Acima os verdadeiros Frank e Jesse; abaixo Henry Fonda e Tyrone Power. |
Assim como Buffalo Bill, Kit Carson e
Wild Bill Hickok, Jesse James adquiriu notoriedade ainda em vida, fama essa que
cresceu através das décadas seguintes à sua morte. Embora sendo um autêntico
fora-da-lei, Jesse Woodson James tornou-se lendário sendo invariavelmente
lembrado como uma espécie de Robin Hood do Velho Oeste. O cinema já havia se
aproveitado algumas vezes da popularidade de Jesse James ajudando a aumentar a
lenda, coisa que jornais, revistas e livros nunca deixaram de fazer. Em 1939 a
20th Century-Fox que, nos últimos anos havia deixado de produzir faroestes
Classe A em razão da pouca receptividade que o gênero adquirira junto ao
público dos grandes centros, decidiu filmar a vida do célebre malfeitor. Darryl
F. Zanuck, o chefão do estúdio, investiu alto (perto de dois milhões de
dólares) na produção em Technicolor escalando Henry King para dirigir e Tyrone
Power para interpretar Jesse James. O jovem galã, aos 25 anos de idade era a
resposta da Fox ao ídolo Robert Taylor (da MGM), então considerado o homem mais
bonito do cinema. O elenco principal foi composto com Randolph Scott, Henry
Fonda e Nancy Kelly, todos com carreiras em ascensão, acompanhados por um
numeroso grupo de coadjuvantes. “Jesse James” caiu no agrado do público e se
tornou um dos maiores sucessos de 1939, ano até hoje considerado o mais
importante do cinema pela excelência de um grande número de filmes.
Acima Tyrone Power e Jane Darwell; Brian Donlevy; abaixo Jane Darwell e Henry Fonda. |
Pobres
contra poderosos - Nunnally Johnson escreveu o roteiro
de “Jesse James”, baseando-se em pesquisa de Rosalind Schaeffer, narrando os
fatos que tiveram início após o fim da Guerra Civil. Empreendedores vindos do
Norte traziam os avanços capitalistas para a região do Missouri, onde na zona
rural da cidade de Liberty,
vivia a viúva mãe dos irmãos Frank e Jesse James. Inescrupulosos e violentos agentes
a serviço dos donos de ferrovias compravam as pequenas fazendas a preços
escorchantes e quem se recusava a aceitar pagava com a própria vida. Os irmãos
James se revoltaram e lideraram os proprietários de terras incitando-os a não
aceitar a usurpação, o que levou ao assassinato da mãe dos James (Jane
Darwell). Jesse (Tyrone Power) vinga-se matando o agente intimidador Barshee
(Brian Donlevy), o que o leva à prisão, de onde escapa com a ajuda do irmão
Frank (Henry Fonda). A partir de então os irmãos formam um bando que passa a
assaltar trens e bancos. Mesmo procurado pela Justiça James se casa com Zerelda
(Nancy Kelly) jovem por quem Will Wright (Randolph Scott), o xerife de Liberty,
se sente também atraído. A sucessão de assaltos atribuídos à quadrilha liderada
por Jesse James faz com que a recompensa por sua captura aumente cada vez mais,
sendo que a Agência Pinkerton envia um detetive para ajudar na prisão dos
bandidos. Quando do assalto ao banco de Northfield, em Minnesota, Jesse James é
ferido e parte do seu bando é morto ou capturado. Jesse refugia-se num rancho
onde estão sua esposa e filho de cinco anos, com o bandido tencionando deixar o crime e começar nova vida na Califórnia. No entanto, Bob Ford (John
Carradine) antigo comparsa de Jesse James o visita e o mata atingindo pelas
costas para receber a recompensa oferecida.
Tyrone Power |
Bandido
idealizado - Quando “Jesse James” foi lançado, em 1939, após assistir
ao filme a senhora J Frances James, neta do célebre bandido, declarou: “A única relação com os fatos verdadeiros é
que havia uma pessoa chamada James e que ela andava a cavalo”. O roteiro de
Nunnaly Johnson não resiste a praticamente nenhuma constatação histórica dos acontecimentos
relacionados à vida de Jesse James o que pouco importou ao produtor Darryl F.
