16 de julho de 2015

QUEM FOI JESSE JAMES (THE TRUE STORY OF JESSE JAMES), DE NICHOLAS RAY


Pôster do western de 1939 dirigido
por Henry King.
“Esse é um filme ordinário que eu não reconheço como meu”, afirmou o diretor Nicholas Ray sobre “The True Story of Jesse James”. Produzido pela 20th Century-Fox em 1956 e lançado em 1957, esse mesmo estúdio havia filmado em 1939 o clássico “Jesse James”, dirigido por Henry King e com Tyrone Power e Henry Fonda como os irmãos James. Para o novo filme a Fox utilizou o roteiro original escrito por Nunnally Johnson para a versão de 1939, texto adaptado por Walter Newman. Nicholas Ray finalizou seu filme com a duração de 105 minutos e com essa metragem foi submetido à direção da Fox numa exibição que contou com a presença do então presidente Spyros Skouras. Após assistir ao filme, Skouras disse que não havia entendido nada daquele western repleto de flashbacks e exigiu que o filme fosse inteiramente remontado eliminando-se longos diálogos desnecessários e quantos flashbacks fosse possível excluir. Com a nova edição “The True Story of Jesse James” foi encurtado para 92 minutos sendo desprezado pelo talentoso e discutido diretor e desprezado também por boa parte da crítica que raramente reconhece suas qualidades. No Brasil esse western de Nicholas Ray recebeu o título “Quem foi Jesse James”.


Robert Wagner e Jeffrey Hunter
Os irmãos James e o crime - No Missouri, durante a Guerra de Secessão, a família James simpatiza com a causa sulista e sofre, em razão disso, pressões do Exército da União. Um destacamento procura por Frank James (Jeffrey Hunter), suspeitando que ele faça parte de guerrilheiros liderados por William Quantrill. Jesse James (Robert Wagner), o irmão mais novo de Frank, é igualmente perseguido por partidários dos nortistas sendo a casa dos irmãos alvo de ataque, ficando ferida a senhora James (Agnes Moorehead), mãe de Jesse e de Frank. Enfrentando dificuldades de ordem financeira, Frank e James unem-se aos irmãos Younger e a outros ex-confederados, também espoliados de seus direitos, formando um bando para assaltar bancos e trens. Bem sucedido na primeira empreitada criminosa sob o comando de Jesse James, a quadrilha prossegue assaltando com seu líder se transformando em uma lenda e sendo reconhecido como bandido amigo dos pobres. Jesse se casa com Zerelda (Hope Lange), moça do Missouri. Frank também se casa e os irmãos passam a viver em Nashville, no Tennessee, com as esposas. A Agência Remington de Detetives segue os passos da quadrilha que é emboscada quando decide assaltar um banco em Northfield, Estado de Minnessota. Jesse e Frank escapam com vida e quando Jesse retorna para sua casa, em St. Joseph, para nova fuga é morto por seu amigo Robert Ford (Carl Tayler).

Robert Wagner
Jovem incompreendido - É impossível saber como seria o filme realizado por Nicholas Ray em sua versão original 13 minutos mais longa pois ninguém jamais se interessou em lançar a chamada ‘director’s cut’ desse western. Porém descontando-se a falta de rigor histórico, “Quem foi Jesse James” é um faroeste acima da média. Certo que um tanto confuso devido aos inúmeros flashbacks e distante ainda de discutir mais profundamente a ordem social, marca de Nicholas Ray, senões compensados por não conter o excessivo psicologismo de “Johnny Guitar”. Enquanto na anterior versão de Henry King responsabilizou-se a ganância dos especuladores de terra pela rebeldia dos irmãos James, no filme de Ray os desdobramentos da guerra civil é que são apontados como responsáveis pelo desencaminhamento de Jesse e Frank. Inequivocamente simpático ao Sul, “Quem foi Jesse James” mostra que as práticas severas, repressoras e discriminadoras da União determinaram a opção pelo crime dos jovens irmãos. Em alguns momentos, que talvez tenham escapado da tesoura do estúdio, atenua-se a culpa de Jesse James, como quando é lembrado piegasmente que o jovem precisaria de quem o ouvisse e compreendesse. Porém adiante o roteiro censura a conduta de Jesse James na fala de seu próprio irmão quando, após assassinar um desafeto desarmado atirando nele pelas costas, o equilibrado Frank diz a Jesse que ele se viciou na violência.

