Phillip Yordan (acima) e Edward Dmytryk |
Phillip Yordan foi um dos mais fecundos
roteiristas de Hollywood, com nada menos que 67 trabalhos numa carreira que
durou mais de cinco décadas. Fãs de westerns lembram bem do nome de Yordan que roteirizou
clássicos como “Johnny Guitar”, “Estigma da Crueldade” (The Bravados) e
“Quadrilha Maldita” (Day of the Outlaw), além de outros faroestes de menor
expressão. E foi com um western que Phillip Yordan recebeu o Oscar de 1955 ao
escrever uma história para “A Lança Partida” (Broken Lance), exibido em 1954.
Yordan já havia roteirizado o livro “I’ll Never Go Home Again”, de Jerome
Weidman para “Sangue do meu Sangue”, excelente drama noir de 1949 estrelado por
Edward G. Robinson e Susan Hayward. Pois Yordan gostou tanto da tragédia familiar
escrita por Weidman que fez nova adaptação ambientando-a desta vez no Oeste,
alterando um pouco a trama mas mantendo o eixo da história que fala da disputa
entre pais e filhos pelo império construído pelo velho genitor. E Yordan voltaria
ao tema no ano seguinte no igualmente clássico “Um Certo Capitão Lockhart” (The
Man from Laramie), cuja história também faz lembrar “Rei Lear”, de William
Shakespeare. Em todos esses filmes, ao invés das três irmãs, são irmãos que se
desentendem com o pai e litigam pelo espólio, como em “A Lança Partida”, western dirigido por Edward
Dmytryk.
Spencer Tracy; Earl Holliman, Hugh O'Brian e Richard Widmark |
Revolta
contra um pai tirano - Matthew Devereaux (Spencer Tracy) é
o maior criador de gado de uma região situada no sudeste do Arizona. O velho
Matt ficou viúvo da primeira esposa, com quem teve os filhos Ben (Richard Widmark),
Mike (Hugh O’Brian) e Denny (Earl Holliman). Matt se casou pela segunda vez com
uma jovem índia, filha de um chefe Comanche, e com ela teve o filho Joe (Robert
Wagner). Matt trata de forma tirana os filhos do primeiro casamento, enquanto gosta
mais do filho mestiço, o que revolta os preteridos Ben, Mike e Denny. Algumas
dezenas de reses morrem envenenadas devido à água do rio que passa pela
propriedade dos Devereaux ter sido contaminada por uma mina instalada pelo
governo, rio acima. Matt e seus filhos se dirigem à mina, invadem o local
destruindo instalações. O Governo aciona Matthew que se torna réu e prestes a
ser condenado. O advogado do barão de gado propõe que Joe assuma a culpa pelo
incidente, além de pagar uma indenização pelos danos causados à mina. A trama é
aceita por Joe que é condenado a três anos de prisão, livrando assim seu pai de
iminente sentença. Enquanto Joe cumpre pena, o império Devereaux desmorona
devido a um ataque cardíaco sofrido por Matt em desavenças com seus três filhos
mais velhos. Com a morte do pai o trio se torna dono do que restou uma vez que
por ser índia a ‘Señora’ Devereaux (Katy Jurado) não pode legalmente ser
proprietária de terras. Após cumprir pena Joe retorna à casa grande da fazenda,
que está abandonada, sendo recebido por Two Moons (Eduard Franz), velho índio
capataz de Matt. Os irmãos procuram persuadir Joe a deixar o Arizona rumando
para o Oregon e para isso tentam suborná-lo com dez mil dólares. Joe não aceita
e é perseguido por Ben que tenciona matá-lo, sendo, no entanto, morto por Two
Moons, o que marca a destruição da família Devereaux.
Spencer Tracy e Katy Jurado; Robert Wagner e Jean Peters |
Preconceito
e discriminação - O prêmio Oscar de Melhor Roteiro
concedido a Phillip Yordan é uma das muitas demonstrações que a Academia de
Cinema de Hollywood nem sempre é séria. Mesmo consideradas as alterações contidas
no script de “A Lança Partida”, de autoria de Richard Wilson, o espectador fica
com a impressão de estar assistindo a uma versão de “Sangue do meu Sangue”. A
desunião familiar neste faroeste dirigido por Edward Dmytryk tem origem também
na ambição e no tratamento despótico do tirânico barão de gado. Este último
fato, porém, é justificado em parte, pela entrada na família da ‘princesa’
Comanche e do filho mestiço. Matthew Devereaux entendia que seu poder era
ilimitado, permitindo a ele não só praticar a própria justiça, como desafiar a
sociedade local casando-se com uma índia. Influente, Matt possibilita que seu
amigo Horace (E.G. Marshall) tenha bem sucedida carreira política, chegando a
Senador e a Governador. Matt exige ainda que todos chamem sua esposa de
‘Señora’ Devereaux e não vê inconveniente em Ben, seu filho mestiço, se casar
com Barbara (Jean Peters), filha do governador, o que não agrada ao político
Horace. Casamentos entre brancos e índios contrariam as normas impostas pelos
brancos dominadores, o que Matt Devereaux não leva em conta. Essas questões que
tratam de preconceito e discriminação propiciam à trama uma dramaticidade ainda
maior. O problema é que Edward Dmytrk não estava em seus melhores dias.
