15 de fevereiro de 2016

CHISUM, UMA LENDA AMERICANA (CHISUM), GRANDE WESTERN DO GRANDE JOHN WAYNE


Andrew McLaglen e Wayne;
abaixo Victor McLaglen com
Andrew, o filho diretor.
Em 1969 John Wayne atuou em “Bravura Indômita” (True Grit) e conseguiu agradar ao público e à crítica que geralmente esnobava seus filmes. O Duke ganhou até um Oscar e gerou enorme expectativa pelo seu faroeste seguinte, “Jamais Foram Vencidos” (The Undefeated), de Andrew V. McLaglen, que no entanto acabou frustrando a todos pois o filme não conseguiu entusiasmar ninguém. McLaglen dirigira John Wayne em 1963 no agradável western-comédia “Quando um Homem é Homem” (McLintock) e depois em 1968 na fraca aventura “Heróis do Inferno”. Mesmo assim John Wayne entregou ao amigo McLaglen a direção de seu próximo filme que seria produzido pela Batjac, produtora do Duke. Foi o próprio Andrew V. McLaglen quem apresentou Andrew J. Fenady, autor da história a John Wayne que após ler o roteiro também escrito por Fenady disse que não havia gostado muito da história. Michael Wayne, que participava da reunião e conhecia bem o pai, disse a Fenady para ficar tranquilo que o filme seria feito. “Chisum” foi o título escolhido para o novo western, contando pela primeira vez no cinema a história de John Simpson Chisum, lendário barão de gado do Texas. Filmado em sua maior parte em Durango, no México, quando “Chisum” ficou pronto John Wayne declarou que aquele havia sido o filme que ele mais havia gostado de fazer.




John Wayne; abaixo Christopher
George com Forrest Tucker.
O fim de um poderoso homem mau - Lançado no Brasil com o título acrescido de “Chisum – Uma Lenda Americana”, o filme tem John Chisum (John Wayne) como um importante criador do Novo México que fornece gado para o Exército. Chisum é amigo do também criador Henry Tunstall (Patric Knowles) e ambos passam a ter a concorrência de Lawrence Murphy (Forrest Tucker), que está há pouco tempo no Condado de Lincoln. Murphy aumenta rapidamente seus interesses como empresário, passando a ser dono desde o armazém, hotel e até o banco de Lincoln. Murphy faz uso de métodos condenáveis para expandir seu pequeno império, contratando pistoleiros e subornando o xerife Brady (Bruce Cabot). Henry Tunstall adota como protegido o jovem William Bonney (Geoffrey Deuel), conhecido por ter matado 12 homens. Tunstall aposta na recuperação de Bonney, apelidado ‘Billy the Kid’ enquanto Murphy tenciona provocar Chisum ordenando que o xerife Brady prenda Tunstall que acaba morto por um assistente do xerife. Inconformado Billy the Kid entra em Lincoln e mata Brady e seus dois assistentes, decidindo voltar à vida de crimes. Murphy então consegue a nomeação, como xerife de Lincoln, do pistoleiro de aluguel Dan Nodeen (Christopher George). Comandando um numeroso grupo de homens, Nodeen encurrala Billy the Kid dentro de um armazém no condado e ao tomar conhecimento disso Chisum reúne seus cowboys e outros vaqueiros de ranchos vizinhos e parte para o confronto contra o grupo armado de Murphy sob o comando de Dan Nodeen. Trava-se uma violenta batalha no centro do Condado de Lincoln, conflito que termina com a morte de Lawrence Murphy e a partida de Billy the Kid sob ordem expressa de John Chisum.

Acima, John Wayne com Ben Johnson;
abaixo Wayne com John Pickard.
Chisum, o próprio John Wayne - Um dos episódios mais trágicos do Oeste norte-americano foi a guerra entre criadores no Condado de Lincoln em 1878. Envolveram-se, de fato, nessa guerra John Chisum, John Tunstall (neste filme aparece como ‘Henry’ Tustall), Lawrence Murphy, James Dolan, o xerife William Brady, Billy the Kid e Pat Garrett, o que não significa que “Chisum” tenha algum compromisso mais rigoroso com os fatos. A batalha do Condado de Lincoln, ocorrida em 15 de julho de 1878 foi apenas um dos diversos conflitos armados daquela guerra, sendo que o filme de McLaglen se fixa apenas nessa contenda sem mesmo citar as demais. A Batalha de Lincoln durou três dias e só terminou com a intervenção de tropas do Exército e não com a presença dos cowboys reunidos por John Chisum. A discutida e pouco abordada pelo cinema figura de John Simpson Chisum foi concebida para ser apropriadamente protagonizada por John Wayne e, esquecida a falta de rigor histórico, resultou num dos melhores personagens vividos pelo lendário ator. Chisum tem personalidade forte e se impõe por sua própria filosofia, esgotados os demais argumentos, como quando diz ao amigo Pepper (Ben Johnson) que preferia solucionar a guerra que se avizinhava não politicamente, mas sim como o teria feito 30 anos atrás, ou seja, empunhando armas. (Olha o republicano John Wayne indicando como seu país devia se comportar no conflitos em que se envolvia). E falando de Chisum, como se falasse do próprio Wayne, Pat Garrett (Glenn Corbett) diz: “O Sr. Chisum mudou com o tempo. Hoje preocupa-se com as pessoas daqui e da cidade, com os índios e com o território. Ele é independente, faz tudo à sua maneira, mas preocupa-se”.

