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Harriet Frank Jr. e Irving Ravetch |
Entre “Johnny Guitar” (1954) e
“Juventude Transviada” (1955), Nicholas Ray dirigiu “Fora das Grades” (Run for
Cover), um dos filmes menos lembrados de sua filmografia. Mesmo fãs de westerns
raramente citam esse faroeste estrelado por James Cagney, um dos grandes nomes
do cinema norte-americano e que entre tantos filmes famosos em gêneros
diversos, havia atuado em apenas um western que foi “A Lei do Mais Forte” (The
Oklahoma Kid), em 1939. E se em 1955 Nicholas Ray era um dos mais festejados
diretores, Cagney não ficava atrás em prestígio pois nesse mesmo ano atuou nos
sucessos “Ama-me ou Esquece-me” e “Mr. Roberts”. O excelente e de certa forma
menosprezado “Fora das Grades” pode igualmente ser considerado um ponto alto
nas carreiras de ambos. A história é de autoria de Harriet Frank Jr.-Irving
Ravetch, casal mais conhecido pelos inusitados roteiros de “Hombre” e “Os
Cowboys” (The Cowboys).
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James Cagney e John Derek |
Amizade
traída - Em “Fora das Grades” o forasteiro Matt Dow (James Cagney)
encontra o jovem Davey Bishop (John Derek) e ambos são confundidos com
assaltantes de trem. Perseguidos por uma patrulha liderada pelo xerife de
Madison (Ray Teal), Davey é ferido gravemente, enquanto Matt consegue
esclarecer o equívoco. Davey é levado para a casa do sueco Mr. Swenson (Jean Hersholt),
onde recebe tratamento e se recupera apesar de sequela em uma das pernas que faz
com que ele tenha dificuldade de se locomover. Matt e Helga, a filha de Mr.
Swenson atraem-se mutuamente e Matt é nomeado xerife da cidade, fazendo do
manco Davey seu assistente. O banco local é assaltado pelo bandido Morgan
(Ernest Borgnine) que é capturado pelo novo xerife. Pouco tempo depois o bando
comandado por Gentry (Grant Withers) pratica novo atentado ao banco, roubando
85 mil dólares e durante a ação Mr. Swenson é morto. Perseguidos por Matt e
Davey, Gentry e seus homens são encontrados chacinados, vítimas de um grupo de
Comanches. O dinheiro é recuperado mas Matt descobre que Davey está envolvido
com Morgan, que conseguira escapar, e que Davey pretende matar o amigo Matt
para se apossar do produto do roubo juntamente com o comparsa Morgan. No
confronto contra os dois, Matt leva a melhor enquanto Morgan e Davey acabam
mortos. No retorno à cidade, Matt não revela que Davey havia se tornado
cúmplice do assalto, preservando sua imagem de homem honesto. Matt e a sueca
Helga então podem finalmente ficar juntos.
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James Cagney e John Derek |
Conflito
de gerações - Em “O Crime Não Compensa” (1949) Nicholas Ray já havia
tratado da relação entre um homem mais velho e um jovem, naquele filme Humphrey
Bogart e o mesmo John Derek em um de seus primeiros trabalhos no cinema. Com “Fora
das Grades” Ray retorna ao tema, desta vez com um homem (Matt Dow) amargurado
pela perda do filho há 16 anos e que vê no jovem Davey Bishop a possibilidade
de ajudá-lo como se seu próprio filho fosse. Mais ainda por ter se sentido
responsável pelo ferimento que aleijou o rapaz. Desde os primeiros contatos Matt
Dow percebe a índole criminosa de Davey e encara isso como um desafio, disposto
a encaminhar o amigo feito há pouco. Em outras ocasiões Davey mostrará que é
incorrigível, frustrando Matt que, como faria com seu filho, perdoa e preserva
a imagem de homem íntegro de Davey. Matt resgata o produto do roubo e para os
perplexos cidadãos de Madison, incrédulos com a verdadeira proeza, joga-lhes o alforje
com o dinheiro e lhes diz: “Com os cumprimentos de Davey”, o mesmo Davey que
ele havia matado. Essa ênfase na relação paternal é apenas parte de um western
rico em sua tortuosa trama.
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Ray Teal (acima) e Jack Lambert |
Pena
injusta - “Fora das Grades” foge do lugar comum das histórias de
tantos faroestes esbarrando no tema ‘Macarthismo’ tão em voga no início dos
anos 50. Matt Dow e Davey Bishop são inicialmente confundidos com bandidos e
isso tem um preço bastante caro para ambos, especialmente para Davey. E quando
é descoberto que Matt Dow cumpriu seis anos de prisão, a explicação é que,
novamente, ele havia sido confundido com outra pessoa, pagando injustamente por
um crime que não havia cometido. No Macarthismo muitos sofreram por terem
simplesmente opinião, o que então era considerado crime. Ninguém melhor abordou
esse tema que Allan Dwan no excepcional pequeno western “Homens Indomáveis”
(Silver Lode), realizado em 1954. “Fora das Grades” resvala também no influente
“Matar ou Morrer” (High Noon), com o personagem do xerife que se vê sozinho,
abandonado por toda uma cidade, diante do dever a cumprir. E há espaço para
mostrar como se deu a formação do Velho Oeste, não só com o confronto com
foras-da-lei, mas com a presença de imigrantes, no caso pai e filha suecos.
