Pôster do western de 1939 dirigido por Henry King. |
“Esse
é um filme ordinário que eu não reconheço como meu”,
afirmou o diretor Nicholas Ray sobre “The True Story of Jesse James”. Produzido
pela 20th Century-Fox em 1956 e lançado em 1957, esse mesmo estúdio havia
filmado em 1939 o clássico “Jesse James”, dirigido por Henry King e com Tyrone
Power e Henry Fonda como os irmãos James. Para o novo filme a Fox utilizou o roteiro original escrito por Nunnally Johnson para a versão de 1939,
texto adaptado por Walter Newman. Nicholas Ray finalizou seu filme com a
duração de 105 minutos e com essa metragem foi submetido à direção da
Fox numa exibição que contou com a presença do então presidente Spyros Skouras.
Após assistir ao filme, Skouras disse que não havia entendido nada daquele
western repleto de flashbacks e exigiu que o filme fosse inteiramente remontado
eliminando-se longos diálogos desnecessários e quantos flashbacks fosse
possível excluir. Com a nova edição “The True Story of Jesse James” foi
encurtado para 92 minutos sendo desprezado pelo talentoso e discutido diretor e
desprezado também por boa parte da crítica que raramente reconhece suas
qualidades. No Brasil esse western de Nicholas Ray recebeu o título “Quem foi
Jesse James”.
Robert Wagner e Jeffrey Hunter |
Os
irmãos James e o crime - No Missouri, durante a Guerra de
Secessão, a família James simpatiza com a causa sulista e sofre, em razão disso,
pressões do Exército da União. Um destacamento procura por Frank James (Jeffrey
Hunter), suspeitando que ele faça parte de guerrilheiros liderados por William
Quantrill. Jesse James (Robert Wagner), o irmão mais novo de Frank, é
igualmente perseguido por partidários dos nortistas sendo a casa dos irmãos
alvo de ataque, ficando ferida a senhora James (Agnes Moorehead), mãe de Jesse
e de Frank. Enfrentando dificuldades de ordem financeira, Frank e James unem-se
aos irmãos Younger e a outros ex-confederados, também espoliados de seus
direitos, formando um bando para assaltar bancos e trens. Bem sucedido na
primeira empreitada criminosa sob o comando de Jesse James, a quadrilha
prossegue assaltando com seu líder se transformando em uma lenda e sendo
reconhecido como bandido amigo dos pobres. Jesse se casa com Zerelda (Hope
Lange), moça do Missouri. Frank também se casa e os irmãos passam a viver em
Nashville, no Tennessee, com as esposas. A Agência Remington de Detetives segue
os passos da quadrilha que é emboscada quando decide assaltar um banco em
Northfield, Estado de Minnessota. Jesse e Frank escapam com vida e quando Jesse
retorna para sua casa, em St. Joseph, para nova fuga é morto por seu amigo Robert Ford (Carl
Tayler).
Robert Wagner |
Jovem
incompreendido - É impossível saber como seria o filme realizado por
Nicholas Ray em sua versão original 13 minutos mais longa pois ninguém jamais
se interessou em lançar a chamada ‘director’s cut’ desse western. Porém
descontando-se a falta de rigor histórico, “Quem foi Jesse James” é um faroeste acima da média. Certo que um tanto confuso devido aos inúmeros flashbacks e distante
ainda de discutir mais profundamente a ordem social, marca de Nicholas Ray,
senões compensados por não conter o excessivo psicologismo de “Johnny Guitar”. Enquanto
na anterior versão de Henry King responsabilizou-se a ganância dos especuladores
de terra pela rebeldia dos irmãos James, no filme de Ray os desdobramentos da
guerra civil é que são apontados como responsáveis pelo desencaminhamento de
Jesse e Frank. Inequivocamente simpático ao Sul, “Quem foi Jesse James” mostra
que as práticas severas, repressoras e discriminadoras da União determinaram a
opção pelo crime dos jovens irmãos. Em alguns momentos, que talvez tenham
escapado da tesoura do estúdio, atenua-se a culpa de Jesse James, como quando é
lembrado piegasmente que o jovem precisaria de quem o ouvisse e compreendesse. Porém
adiante o roteiro censura a conduta de Jesse James na fala de seu próprio irmão
quando, após assassinar um desafeto desarmado atirando nele pelas costas, o
equilibrado Frank diz a Jesse que ele se viciou na violência.