Richard Jaeckel com Forrest Tucker;
abaixo Glenn Langan com Tucker.
Uma história envolvente - Abordando livremente os eventos da Lincoln County Cattle War, “Chisum” conta uma história que prende o espectador, não se atendo simplesmente à presença do protagonista. Por sinal há momentos em que John Chisum desaparece da história, dando lugar a tramas correlatas como o casal McSween que escolhe a cidade para se instalar, ele advogado. Não podia faltar Billy the Kid que, protegido pelo criador Tunstall, acaba sendo o responsável pela eclosão do conflito maior. “Chisum” denuncia o xerife corrupto, auxiliares que alteram cena de crime, um governador que presta favores ao poderoso Murphy, inclusive destituindo um juiz que intenta condenar os assassinos a mando do criador-comerciante inescrupuloso e também um Coronel do Exército, aliciado por Murphy. Com Billy surge também Pat Garrett que com ele trava contato e amizade (e a quem futuramente irá matar). Há ainda o intimidador bounty hunter transformado em xerife como saída única de Murphy para fazer frente a John Chisum que havia ameaçado enfrentá-lo ‘à sua maneira’. O espetacular desfecho, ainda que previsível, surpreende pela excepcional invasão de Lincoln County com Chisum, Pepper e Pat Garrett no comando.

O relógio de Chisum com a imagem do
irmão e da cunhada que ele nunca

esqueceu; abaixo Patric Knowles
e Geoffrey Deuel.
Stampede no Condado de Lincoln - Usando uma expressão conhecida, Andrew V. McLaglen ‘acertou a mão’ em cheio com “Chisum”, mesclando com rara felicidade o tom de ação e humor, ele que chegou a ser assistente de direção do Mestre John Ford. Neste western não há pressa em delinear os personagens principais (que são muitos), fazendo a trama avançar lentamente até o clímax espetacular que é a batalha travada entre as forças rivais. O cenário do Condado de Lincoln é quase destruído com o estouro da boiada, forma única de derrubar a barricada feita pelos homens de Lawrence Murphy. Antes disso, porém, outras excelentes sequências são mostradas, como o encontro com o bando liderado pelo mexicano a soldo de Murphy; e a emboscada aos carroções que atravessavam um rio como cavalos de Tróia carregados de cowboys armados sob o comando de Billy the Kid e de Pat Garrett. Nenhum desses momentos, no entanto, supera a longa e brutal luta entre Chisum e Murphy. Poucas vezes se viu John Wayne em ação de forma tão vibrante, ainda que visivelmente substituído nos momentos mais perigosos. Lembrando o que Sam Peckinpah havia havia feito em “The Wild Bunch” um ano antes, Chisum (devidamente dublado) a cavalo atravessa uma vidraça para alcançar o vilão. John Wayne queixou-se que a edição cochilou e mostra que ele havia sido substituído em mais um trabalho especial para Chuck Roberson que desfere e recebe socos na renhida luta contra Forrest Tucker, também dublado. Sempre importante lembrar a presença de Cliff Lyons como coordenador das sequências de ação e orientador dos stuntmen.
  
Acima confronto dentro de um rio; abaixo o espetacular Stampede em Lincoln.

Chisum e Murphy despencam do andar superior e na queda Murphy (Forrest
Tucker) morre trespassado por um enorme chifre de Langhorn.

Violenta luta a socos: saem John Wayne que dá lugar a Chuck Roberson e
Forrest Tucker que é é substituído por Henry Wills;
à direita Chuck Roberson em cena no filme.

