Andrew McLaglen e Wayne; abaixo Victor McLaglen com Andrew, o filho diretor. |
Em 1969 John Wayne atuou em “Bravura
Indômita” (True Grit) e conseguiu agradar ao público e à crítica que geralmente
esnobava seus filmes. O Duke ganhou até um Oscar e gerou enorme expectativa
pelo seu faroeste seguinte, “Jamais Foram Vencidos” (The Undefeated), de Andrew
V. McLaglen, que no entanto acabou frustrando a todos pois o filme não
conseguiu entusiasmar ninguém. McLaglen dirigira John Wayne em 1963 no
agradável western-comédia “Quando um Homem é Homem” (McLintock) e depois em
1968 na fraca aventura “Heróis do Inferno”. Mesmo assim John Wayne entregou ao
amigo McLaglen a direção de seu próximo filme que seria produzido pela Batjac,
produtora do Duke. Foi o próprio Andrew V. McLaglen quem apresentou Andrew J.
Fenady, autor da história a John Wayne que após ler o roteiro também escrito
por Fenady disse que não havia gostado muito da história. Michael Wayne, que participava
da reunião e conhecia bem o pai, disse a Fenady para ficar tranquilo que o
filme seria feito. “Chisum” foi o título escolhido para o novo western,
contando pela primeira vez no cinema a história de John Simpson Chisum,
lendário barão de gado do Texas. Filmado em sua maior parte em Durango, no
México, quando “Chisum” ficou pronto John Wayne declarou que aquele havia sido
o filme que ele mais havia gostado de fazer.
John Wayne; abaixo Christopher George com Forrest Tucker. |
O
fim de um poderoso homem mau - Lançado no Brasil com o título
acrescido de “Chisum – Uma Lenda Americana”, o filme tem John Chisum (John
Wayne) como um importante criador do Novo México que fornece gado para o
Exército. Chisum é amigo do também criador Henry Tunstall (Patric Knowles) e
ambos passam a ter a concorrência de Lawrence Murphy (Forrest Tucker), que está
há pouco tempo no Condado de Lincoln. Murphy aumenta rapidamente seus
interesses como empresário, passando a ser dono desde o armazém, hotel e até o
banco de Lincoln. Murphy faz uso de métodos condenáveis para expandir seu
pequeno império, contratando pistoleiros e subornando o xerife Brady (Bruce
Cabot). Henry Tunstall adota como protegido o jovem William Bonney (Geoffrey Deuel),
conhecido por ter matado 12 homens. Tunstall aposta na recuperação de Bonney,
apelidado ‘Billy the Kid’ enquanto Murphy tenciona provocar Chisum ordenando
que o xerife Brady prenda Tunstall que acaba morto por um assistente do xerife.
Inconformado Billy the Kid entra em Lincoln e mata Brady e seus dois
assistentes, decidindo voltar à vida de crimes. Murphy então consegue a nomeação,
como xerife de Lincoln, do pistoleiro de aluguel Dan Nodeen (Christopher
George). Comandando um numeroso grupo de homens, Nodeen encurrala Billy the Kid
dentro de um armazém no condado e ao tomar conhecimento disso Chisum reúne seus
cowboys e outros vaqueiros de ranchos vizinhos e parte para o confronto contra
o grupo armado de Murphy sob o comando de Dan Nodeen. Trava-se uma violenta
batalha no centro do Condado de Lincoln, conflito que termina com a morte de
Lawrence Murphy e a partida de Billy the Kid sob ordem expressa de John Chisum.
Acima, John Wayne com Ben Johnson; abaixo Wayne com John Pickard. |
Chisum,
o próprio John Wayne - Um dos episódios mais trágicos do
Oeste norte-americano foi a guerra entre criadores no Condado de Lincoln em
1878. Envolveram-se, de fato, nessa guerra John Chisum, John Tunstall (neste
filme aparece como ‘Henry’ Tustall), Lawrence Murphy, James Dolan, o xerife
William Brady, Billy the Kid e Pat Garrett, o que não significa que “Chisum”
tenha algum compromisso mais rigoroso com os fatos. A batalha do Condado de
Lincoln, ocorrida em 15 de julho de 1878 foi apenas um dos diversos conflitos
armados daquela guerra, sendo que o filme de McLaglen se fixa apenas nessa contenda
sem mesmo citar as demais. A Batalha de Lincoln durou três dias e só terminou
com a intervenção de tropas do Exército e não com a presença dos cowboys
reunidos por John Chisum. A discutida e pouco abordada pelo cinema figura de
John Simpson Chisum foi concebida para ser apropriadamente protagonizada por
John Wayne e, esquecida a falta de rigor histórico, resultou num dos melhores
personagens vividos pelo lendário ator. Chisum tem personalidade forte e se
impõe por sua própria filosofia, esgotados os demais argumentos, como quando
diz ao amigo Pepper (Ben Johnson) que preferia solucionar a guerra que se
avizinhava não politicamente, mas sim como o teria feito 30 anos atrás, ou
seja, empunhando armas. (Olha o republicano John Wayne indicando como seu país
devia se comportar no conflitos em que se envolvia). E falando de Chisum, como
se falasse do próprio Wayne, Pat Garrett (Glenn Corbett) diz: “O Sr. Chisum mudou com o tempo. Hoje
preocupa-se com as pessoas daqui e da cidade, com os índios e com o território.