Robert Wagner e Chubby Johnson; Hunter, Wagner e Hope Lange. |
Jeffrey Hunter como Frank James. |
A
consciência de Jesse - “Quem foi Jesse James” se inicia com
o assalto ao First National Bank de Northfield, Minnesota, quando o bando de
Jesse James é praticamente dizimado. A partir desse fato e de forma
semidocumentária o filme tenta responder à pergunta ‘quem foi Jesse James’ com
depoimentos diversos sobre a personalidade do famoso fora-da-lei. Conhecido
como espécie de Robin Hood do Velho Oeste, esse fato é enfatizado com a
sequência em que Jesse e seu bando se refugiam por um dia na casa de uma viúva
após praticarem mais um assalto. A velha senhora está prestes a perder a
propriedade por não conseguir pagar a hipoteca para o banco (nortista, claro).
Jesse então entrega à viúva os 600 dólares necessários para saldar a dívida os
quais são repassados ao agente do banco. Quando este parte satisfeito, Jesse o
assalta e recupera o dinheiro que havia dado à mulher, fazendo caridade com
dinheiro alheio mas recebendo a fama de bandido generoso. Com os dias de
pobreza tendo ficado para trás, Jesse, Frank e o resto do banco passam a se
vestir no rigor da moda que vem do Leste. Jesse sonha com uma vida pacata ao
lado de Zee (Hope Lange) e dos filhos, mas para manter o padrão de vida que ostenta
como ‘Senhor Thomas Howard’, nome fictício sob o qual esconde a verdadeira
identidade, Jesse tem que prosseguir assaltando trens e bancos. Com isso vê seu
nome ser conhecido nacionalmente, o que lhe dá orgulho. Frank é a consciência
do irmão Jesse e quando este se envaidece de ‘ser alguém’, Frank pergunta de
que vale ser alguém e ter de viver escondido.
Exemplos do perfeito uso do Cinemascope pelo cinegrafista Joseph MacDonald. |
‘Eu
matei Jesse James!’ - O roteiro de “Quem foi Jesse James”
difere bastante do escrito para “Jesse James” e entre as sequências acrescentadas
está a do batismo de Jesse e de Zee. Espalhafatosamente o Reverendo Bailey
(John Carradine) mergulha as cabeças do casal agora cristão, mas o mesmo
reverendo cobra a conduta de Jesse que horas após o batismo perpetra mais um
assalto. Estranha ao filme de 1939 é também a presença de Tucker, bandido
mulherengo e traiçoeiro que morre com o relógio de Jesse W. James e é
confundido com ele pelo xerife Hillstrom (John Doucette) e os homens da
Remington. E o epílogo com Robert (Robbie) Ford caminhando pelas ruas de St.
Joseph alardeando sua bravura por haver matado Jesse é um grande momento do
filme. Ninguém dá atenção a Robbie e todos correm em direção à casa onde Jesse
James foi morto. Um trovador negro e cego cria versos cantando a tragédia e já
acentuando que quem matou Jesse James (Mr. Howard) foi um covarde (coward).
Sequência em que Jesse James é baleado por Robert Ford. |
Descompromisso
com a história - Jesse James teve sua história contada
e recontada e os fatos de sua existência são fartamente conhecidos. Daí as
muitas críticas quanto à inexatidão de tantas situações mostradas pelo filme, como
por exemplo a troca da Agência de Detetives Pinkerton por ‘Remington’. O
próprio Allan Pinkerton, fundador da agência que levava seu nome, se empenhou
pessoalmente na caça aos irmãos James. Pouco preocupado com a história e sim
com a lenda que se formou em torno de seu nome, “Quem foi Jesse James” consegue
mesmo é ser um ótimo western, com excelentes cenas de ação e um extraordinário
trabalho de Joseph MacDonald. Esse diretor de fotografia que realizou trabalhos
memoráveis em preto e branco – “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine), “Céu
Amarelo” (Yellow Sky), “Pânico nas Ruas”, “Anjos do Mal” e tantos outros –
revelou-se com o advento do Cinemascope um verdadeiro mestre da utilização
exemplar dos espaços do novo processo. Seja nas tomadas em plano médio ou
panorâmicas, os enquadramentos de MacDonald são sempre primorosos e nesse
aspecto este western é magnífico.