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James Cagney e Viveca Lindfors |
Idílio
amoroso - O romance entre Helga Swenson e Matt Dow se desenvolve
com brilho raro em filmes de Nicholas Ray, nos quais predomina a dramaticidade
e nunca a ternura do amor que floresce. Ray trata o encontro, namoro e
declaração de amor entre Helga e Matt, de forma delicada e emocionante, como se
vê nos westerns de John Ford, ainda que em meio à rudeza do Velho Oeste. Menos intenso
em sua primeira metade, “Fora das Grades” ganha em ritmo na parte final jogando
exemplarmente com a expectativa do público com os improváveis rumos que o filme
segue. John Derek era uma dos mais promissores galãs dos anos 50 e o desfecho
reservado para ele é típico de Ray, para quem a tragédia está sempre à espreita
e pronta para acontecer. O final de “Fora das Grades” fica longe do ‘final
feliz’ tão comum em Hollywood, como era de se esperar de um ‘outsider’ como o
polêmico diretor.
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Viveca Lindfors |
Um western simples - “Johnny Guitar” não fez sucesso junto
ao público norte-americano, mas causou comoções em boa parte da crítica,
especialmente a francesa que viu, de pronto, aquele western como uma
obra-prima. Toda a extravagância de cores, de caracterizações e a excessiva
ornamentação de cenários de “Johnny Guitar” estão, ainda bem, ausentes em “Fora
das Grades”, um western simples se comparado com o barroquismo do filme
anterior de Ray. Simples e bonito na singeleza com que é mostrada a excepcional
beleza da paisagem que cerca a pequena cidade, filmado que foi em sua maior
parte no Colorado e ainda nas ruínas astecas no Novo México. Daniel L. Fapp,
muitas vezes indicado ao Oscar de Melhor Cinematografia (venceu, finalmente,
por “Amor, Sublime Amor”/ West Side Story), foi o diretor de fotografia deste
belo filme de Nicholas Ray. A direção de arte ficou a cargo do aclamado Henry
Bumstead, o mesmo de “Os Imperdoáveis” (Unforgiven). Mas nem tudo é perfeito
neste filme de Nicholas Ray pois, naqueles anos, já que os estúdios impunham o
modismo de uma canção cantada durante os créditos que deveria servir de preâmbulo
para o que se iria assistir. A canção “Run for Cover” é daquelas que se esquece
imediatamente após sua execução, ao contrário do filme. Sequer quem canta a
canção é mencionado nos créditos.
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James Cagney e John Derek |
A marca de Cagney - Decididamente James Cagney é, entre os
grandes atores de seu tempo, o que menos se aproximava da imagem de um cowboy, sendo
difícil para ele se despir da figura marcante do gângster impiedoso de tantos
clássicos do gênero. Ainda assim Cagney convence plenamente, embora por vezes
pareça prestes a explodir como o Cody Jarrett de “Fúria Sanguinária”. Aos 56
anos de idade Jimmy cavalga de modo esplêndido e se apaixona, como um cowboy o
faria, por Viveca Lindfors. A atriz sueca, uma das muitas cogitadas para seguir
os passos de Greta Garbo e de Ingrid Bergman, está perfeita como a madura
imigrante submissa ao pai como era o costume de seu povo. John Derek tenta
mostrar neste filme que era muito mais que somente um rosto bonito e tem
oportunidade em cenas de intensa dramaticidade, saindo-se razoavelmente bem. O
dinamarquês Jean Hersholt em sua derradeira aparição no cinema, ele que por seu
espírito generoso foi transformado em nome de prêmio pela Academia de Hollywood,
premiando aqueles que se distinguem por trabalhos humanitários, como o próprio
Hersholt fazia. Grant Withers aparece poucos minutos na tela, como chefe de
quadrilha, o suficiente, porém para que se lamente o seu suicídio aos 55 anos
de idade, colocando fim a uma vida de luta contra o alcoolismo. Ernest Bornine
repete o bandido que interpretou em tantos filmes daqueles anos, ele que
surpreendente e merecidamente ganharia o Oscar de Melhor Ator de 1956 por sua
interpretação como o tímido açougueiro Marty, no filme do mesmo nome. Ray Teal
ótimo coadjuvante como sempre e Jack Lambert desta vez não é um bandido.
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Grant Withers; Ernest Borgnine; Jean Hersholt e Viveca Lindfors |
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Nicholas Ray |
Descontando-se “Paixão de Bravo” (The
Lusty Men), mais um drama sobre rodeios que um western, “Fora das Grades” é
superior aos dois outros westerns que Nicholas Ray dirigiu. São eles o
incensado “Johnny Guitar” e “Quem Foi Jesse James” (The True Story of Jesse James),
filme renegado pelo inquieto diretor que não aceitou a edição feita pela 20th Century-Fox. “Fora das Grades” é um magnífico western,
um dos melhores daquele excelente, para o gênero, ano de 1955.
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Pôsteres de diversos países de "Fora das Grades". |
Caro Darci, só pelas maravilhosas paisagens registradas tão detalhadamente pelas lentes do VistaVision este já dera um grande passo para se tornar o melhor western de Nicholas Ray. Dane-se a crítica francesa, como eu sempre costumo dizer. Um abraço!
ResponderExcluirAssisti finalmente ontem! Excelente! Locações, fotografia, roteiro, direção, atuações, elenco (com direito ao Borgnine), trilha... tudo nos trinques!
ResponderExcluir"Não se vier pela frente"!