Zanuck. O que interessava ao mogul da
Fox era levar à tela uma narrativa que comovesse o público e para tanto era
necessário criar uma figura idealizada do fora-da-lei. Para isso o Jesse James
de Nunnaly Johnson surgiu como um rapaz de radiante simpatia, nobre em seus
princípios e que se revolta com razão. Com a sucessão de problemas Jesse se
torna um atormentado, antecipando os jovens que James Dean, como ninguém, viria
a caracterizar 15 anos depois. Muito bom contador de histórias, Henry King
entregou aquilo que o estúdio e as plateias daquele tempo queriam ver, público
que começava a se cansar dos vilões desalmados como James Cagney nos filmes de
gângster dos anos 30. Com seu aspecto inocente e incapaz de cometer uma
atrocidade, Tyrone Power ungiu o romanceado bandido amável, oposto ao
verdadeiro Jesse James.
O dublê Cliff Lyons sobre os vagões; abaixo Tyrone Power no saloon. |
Sequências
criativas - Com magnífico colorido a realçar a delicadeza dos traços
do novo Adônis de Hollywood e com um argumento que por vezes resvala no
sentimentalismo fácil, “Jesse James” mesmo assim é um filme agradável de ser
visto. Se faltou a King a capacidade de exteriorizar mais perfeitamente a alma
da gente simplória do interior, supera-se o diretor nas marcantes sequências de
ação. Em meio a situações previsíveis, diálogos inexpressivos e direção
acadêmica de Henry King, sobressaem sequências inusitadas que se tornariam referências
no gênero, uma delas a caminhada de Jesse James sobre os vagões do trem em
movimento. O dinheiro roubado atirado em direção aos perseguidores dos dois
irmãos a cavalo, fazendo com que a patrulha se desinteressasse da caçada à
dupla é outra. A impressionante queda de cavalo e cavaleiro, ambos despencando
do alto de uma ribanceira em um rio também. Outra sequência de enorme impacto
ocorre durante o frustrado assalto ao Northfield Bank em Minnesota, o ápice de
ação do filme, quando Jesse e Frank em fuga atravessam as vidraças de uma loja
com seus cavalos, que Nicholas Ray, Sam Peckinpah e Walter Hill reproduziram
respectivamente em “Quem Matou Jesse James” (The True Story of Jesse James), “Meu
Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch) e “Cavalgada dos Proscritos” (The Long
Riders). Há ainda um clássico duelo, entre Jesse e Barshee, dentro de um saloon
repleto de barflies estupefatos com a
audácia do mais jovem dos irmãos James. Esse confronto foi filmado com a
simplicidade dos duelos que o cinema apresentava em suas primeiras décadas,
evitando rebuscamentos.
A muito imitada sequência dos cavalos atravessando as janelas de vidro. |
Acima Randolph Scott, Nancy Kelly e Tyrone Power; abaixo Nancy e Randolph. |
Respeitoso
assedio - Entre as muitas liberdades que o roteiro teve com a
história, a mais equivocada foi a criação de uma disputa amorosa pela jovem Zee
(Zerelda), namorada de Jesse e com quem ele vem a se casar. A moça é assediada
o tempo todo pelo íntegro xerife Will Wright, homem de inesgotável compreensão
e espírito respeitoso que, mesmo preterido, continua sempre próximo a Zee sem
que isso transtorne Jesse. Fica por conta da imaginação do espectador o que
pode ter sucedido entre Wright e Zee. Ignora ainda o roteiro a passagem dos
irmãos pelo Exército Confederado durante a Guerra Civil, mas o digno Jesse tem
em seu escravo Pinky (Ernest Whitman) um amigo e fiel colaborador. Na realidade
os James possuíam nada menos que sete escravos e eram, obviamente, contra o fim
da escravidão. Com a tendência cada vez mais realista e revisionista do cinema,
despindo os personagens do Velho Oeste do glamour e virtude que eles recebiam
nos filmes, produções como “Jesse James” parecem hoje extremamente datadas.