Ele é independente, faz tudo à sua maneira, mas preocupa-se”.
Richard Jaeckel com Forrest Tucker; abaixo Glenn Langan com Tucker. |
Uma
história envolvente - Abordando livremente os eventos da
Lincoln County Cattle War, “Chisum” conta uma história que prende o espectador,
não se atendo simplesmente à presença do protagonista. Por sinal há momentos em
que John Chisum desaparece da história, dando lugar a tramas correlatas como o
casal McSween que escolhe a cidade para se instalar, ele advogado. Não podia
faltar Billy the Kid que, protegido pelo criador Tunstall, acaba sendo o
responsável pela eclosão do conflito maior. “Chisum” denuncia o xerife
corrupto, auxiliares que alteram cena de crime, um governador que presta
favores ao poderoso Murphy, inclusive destituindo um juiz que intenta condenar
os assassinos a mando do criador-comerciante inescrupuloso e também um Coronel
do Exército, aliciado por Murphy. Com Billy surge também Pat Garrett que com
ele trava contato e amizade (e a quem futuramente irá matar). Há ainda o
intimidador bounty hunter transformado em xerife como saída única de Murphy
para fazer frente a John Chisum que havia ameaçado enfrentá-lo ‘à sua maneira’.
O espetacular desfecho, ainda que previsível, surpreende pela excepcional
invasão de Lincoln County com Chisum, Pepper e Pat Garrett no comando.
O relógio de Chisum com a imagem do irmão e da cunhada que ele nunca esqueceu; abaixo Patric Knowles e Geoffrey Deuel. |
Stampede
no Condado de Lincoln - Usando uma expressão conhecida,
Andrew V. McLaglen ‘acertou a mão’ em cheio com “Chisum”, mesclando com rara
felicidade o tom de ação e humor, ele que chegou a ser assistente de direção do
Mestre John Ford. Neste western não há pressa em delinear os personagens
principais (que são muitos), fazendo a trama avançar lentamente até o clímax
espetacular que é a batalha travada entre as forças rivais. O cenário do
Condado de Lincoln é quase destruído com o estouro da boiada, forma única de
derrubar a barricada feita pelos homens de Lawrence Murphy. Antes disso, porém,
outras excelentes sequências são mostradas, como o encontro com o bando
liderado pelo mexicano a soldo de Murphy; e a emboscada aos carroções que
atravessavam um rio como cavalos de Tróia carregados de cowboys armados sob o
comando de Billy the Kid e de Pat Garrett. Nenhum desses momentos, no entanto,
supera a longa e brutal luta entre Chisum e Murphy. Poucas vezes se viu John
Wayne em ação de forma tão vibrante, ainda que visivelmente substituído nos
momentos mais perigosos. Lembrando o que Sam Peckinpah havia havia feito em
“The Wild Bunch” um ano antes, Chisum (devidamente dublado) a cavalo atravessa
uma vidraça para alcançar o vilão. John Wayne queixou-se que a edição cochilou
e mostra que ele havia sido substituído em mais um trabalho especial para Chuck
Roberson que desfere e recebe socos na renhida luta contra Forrest Tucker,
também dublado. Sempre importante lembrar a presença de Cliff Lyons como
coordenador das sequências de ação e orientador dos stuntmen.