Robert Wagner e Chubby Johnson; Hunter, Wagner e Hope Lange.

Jeffrey Hunter como Frank James.
A consciência de Jesse - “Quem foi Jesse James” se inicia com o assalto ao First National Bank de Northfield, Minnesota, quando o bando de Jesse James é praticamente dizimado. A partir desse fato e de forma semidocumentária o filme tenta responder à pergunta ‘quem foi Jesse James’ com depoimentos diversos sobre a personalidade do famoso fora-da-lei. Conhecido como espécie de Robin Hood do Velho Oeste, esse fato é enfatizado com a sequência em que Jesse e seu bando se refugiam por um dia na casa de uma viúva após praticarem mais um assalto. A velha senhora está prestes a perder a propriedade por não conseguir pagar a hipoteca para o banco (nortista, claro). Jesse então entrega à viúva os 600 dólares necessários para saldar a dívida os quais são repassados ao agente do banco. Quando este parte satisfeito, Jesse o assalta e recupera o dinheiro que havia dado à mulher, fazendo caridade com dinheiro alheio mas recebendo a fama de bandido generoso. Com os dias de pobreza tendo ficado para trás, Jesse, Frank e o resto do banco passam a se vestir no rigor da moda que vem do Leste. Jesse sonha com uma vida pacata ao lado de Zee (Hope Lange) e dos filhos, mas para manter o padrão de vida que ostenta como ‘Senhor Thomas Howard’, nome fictício sob o qual esconde a verdadeira identidade, Jesse tem que prosseguir assaltando trens e bancos. Com isso vê seu nome ser conhecido nacionalmente, o que lhe dá orgulho. Frank é a consciência do irmão Jesse e quando este se envaidece de ‘ser alguém’, Frank pergunta de que vale ser alguém e ter de viver escondido.

Exemplos do perfeito uso do Cinemascope pelo cinegrafista Joseph MacDonald.

‘Eu matei Jesse James!’ - O roteiro de “Quem foi Jesse James” difere bastante do escrito para “Jesse James” e entre as sequências acrescentadas está a do batismo de Jesse e de Zee. Espalhafatosamente o Reverendo Bailey (John Carradine) mergulha as cabeças do casal agora cristão, mas o mesmo reverendo cobra a conduta de Jesse que horas após o batismo perpetra mais um assalto. Estranha ao filme de 1939 é também a presença de Tucker, bandido mulherengo e traiçoeiro que morre com o relógio de Jesse W. James e é confundido com ele pelo xerife Hillstrom (John Doucette) e os homens da Remington. E o epílogo com Robert (Robbie) Ford caminhando pelas ruas de St. Joseph alardeando sua bravura por haver matado Jesse é um grande momento do filme. Ninguém dá atenção a Robbie e todos correm em direção à casa onde Jesse James foi morto. Um trovador negro e cego cria versos cantando a tragédia e já acentuando que quem matou Jesse James (Mr. Howard) foi um covarde (coward).

Sequência em que Jesse James é baleado por Robert Ford.

Descompromisso com a história - Jesse James teve sua história contada e recontada e os fatos de sua existência são fartamente conhecidos. Daí as muitas críticas quanto à inexatidão de tantas situações mostradas pelo filme, como por exemplo a troca da Agência de Detetives Pinkerton por ‘Remington’. O próprio Allan Pinkerton, fundador da agência que levava seu nome, se empenhou pessoalmente na caça aos irmãos James. Pouco preocupado com a história e sim com a lenda que se formou em torno de seu nome, “Quem foi Jesse James” consegue mesmo é ser um ótimo western, com excelentes cenas de ação e um extraordinário trabalho de Joseph MacDonald. Esse diretor de fotografia que realizou trabalhos memoráveis em preto e branco – “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine), “Céu Amarelo” (Yellow Sky), “Pânico nas Ruas”, “Anjos do Mal” e tantos outros – revelou-se com o advento do Cinemascope um verdadeiro mestre da utilização exemplar dos espaços do novo processo. Seja nas tomadas em plano médio ou panorâmicas, os enquadramentos de MacDonald são sempre primorosos e nesse aspecto este western é magnífico.

