Acima John Wayne e Rock Hudson em "Jamais Foram Vencidos"; abaixo Rock. |
No final dos anos 60 o mundo havia
mudado bastante. A convulsão social parisiense em maio de 1968; os três dias de
rock, drogas e sexo em Woodstock; a interminável guerra do Vietnã. O cinema refletia
essa agitação global com filmes ultraviolentos como “Bonnie & Clyde” e “Meu
Ódio Será Sua Herança” ou filmes atrevidos que tocavam em temas polêmicos como “Bob
and Carol and Ted and Alice” e “Perdidos na Noite”. John Wayne, há duas décadas
na lista dos campeões de bilheteria e um dos mais queridos atores
norte-americanos era reconhecido e temido por sua visão política retrógrada e
defensor intransigente de um discutível ideário social. Em 1969 John Wayne
filmou para a 20th Century-Fox “Jamais Foram Vencidos” (The Undefeated), tendo
como coastro Rock Hudson. Todos sabiam que Hudson era gay e tudo indicava que
para o Duke seria difícil a convivência com ele durante os dois meses de
filmagens pois John Wayne, decididamente, não gostava de gays. Para surpresa
geral ambos se deram bastante bem, respeitosamente bem, ainda que intimamente o
Duke não aceitasse a opção sexual de Hudson. Certo dia, durante as filmagens em
Sonora, no México, Rock Hudson estava diante das câmaras e John Wayne sentado
observava, tendo sua filha Aissa, então com 14 anos, a seu lado. Wayne comentou com Aissa: “Veja só o rosto de Rock Hudson. Que
desperdício um rosto desse numa bicha. Imagine, filha, o sucesso que eu faria
se tivesse um rosto igual ao dele”.
John Wayne e John Schlesinger |
Concorrência
fortíssima - Quando “Jamais Foram Vencidos” foi lançado, era dada como
certa a indicação de John Wayne para o Oscar por sua interpretação como ‘Rooster
Cogburn’ em “Bravura Indômita” (True Grit), o que de fato aconteceu. John Wayne
havia sido indicado uma única vez ao prêmio, isso em 1949, por sua atuação em
“Iwo-Jima – O portal da Glória”, tendo perdido para Broderick Crawford por seu
trabalho em “A Grande Ilusão”. 20 anos mais tarde e John Wayne teria nova
oportunidade de disputar o cobiçado prêmio máximo do cinema, ainda que suas
chances fossem, aparentemente, remotíssimas. Isto devido aos demais indicados:
Richard Burton por “Ana dos Mil Dias”, Peter O’Toole por “Adeus, Mr. Chips”,
Dustin Hoffman e John Voight ambos por “Perdidos na Noite”. Para avaliar suas
chances, John Wayne decidiu assistir aos três filmes na sala de projeção de sua
casa e considerou extraordinárias as atuações de Burton e O’Toole. Os dois
atores britânicos juntos acumulavam oito indicações até aquele ano, cinco para
Burton e três para O’Toole, o que os tornava candidatos ainda mais fortes ao
prêmio. Então John Wayne foi assistir ao filme de John Schlesinger, diretor
abertamente gay e que em “Perdidos na Noite” mostrava um jovem cowboy
recém-chegado a Nova York e que termina por se prostituir.
O Duke como Rooster Cogburn; John Voight e Dustin Hoffman à direita; Richard Burton como Henrique VIII e Peter O'Toole como Mr. Chips. |
John Wayne recebendo o Oscar pelas mãos de Barbara Streisand. |
‘O
conjunto da obra’ - John Wayne confessou que assistiu
horrorizado a “Perdidos na Noite”, não conseguindo entender como um filme como aquele obtivera o certificado (‘R’) de censura pois não deveria ser exibido em
cinema algum dos Estados Unidos. Porém se o drama de Schlesinger o impressionou
negativamente, Wayne ficou comovido e maravilhado com as interpretações de
Hoffman e Voight em “Perdidos na Noite”. Mais perdido ficou ele em relação às
probabilidades de vencer atores tão fantásticos, chegando a dizer que o prêmio
deveria ser dado a Dustin Hoffman, mas tinha certeza que Richard Burton, então
marido de Liz Taylor, seria o vencedor. Porém grande parte dos membros da
Academia, de maioria liberal, pensava diferente e resolveu que, apesar de suas posições
conservadoras e de ser politicamente um ultradireitista, chegara a vez de John
Wayne levar a estatueta para casa. Entre as hipóteses dessa escolha estavam:
tudo que Wayne havia feito em sua longa carreira pelo cinema; a injustiça
cometida com sua não premiação pela interpretação como ‘Ethan Edwards’ em
“Rastros de Ódio”; a luta contra o câncer que ele havia vencido alguns anos
antes e que emocionara todo país. Como ‘Rooster Cogburn’, John Wayne havia tido
mais uma de sua muitas boas interpretações, mas daí a vencer os demais
concorrentes, só mesmo se as referidas questões extra-“True Grit” falassem mais
alto. E como falaram! Na noite de 7 de abril de 1970, no Dorothy Chandler
Pavilion, em Los Angeles, John Wayne recebeu das mãos de Barbara Streisand o
Oscar que premiava, como se costuma dizer, “o conjunto da obra” do maior cowboy
do cinema.
John Wayne |
Idolatrado
cowboy - Dustin Hoffman ganharia, em anos posteriores, o Oscar duas
vezes e John Voight uma vez. Peter O’Toole teria de se contentar com um Oscar
Honorário recebido quando já era um velhinho e Richard Burton nem isso. Quanto a John Wayne, claro que o prêmio
ficou bem na estante de sua casa em Newport Beach, na Califórnia. Mas hoje, 46 anos
depois daquela premiação, pode-se afirmar que o Oscar quase nada acrescentou à
veneração que os cinéfilos tem por John Wayne, uma das figuras máximas do
universo cinematográfico. Com ou sem o prestigiado prêmio, o truculento, homofóbico e reacionário John Wayne
nunca deixou de morar no coração dos westernmaníacos.
Uau! Matéria sensacional Darci. Informativa e, ao mesmo tempo, isenta e carinhosa. Você descrevendo a pesssoa controversa que foi Wayne, sem firulas, mas também demonstrando o carinho que todo admirador de faroeste e cinema sente por sua persona cinematográfica, exprimiu com perfeição o sentimento de muitos fãs, como eu. Parabéns!
ResponderExcluirAbraço!
Robson
Robson, examinar a cabeça do Duke renderia muitos livros, que por sinal já foram escritos rsrsrsrs. Big Duke John Wayne. - Abraços.
ExcluirOlá, Darci!
ResponderExcluirSou suspeito para falar de "Perdidos na Noite", um dos meus 10 filmes favoritos de todos os tempos. Mas se analisarmos friamente apenas os personagens, e não os filmes como um todo, acho que a estatueta ficou em boas mãos.
Um abraço do Thomaz!
Pois é, Thomaz. O texto também diz que o Oscar ficou bem na estante de John Wayne. Abraço.
ExcluirFicaria bem em qualquer estante, especialmente na minha :-)
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