Acima confronto dentro de um rio; abaixo o espetacular Stampede em Lincoln. |
Chisum e Murphy despencam do andar superior e na queda Murphy (Forrest Tucker) morre trespassado por um enorme chifre de Langhorn. |
Violenta luta a socos: saem John Wayne que dá lugar a Chuck Roberson e Forrest Tucker que é é substituído por Henry Wills; à direita Chuck Roberson em cena no filme. |
Christopher George |
Ao
estilo Clint Eastwood - Nem tudo, porém, é perfeito em
“Chisum” e entre os pontos fracos está o insípido romance entre Billy the Kid e
Sallie Chisum (Pamela McMyler), sobrinha de John Chisum. Mesmo o Billy the Kid
de Geoffrey Deuel é inconvincente em sua tentativa de refrear seu instinto
sanguinário lendo o evangelho. Falta a Deuel o necessário conflito pessoal e a
rebeldia que o cinema só encontrou em Paul Newman como ‘Billy the Kid’. E o que
dizer de Henry Tunstall achando que, sem maiores razões para isso, poderia
recuperar Billy the Kid, jovem que ele só conhecia de ouvir falar da numerosa
lista de mortes a ele atribuída. Para compensar esses pontos falhos, há o
tocante momento em que Chisum deixa entrever seu amor pela cunhada, mãe de
Sallie (a cunhada, outra vez, assim como em “Rastros de Ódio”). E as divertidas
discussões dos velhos ranzinzas (Chisum e Pepper), com claras referências aos
inesquecíveis tempos de John Ford os dirigindo nos grandes clássicos do
faroeste. Se Billy the Kid é inexpressivo apesar do esforço do ator, sobressai
Christopher George como o ‘bounty hunter’ que causa calafrios a quem lança seu
olhar penetrante e desejo de matar. Nomeado xerife, ao modo dos caçadores de
recompensa solitários, Dan Nodeen recusa tomar uísque com Murphy e seus
sequazes, respondendo no melhor estilo Clint Eastwood: “Prefiro meu próprio uísque e a minha própria companhia”.
John Wayne com cigarrilha a la Clint Eastwood e seu inseparável bracelete; Abaixo o Duke com Ben Johnson. |
Figura
épica do Velho Oeste - Protagonizando no mais amplo sentido
o histórico personagem-título, John Wayne teria mesmo de gostar do trabalho em
“Chisum” pois cercou-se de muitos amigos de tantos e tantos filmes. Lá estão,
além de Ben Johnson, Bruce Cabot, Hank Worden, Alberto Morín, Pedro Gonzalez
Gonzalez, além de Cliff Lyons e os demais dublês. Andrew V. McLaglen já tinha
amizade com o Duke desde os tempos das rodas regadas a bebida entre John Ford,
Ward Bond e Victor McLaglen, pai de Andrew. Também na equipe estava o
cinegrafista William H. Clothier, responsável pelas belíssimas imagens da
região de Durango. “Chisum” reuniu o quarteto John Wayne, John Agar, Richard Jaeckel
e Forrest Tucker, que estiveram juntos em “Iwo-Jima – O Portal da Glória”,
filme de guerra de 1949. John Wayne repete sua figura heróica vista tantas
vezes e lembrando um mais comportado ‘Rooster Cogburn’. Ben Johnson,
inicialmente escalado para ser Pat Garrett (aos 52 anos de idade Johnson estava
muito velho para interpretar Garrett, então com 28 anos quando dos
acontecimentos). Bruce Cabot bem, desta vez como xerife corrupto e Richard
Jaeckel ofuscado como homem mau pelo excelente desempenho de Christopher
George, de quem John Wayne gostava bastante. George faleceu de ataque cardíaco
aos 52 anos, em 1983. Forrest Tucker, outro veterano de tantos westerns, é
talhado para tipos tirânicos e insensíveis.
John Wayne em ação, cena imortal do cinema. |
Duke, eterno campeão de bilheteria - “Chisum” tem trilha sonora de
Dominic Frontier, acordeonista que virou compositor de trilhas musicais para
cinema e televisão. A trilha incidental é ótima, mas as canções “Turn Me
Around” e “Ballad of John Chisum”, ambas cantadas por Merle Haggard são fracas,
para dizer o mínimo. Este western de Andrew McLaglen teve muito bom desempenho
nas bilheterias, rendendo seis milhões de dólares só nos Estados Unidos e
ajudou John Wayne a reconquistar a liderança do Top-Ten Box Office em 1971
(pela última vez), à frente de Clint Eastwood, Paul Newman e Steve McQueen. Na
última década de sua longa carreira, Wayne brilhou com os excelentes westerns
“Jake, o Grandão” (Big Jake), “Os Cowboys” (The Cowboys) e “O Último
Pistoleiro” (The Shootist). A esses magníficos faroestes junta-se “Chisum, Uma
Lenda Americana”, brilhando na filmografia do célebre e inesquecível Duke
Wayne.
As pinturas de Russ Vickers utilizadas nos créditos de abertura de "Chisum". |
meu "nordestern" preferido é um que nem foi citado: Quelé do Pageú dirigido pelo grande Anselmo Duarte, na minha opinião o melhor de todos os citados.
ResponderExcluirO que tem haver com o filme acima este "nordestern" ?
ResponderExcluirExcelente resenha. Pontos forte e pontos fracos assinalados com criteriosa perspectiva. Devo acrescentar que as pinturas na apresentação são encaixadas à perfeição com a música de Dominic Frontiere. As observações de Ben Johnson a Duke tem um humor refinado. Enfim, um filme delicioso de assistir.
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