Robert Wagner e Jeffrey Hunter; Jesse James (Wagner) e seus filhos no filme.

Robert Wagner
Sofrível elenco principal – “Quem foi Jesse James” foi filmado em 1956 e James Dean faleceu em setembro de 1955, mas especulou-se bastante que Nicholas Ray queria Dean como Jesse James. Para a Fox, que mantinha sob contrato Robert Wagner e queria fazer dele um grande astro, imaginá-lo como um novo James Dean seria uma inteligente jogada de marketing. Mas o simpático Bob Wagner, que em fevereiro último completou 85 anos de idade, teve toda uma longa carreira para provar que nunca emularia o irrequieto ator de “Vidas Amargas”. E Robert Wagner, assim como Hope Lange estão sofríveis como o casal James-Zerelda. Jeffrey Hunter está ótimo como Frank James, num elenco bastante grande em que o destaque negativo é Agnes Moorehead. A Atriz de “Soberba” parece ser incapaz de se desvincular da imagem arrogante mesmo interpretando uma sofrida camponesa. Curiosa a participação de Chubby Johnson desta vez como um intolerante defensor da União contra os confederados. John Carradine, que interpretou Bob Ford no “Jesse James” de 1939, desta vez é um reverendo, ele Carradine que nunca dispensa um traje escuro nos filmes.

O frustrado assalto ao First National Bank of Northfield; Jesse James baleado
e cercado pela cunhada e esposa (Rachel Stephens e Hope Lange).


Nicholas Ray
Os westerns de Nicholas Ray - Ray voltaria a dirigir Jeffrey Hunter em “O Rei dos Reis”, com o ator como Jesus Cristo. Jeffrey Hunter viria a sofrer um acidente cárdio-vascular em 1969 que o levou à morte aos 42 anos de idade. Tão famoso por “Johnny Guitar”, Nicholas Ray merece ser lembrado também por este irregular mas interessante e movimentado western. Ray já havia realizado o brilhante “Paixão de Bravo” (The Lusty Men) com Robert Mitchum e Susan Hayward e “Fora das Grades” (Run for Cover) com James Cagney, sendo “Quem foi Jesse James” a despedida do diretor do gênero. Uma bela despedida, por sinal.


O pôster italiano de "Quem foi Jesse James"; Bob Wagner, Hope Lange e
Jeffrey Hunter em poses para a publicidade do filme.


A cópia de "Quem foi Jesse James" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

5 comentários:

  1. Salve Darci!

    Li muito sobre esse filme há um tempo atrás quando estava pesquisando sobre JESSE JAMES para escrever uma resenha do clássico de 1939. Fiquei curioso para assisti-lo, no entanto, não o encontrei em parte alguma. Eu desconhecia esse fato, de James Dean ter sido cogitado para ser Jesse. Seria no minimo curioso vê-lo em um faroeste! Parabéns pelo ótimo post, como sempre, interessantíssimo. Abração!

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    1. Salve, Jefferson - Lembro bem que você se interessa muito por tudo que se refira a Jesse James. abraço - Darci.

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  2. Darci, gostei da resenha, se encontrar quero assistir. Como disse você, tem vários filmes com o tema, sobre a vida desses dois irmãos, mas, é bom ver outros atores realizando o sonho de ser Jesse James, no cinema. Se encontrar compro. Paulo, mineiro.

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    1. Olá, Paulo - Esse filme foi lançado em DVD no Brasil e é exibido no Canal Telecine Cult. Portanto não é difícil de ser encontrado. Abraço - Darci.

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  3. Olá, Darci! Chama a atenção o modo como a Fox utilizou descaradamente as cenas mais icônicas do clássico de Henry King (há pelo menos meia dúzia delas) para assim ajudar a remendar este desnecessário remake. Não me recordo de ter visto algo do tipo no meio cinematográfico dito Classe A (ou até Z). A começar por este "detalhe" este arremedo de filme sobre Jesse James já estava automaticamente condenado ao desprezo por público e crítica. Abração e Feliz 2019!

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