Philip Ober e Spencer Tracy; Russell Simpson |
Abatimento
moral - O desfecho trágico do drama familiar é previsível desde o
início do filme que é narrado em longo flashback. Dos três filhos de Matthew
Devereaux com a primeira mulher, apenas Ben tem confrontos mais intensos com o
pai, a quem questiona pela preferência pelo meio irmão mestiço. Além disso o
velho patriarca insiste em aumentar o abismo familiar com o excessivo respeito
à esposa índia, a quem chama de ‘Madame’. Trataria ele assim a finada esposa? O
velho Matt consegue criar situação insustentável agravada ainda mais porque os
filhos mais velhos há muito se tornaram adultos e a intempestiva investida
contra a mina era tudo que o trio de irmãos precisava para uma radical mudança
de cenário. A ação contra a mina resulta em processo judicial no qual mais uma
vez Matt quer fazer valer seu poder, ignorando que agora não luta contra meros
adversários, criadores pioneiros como ele. A mina é explorada pelo governo e a
Justiça pende para o lado desta. A sequência de tribunal é dos melhores momentos
do filme, com Van Cleve (Philip Ober), o arguto advogado da mina, enredando impiedosamente
o insolente barão de gado que, atônito, descobre que seu poder tem limites. Matt
se vê moralmente abatido por ser forçado a transferir a culpa de seu ato
justamente ao filho Joe, com a consequente condenação deste.
Katy Jurado grisalha; Robert Wagner e Jean Peters |
Filme
sem energia e inspiração - Mesmo
com a história de Phillip Yordan enriquecida por personagens e situações não
presentes no original, “A Lança Partida” não tem força suficiente para envolver
o espectador. O filme carece de maior intensidade dramática e mesmo uma
sequência vital como quando Matt chicoteia o filho mais velho ao tentar se
impor através da violência - e desaba
vítima de um ataque cardíaco - é gritante pela falta de inspiração. Logo em
seguida o semiinválido barão de gado parte numa tresloucada cavalgada por
caminhos escarpados para morrer de modo até tranquilo sobre o cavalo, cena
decididamente patética. O romance proibido entre o filho mestiço de Matt e a
filha do governador melhor ficaria num daqueles romances juvenis da 20th
Century-Fox, aqui certamente culpa do anódino par amoroso composto por Robert
Wagner e Jean Peters. Por outro lado, Spencer Tracy e Richard Widmark são
atores talentosos mas cujos embates neste filme não produzem a necessária e
esperada energia. Mas nenhum personagem é mais fraco que o da ‘Señora’
Devereaux, submissa ao estranhamente sempre amoroso marido e muda diante dos
conflitos que se sucedem. Após ter interpretado dois anos antes, de forma
inesquecível a sedutora e forte, ‘Helena Ramirez’ em “Matar ou Morrer” (High
Noon), eis que a esplêndida Katy Jurado vira uma índia com um fraquíssimo
desempenho, incondizente com sua capacidade interpretativa.
Spencer Tracy; Hugh O'Brian e Richard Widmark |
Spencer Tracy e Katy Jurado; Spencer Tracy. Earl Holliman e Hugh O'Brian |
Mestiço
inconvincente - Spencer Tracy é o grande nome do elenco, vivendo
personagem apropriadíssimo, no entanto, sem o costumeiro brilho. Na muito boa
sequência do tribunal, o clássico sarcasmo de Tracy é sobrepujado pela ótima
presença de Philip Ober. Esta sequência desperta a vontade de rever Spencer
Tracy em sua excepcional atuação, também dentro de um tribunal, em “O Vento
Será Sua Herança” como o advogado que defende a Teoria da Evolução das Espécies.
No elenco estão ainda Hugh O’Brian e Earl Holliman, ambos com participações
irrelevantes. Robert Wagner entra para a extensa galeria de atores (e atrizes)
que interpretam inconvincentemente mestiços, como que se o rosto escurecido
pela maquiagem pudesse operar milagres. Eduard Franz também vira índio,
completando o trio étnico de intérpretes não índios com Katy Jurado. Wagner,
apenas seis anos mais novo que a atriz mexicana passa por filho desta que, no
filme, após três anos, aparece envelhecida, enquanto esse tempo de prisão
parece ter feito bem a Robert Wagner, jovial como sempre. Spencer Tracy aos 54
anos de idade interpreta o pai de Richard Widmark, então com 40 anos. “A Lança
Partida” não poderia ter final mais indicado que Robert Wagner como filho
mestiço, renunciando à vingança contra a morte do pai e quebrando a lança, num
gesto tão simbólico quanto piegas para justificar o título do filme. Mais uma
vez vale citar “Sangue do meu Sangue”, muito mais feliz inclusive nos títulos
nacional e original (House of Strangers).
Spencer Tracy e Katy Jurado |
Desapontamento -
O canadense Edward Dmytryk ainda tentava fazer esquecer sua fama de delator
depois de seu testemunho no Comitê de Atividades Anti-Americanas criado pelo
McCarthismo quando filmou “A Lança Partida”. Diretor de excelentes dramas como
“Rancor” (1947) e “A Nave da Revolta” (1954), Dmytryk esperaria ainda cinco
anos para realizar um respeitado faroeste, o que veio a acontecer em 1959 com
“Minha Vontade é Lei” (Warlock). O eficiente Joseph MacDonald foi o responsável
pela bonita cinematografia deste western, filme que desaponta e que deixa a
impressão que poderia ter sido muito melhor.
Spencer Tracy e o pôster de "A Lança Partida" |
Nenhum comentário:
Postar um comentário