Robert Wagner e Jeffrey Hunter; Jesse James (Wagner) e seus filhos no filme. |
Robert Wagner |
Sofrível
elenco principal – “Quem foi Jesse James” foi filmado
em 1956 e James Dean faleceu em setembro de 1955, mas especulou-se bastante que
Nicholas Ray queria Dean como Jesse James. Para a Fox, que mantinha sob
contrato Robert Wagner e queria fazer dele um grande astro, imaginá-lo como um
novo James Dean seria uma inteligente jogada de marketing. Mas o simpático Bob
Wagner, que em fevereiro último completou 85 anos de idade, teve toda uma longa
carreira para provar que nunca emularia o irrequieto ator de “Vidas Amargas”. E
Robert Wagner, assim como Hope Lange estão sofríveis como o casal
James-Zerelda. Jeffrey Hunter está ótimo como Frank James, num elenco bastante
grande em que o destaque negativo é Agnes Moorehead. A Atriz de “Soberba”
parece ser incapaz de se desvincular da imagem arrogante mesmo interpretando
uma sofrida camponesa. Curiosa a participação
de Chubby Johnson desta vez como um intolerante defensor da União contra os
confederados. John Carradine, que interpretou Bob Ford no “Jesse James” de 1939,
desta vez é um reverendo, ele Carradine que nunca dispensa um traje escuro nos
filmes.
O frustrado assalto ao First National Bank of Northfield; Jesse James baleado e cercado pela cunhada e esposa (Rachel Stephens e Hope Lange). |
Nicholas Ray |
Os
westerns de Nicholas Ray - Ray voltaria a dirigir Jeffrey
Hunter em “O Rei dos Reis”, com o ator como Jesus Cristo. Jeffrey Hunter viria
a sofrer um acidente cárdio-vascular em 1969 que o levou à morte aos 42 anos de
idade. Tão famoso por “Johnny Guitar”, Nicholas Ray merece ser lembrado também
por este irregular mas interessante e movimentado western. Ray já havia
realizado o brilhante “Paixão de Bravo” (The Lusty Men) com Robert Mitchum e
Susan Hayward e “Fora das Grades” (Run for Cover) com James Cagney, sendo “Quem
foi Jesse James” a despedida do diretor do gênero. Uma bela despedida, por
sinal.
O pôster italiano de "Quem foi Jesse James"; Bob Wagner, Hope Lange e Jeffrey Hunter em poses para a publicidade do filme. |
A cópia de "Quem foi Jesse James" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.
Salve Darci!
ResponderExcluirLi muito sobre esse filme há um tempo atrás quando estava pesquisando sobre JESSE JAMES para escrever uma resenha do clássico de 1939. Fiquei curioso para assisti-lo, no entanto, não o encontrei em parte alguma. Eu desconhecia esse fato, de James Dean ter sido cogitado para ser Jesse. Seria no minimo curioso vê-lo em um faroeste! Parabéns pelo ótimo post, como sempre, interessantíssimo. Abração!
Salve, Jefferson - Lembro bem que você se interessa muito por tudo que se refira a Jesse James. abraço - Darci.
ExcluirDarci, gostei da resenha, se encontrar quero assistir. Como disse você, tem vários filmes com o tema, sobre a vida desses dois irmãos, mas, é bom ver outros atores realizando o sonho de ser Jesse James, no cinema. Se encontrar compro. Paulo, mineiro.
ResponderExcluirOlá, Paulo - Esse filme foi lançado em DVD no Brasil e é exibido no Canal Telecine Cult. Portanto não é difícil de ser encontrado. Abraço - Darci.
ExcluirOlá, Darci! Chama a atenção o modo como a Fox utilizou descaradamente as cenas mais icônicas do clássico de Henry King (há pelo menos meia dúzia delas) para assim ajudar a remendar este desnecessário remake. Não me recordo de ter visto algo do tipo no meio cinematográfico dito Classe A (ou até Z). A começar por este "detalhe" este arremedo de filme sobre Jesse James já estava automaticamente condenado ao desprezo por público e crítica. Abração e Feliz 2019!
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