Mais ainda a tentativa de atribuir o comportamento criminoso do bandido às
injustiças sociais que ele sofreu.
Acima Henry Hull; abaixo George Chandler. |
Pobre
tipógrafo... - Tyrone Power permanece em cena o tempo todo como o
elegante e gracioso fora-da-lei sem a necessária rudeza para um bandido,
enquanto Henry Fonda brilha nas vezes em que aparece como irmão protetor de
Jesse. Num desses momentos Frank diz: “Jesse,
ou você está ficando louco ou você é um gambá...”, com o que define a
dificuldade de se decidir do bandido. O personagem de Randolph Scott que não
participa de nenhuma sequência de ação e assim como Fonda desaparece boa parte
do filme, ele Scott desta vez como um autêntico gentleman. Nancy Kelly, a Zee,
passa o filme todo entre lamentos e ameaças de abandonar Jesse em fraca
participação, enquanto Henry Hull dá o tom excessivo como o jornalista que dita
textos enormes para o pobre tipógrafo (George Chandler) escrever na caixa de
tipos. Nem mesmo um linotipista, na fantástica máquina compositora que seria
inventada em 1886 (Jesse James foi morto em 1882) seria capaz de acompanhar a
verborragia de Henry Hull.
Charles Middleton e Randolph Scott |
Coadjuvantes
conhecidos - O elenco tem ainda Jane Darwell que seria outra vez a mãe
de Henry Fonda no magnífico “Vinhas da Ira”; Brian Donlevy à vontade como o
hipócrita e arrogante agente; John Carradine em mais um dos tipos perfeitos
para sua eterna expressão pusilânime, ao contrário de Donald Meek, frágil
demais para se impor como desalmado dono de ferrovia, ambos que no mesmo ano de
1939 viajaram na memorável diligência do clássico de John Ford. Em papéis
menores são vistos Charles Middleton (ainda nos tempos do Imperador Ming dos
seriados de Flash Gordon) e Lon Chaney Jr., como um dos membros da gang de
Jesse James. Darryl F. Zanuck demitiu Lon Chaney Jr. durante as filmagens
quando, pela segunda vez, o ator compareceu alcoolizado para o trabalho no
filme, vício do qual Chaney jamais conseguiu se livrar.
Donald Meek e John Carradine |
Mortes
de animais - Uma curiosidade é que “Jesse James” foi o responsável
pela formação da ‘Humane Society of America’, entidade que monitora o
tratamento dado aos animais nos filmes. Na queda de cavalos do penhasco foram
utilizados dois cavalos vendados e empurrados penhasco abaixo, vindo ambos a falecer
o que gerou inúmeros protestos que levaram, a partir de então, à necessidade da
unidade de monitoramento para proteção dos animais. Cliff Lyons atuou como
dublê nas sequências de perigo, substituindo tanto Tyrone Power como Henry
Fonda. Na queda do penhasco Lyons foi filmado de dois ângulos diferentes, sendo
uma tomada como Fonda, outra como Power.
A queda do despenhadeiro que custou a vida dos animais. |
Tyrone Power, Nancy Kelly e Henry Fonda |
Grande
sucesso de público - Os créditos iniciais são mostrados
ao som de uma estrepitosa marcha que, ainda bem, não mais é ouvida no
desenrolar do filme. Bastante bonita a cinematografia em Technicolor atribuída
a George Barnes e a W. Howard Greene, mostrando que o Velho Oeste era bonito
mesmo quando longe do Arizona, uma vez que as filmagens ocorreram em locações
em Pineville, no Missouri. Durante duas semanas, no mês de outubro de 1938,
Henry King esteve internado devido a uma infecção no ouvido, sendo chamado Irving
Cummings para substituí-lo, faltando maiores informações para que se saiba ao
certo quem filmou as melhores (e as mais fracas) sequências desta biografia de
Jesse James. Tão grande foi o sucesso deste filme que a 20th Century-Fox, sem
perda de tempo, no ano seguinte produziu uma continuação intitulada “A Volta de
Frank James” (The Return of Frank James), com o mesmo Henry Fonda, desta vez
sob a direção do prestigiado vienense Fritz Lang. Não um grande faroeste, mas
sim um bonito e sem dúvida importante filme do gênero, “Jesse James” agrada apesar
das restrições que merece.
