstein, de quem sempre se espera o mesmo brilho e inspiração da clássica trilha de “Sete Homens e Um Destino” (The Magnificent Seven). “O Último Pistoleiro” foi o adeus triste e melancólico de John Wayne, num western comovente e digno do maior cowboy do cinema que foi John Wayne.

John Wayne e Ron Howard

Bill McKinney e John Wayne (McKinney no espelho).

Richard Boone e John Wayne (Boone no espelho).

Hugh O'Brian e John Wayne (O'Brian no espelho).

John Wayne

A cidade de Carson City como se fosse 1901, já com postes de eletricidade, bonde
com tração animal; na foto à direita Carson City recriada em Burbank.


2 comentários:

  1. Desde a infância assistia faroeste com meu pai. Sou fã do gênero e este é sem dúvida um dos melhores faroestes que já assisti. E o grande John Wayne como sempre um grande ator. Emocinante despedida.

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  2. Que final épico, o filme, a versão do cinema na minha opinião foi a melhor que a história do livro, o final foi poético e emocionante! Obrigado pela matéria! John Wayne é singular! Dizem que ninguém é insubstituível, não é verdade...Jonh Wayne é a prova do contrário!!!

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