Christopher George
Ao estilo Clint Eastwood - Nem tudo, porém, é perfeito em “Chisum” e entre os pontos fracos está o insípido romance entre Billy the Kid e Sallie Chisum (Pamela McMyler), sobrinha de John Chisum. Mesmo o Billy the Kid de Geoffrey Deuel é inconvincente em sua tentativa de refrear seu instinto sanguinário lendo o evangelho. Falta a Deuel o necessário conflito pessoal e a rebeldia que o cinema só encontrou em Paul Newman como ‘Billy the Kid’. E o que dizer de Henry Tunstall achando que, sem maiores razões para isso, poderia recuperar Billy the Kid, jovem que ele só conhecia de ouvir falar da numerosa lista de mortes a ele atribuída. Para compensar esses pontos falhos, há o tocante momento em que Chisum deixa entrever seu amor pela cunhada, mãe de Sallie (a cunhada, outra vez, assim como em “Rastros de Ódio”). E as divertidas discussões dos velhos ranzinzas (Chisum e Pepper), com claras referências aos inesquecíveis tempos de John Ford os dirigindo nos grandes clássicos do faroeste. Se Billy the Kid é inexpressivo apesar do esforço do ator, sobressai Christopher George como o ‘bounty hunter’ que causa calafrios a quem lança seu olhar penetrante e desejo de matar. Nomeado xerife, ao modo dos caçadores de recompensa solitários, Dan Nodeen recusa tomar uísque com Murphy e seus sequazes, respondendo no melhor estilo Clint Eastwood: “Prefiro meu próprio uísque e a minha própria companhia”.

John Wayne com cigarrilha a la Clint
Eastwood e seu inseparável bracelete;
Abaixo o Duke com Ben Johnson.
Figura épica do Velho Oeste - Protagonizando no mais amplo sentido o histórico personagem-título, John Wayne teria mesmo de gostar do trabalho em “Chisum” pois cercou-se de muitos amigos de tantos e tantos filmes. Lá estão, além de Ben Johnson, Bruce Cabot, Hank Worden, Alberto Morín, Pedro Gonzalez Gonzalez, além de Cliff Lyons e os demais dublês. Andrew V. McLaglen já tinha amizade com o Duke desde os tempos das rodas regadas a bebida entre John Ford, Ward Bond e Victor McLaglen, pai de Andrew. Também na equipe estava o cinegrafista William H. Clothier, responsável pelas belíssimas imagens da região de Durango. “Chisum” reuniu o quarteto John Wayne, John Agar, Richard Jaeckel e Forrest Tucker, que estiveram juntos em “Iwo-Jima – O Portal da Glória”, filme de guerra de 1949. John Wayne repete sua figura heróica vista tantas vezes e lembrando um mais comportado ‘Rooster Cogburn’. Ben Johnson, inicialmente escalado para ser Pat Garrett (aos 52 anos de idade Johnson estava muito velho para interpretar Garrett, então com 28 anos quando dos acontecimentos). Bruce Cabot bem, desta vez como xerife corrupto e Richard Jaeckel ofuscado como homem mau pelo excelente desempenho de Christopher George, de quem John Wayne gostava bastante. George faleceu de ataque cardíaco aos 52 anos, em 1983. Forrest Tucker, outro veterano de tantos westerns, é talhado para tipos tirânicos e insensíveis.

John Wayne em ação, cena imortal do cinema.
Duke, eterno campeão de bilheteria - “Chisum” tem trilha sonora de Dominic Frontier, acordeonista que virou compositor de trilhas musicais para cinema e televisão. A trilha incidental é ótima, mas as canções “Turn Me Around” e “Ballad of John Chisum”, ambas cantadas por Merle Haggard são fracas, para dizer o mínimo. Este western de Andrew McLaglen teve muito bom desempenho nas bilheterias, rendendo seis milhões de dólares só nos Estados Unidos e ajudou John Wayne a reconquistar a liderança do Top-Ten Box Office em 1971 (pela última vez), à frente de Clint Eastwood, Paul Newman e Steve McQueen. Na última década de sua longa carreira, Wayne brilhou com os excelentes westerns “Jake, o Grandão” (Big Jake), “Os Cowboys” (The Cowboys) e “O Último Pistoleiro” (The Shootist). A esses magníficos faroestes junta-se “Chisum, Uma Lenda Americana”, brilhando na filmografia do célebre e inesquecível Duke Wayne.


As pinturas de Russ Vickers utilizadas nos créditos de abertura de "Chisum".

3 comentários:

  1. meu "nordestern" preferido é um que nem foi citado: Quelé do Pageú dirigido pelo grande Anselmo Duarte, na minha opinião o melhor de todos os citados.

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  2. O que tem haver com o filme acima este "nordestern" ?

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  3. Excelente resenha. Pontos forte e pontos fracos assinalados com criteriosa perspectiva. Devo acrescentar que as pinturas na apresentação são encaixadas à perfeição com a música de Dominic Frontiere. As observações de Ben Johnson a Duke tem um humor refinado. Enfim, um filme delicioso de assistir.

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