Acima e abaixo pôsteres de "Jesse James" impressos e m diversos países. |
Este filme foi gentilmente cedido pelo cinéfilo e colecionador Thomaz Antônio de Freitas Dantas.
Olá, Darci!
ResponderExcluirMuito boa esta resenha do clássico Jesse James (1939), um dos meus 10 westerns favoritos.
Na verdade, a seqüência da queda dos cavalos do penhasco foi realizada com apenas 1 cavalo. A cena foi filmada com duas câmeras, uma mostra a queda com a imagem aproximada e a outra com a imagem distante. Isso fica bastante evidente se compararmos a primeira e a terceira imagem da queda que você postou aqui no blog, onde vemos tanto o cavalo como o dublê com as mesmas posições corporais nas mesmas posições do penhasco, mas filmados por câmeras distintas. Seria interessante saber de quem foi a idéia de realizar uma cena destas, sem se preocupar com a integridade física, ou mesmo a vida, do animal. Teria sido invenção de Henry King ou de Zanuck?
Assim como eu havia feito ao comentar no meu Top-Ten de Westerns, você também exaltou a cena do bandido caminhando sobre o trem em movimento, saltando pelos vagões. Sem dúvida é uma das imagens mais icônicas do gênero faroeste.
A marcha de abertura é a mesma utilizada no filme "No Velho Chicago", realizado pelo mesmo King no ano anterior, outro dos grandes westerns do diretor, um dos 9 que dirigiu. Achei o personagem de Henry Hull (O Lobisomem de Londres - 1935) bastante engraçado e característico em sua aspereza, agregou muito ao elenco. Henry King além de exímio contador de histórias, também era um mestre das seqüências de ação, o que fica claro através das presenciadas neste e em outros de seus inúmeros filmes, inclusive nos mudos. As fotos postadas na resenha ficaram muitíssimo boas, com excelente qualidade visual, assim como a do atual banner do WCM. Agradeço ao amigo por ter me mencionado no final do texto. Eu tinha esse filme em duplicata e esperei aparecer alguém que realmente merecesse um dos exemplares para eu presentear. Vi que escolhi a pessoa certa.
E quanto aos fatos verídicos sobre Jesse James confrontados com a versão romanceada do filme, acredito que este foi realizado exatamente da forma que deveria ser, tanto é que é, indiscutivelmente, a melhor dentre todas as adaptação de Jesse James no cinema. Um filme deve ser feito para entreter e sendo assim o conjunto da obra tem um resultado melhor quando a história não é retratada exatamente como ocorreu. Fiquemos mais uma vez com a velha frase do velho Ford, que qualquer fã de westerns que se preze há de se lembrar...
Um abraço!
Olá Thomaz, informações dão conta que houve a tomada de posição por parte das entidades protetoras de animais devido ao sacrifício de dois cavalos que foram vendados e empurrados e direção ao abismo. As diferentes tomadas foram citadas no texto. - Abração do Darci.
ResponderExcluirBom dia, Darci!
ResponderExcluirAcabo de rever o filme "À Borda da Morte" (The Proud Ones, 1956), de Robert D. Webb, e reconheci nele o ator Paul E. Burns, que interpretou Hank neste filme de 1939, um dos homens do bando de Jesse. No quadro com as fotos dos personagens desta resenha você se confundiu e trocou o nome dele pelo de Harold Goodwin. Um abraço!
Olá, Thomaz, de fato ocorreu um erro e o nome correto do ator é o que você mencionou. Já fiz a correção. Obrigado e um abraço.
Excluir