Stephen Forsyth e o pôster de "O Alerta Vermelho da Loucura", de Mario Bava. |
Stephen Forsyth, o ator principal de “À
Sombra de um Revólver” (All’Ombra di una Colt) é um canadense que teve passagem
rápida como ator na Europa. Forsyth, que atuou em dez filmes na Espanha e na Itália,
três deles westerns, possuía múltiplos talentos, como poeta, fotógrafo, músico,
dançarino, coreógrafo, compositor e produtor musical, sendo que logo descobriu
que fazer filmes de qualidade duvidosa não o agradava. Cedo ele deu adeus a
Cinecittà e a lugares inóspitos como Colmenar Viejo, onde foi rodada a maior
parte de “À Sombra de um Revólver” (1965) e Almería. Este western foi filmado
com pequeno orçamento e a produção que procurava alguém parecido com Clint
Eastwood contratou o quase inexperiente Stephen Forsyth que lembra mais
Gabriele Tinti. Giovanni (Gianni) Grimaldi, o diretor de “À Sombra de um Revólver” havia
escrito mais de 40 roteiros para filmes, muitos deles comédias de Totó e mais
tarde épicos da fase ‘sandália e espada’. Entre os roteiros de Grimaldi o mais apelativo
certamente é “Totó Contra Maciste”, cujo título fala por si só. Em meados da
década de 60, como fazia a quase totalidade do pessoal ligado ao cinema,
Grimaldi convergiu para o gênero western, decidindo que chegara a hora de
experimentar a direção. Ele próprio escreveu o roteiro deste pouco citado
faroeste que não chegou a fazer sombra aos extraordinários sucessos que os dois
filmes iniciais da ‘Trilogia dos Dólares’ de Sergio Leone ou "O Dólar Furado" (Un Dollaro Bucato), com Giuliano Gemma, faziam.
Stephen Forsyth com Ana Maria Polani e abaixo Conrado San Martín e Stephen Forsyth. |
Acima Conrado San Martín; abaixo Stephen Forsyth. |
Forsyth assoviando para o cavalo. |
Um
invencível herói - A originalidade do roteiro de
Giovanni Grimaldi se esgota com a diferença entre os dois companheiros pois o
filme já se inicia com um episódio inspirado no bando de Calvero em “Sete
Homens e um Destino” (The Magnificent Seven). A sequência de placas no comércio
local indicando Jackson & Burns serem os donos da cidade é outra
demonstração que situações comuns a tantos e tantos westerns virão a seguir. O desejo de mudar de vida foi um argumento
usado á exaustão em westerns norte-americanos. Há ainda o indestrutível herói Steve
Blane sobrevivendo a atentados e surras diversos e quando necessário mostrando
uma perícia rara, disparando seu Colt tanto para a frente quanto matando
adversários que estão às suas costas. E até seu cavalo, relembrando as
montarias dos mocinhos dos antigos westerns ‘B’ sabe se fingir de morto e
atende ao assovio do dono. Vale lembrar que ‘Steve’ era o recorrente nome do
personagem da série ‘Durango Kid’. O espectador adquire a certeza que o
destemido Steve a todos vencerá e eis que o final reserva uma surpresa: a surra
que seu sogro lhe aplica, à qual ele não reage por julgar-se merecedor da punição e porque
o prêmio representado por Susan vale à pena. E são justamente os lugares comuns
que tornam este western leve e agradável. E isso é resultado da opção de
Grimaldi por se afastar do estilo que já em 1965 dominava o subgênero que viria
a ser cunhado de ‘spaghetti’ e ter uma proximidade maior com o western de
Hollywood.
Stephen Forsyth como se fosse um mocinho dos westerns 'B' de Hollywood. |
Conrado San Martín e Stephen Forsyth (acima). |
Frases
patéticas - “À Sombra de um Revólver” tem dois momentos brilhantes: a
sequência em que Duke e Steve enfrentam Ramirez e seu bando e o tiroteio na rua
principal da cidade dominada por Jackson & Burns. Para um diretor estreante
em westerns, até que Giovanni Grimaldi se sai bastante bem nessas sequências de
ação, ele que curiosamente só voltaria ao gênero em tom de comédia com a dupla
Franco Franchi-Ciccio Ingrassia. Otimamente coreografado, o referido showdown
peca apenas pelo excesso de homens caindo dos telhados. “À Sombra de um
Revólver” é prejudicado pela mão do próprio Grimaldi em cujo roteiro ‘reluzem’
frases como esta: “Darei a ele um belo
funeral, digno das primeiras e últimas lágrimas da minha filha”, frase dita por
Duke falando de Steve. Fica a dúvida se este não é um daqueles dramas filmados
por Emílio Fernandez em Churubusco... Ou ainda quando o mesmo Duke filosofa: “Um pistoleiro já é um velho aos 20 anos; já
pode ser colocado numa cova de cemitério”. Ao ver Steve atirar
certeiramente sem olhar para trás, um trio de mexicanos exclama pateticamente: “Aquele gringo atira bem...”. Como
diretor de atores Grimaldi também deixa a desejar pois poucos no elenco escapam
de interpretações estereotipadas quando não risíveis de tão amadoras.
Franco Lantieri e Franco Ressel; a mão de madeira do vilão; Franco Ressel e a cena de sua morte; |
Elenco
regular - Stephen Forsyth enveredou equivocadamente pela profissão
de ator, ainda que esteja no mesmo nível de tantos outros anti-heróis dos
westerns spaghetti. Artista multimídia, Forsyth desenvolveu brilhante carreira
e certamente gostaria que seu passado como ator fosse esquecido. O canadense
chegou a atuar sob a direção de Valério Zurlini em “Sentado à Sua Direita”, contracenou
com Norma Bengell em “O Homem de Toledo” e estrelou o terror-cult “O Alerta
Vermelho da Loucura”, de Mario Bava, após o que abandonou a carreira de ator em
1970. Os espanhóis Conrado San Martín e José ‘Pepe’ Calvo são os destaques do
elenco, Conrado por sua forte expressividade dramática, e Calvo excelente como o
xerife que se vê privado de sua autoridade como homem da lei. Uma pena que a
participação de Aldo Sambrell, se resuma a poucos minutos na tela, ele que
representaria maior ameaça junto ao grupo de bandidos escalados. Franco Ressel e Franco
Lantieri deram o perfeito padrão de canastrice à dupla de bandidos que
interpretaram. Interessante o bandido com mão de madeira como um Dr.
Strangelove do Velho Oeste que numa gag própria de comédias debochadas termina
levando um tiro na mão boa. Melhor que eles é Andrea Scotti como o guarda-costas
da dupla de bandidos. A bela alemã Helga Liné é a oportunista Fabienne,
enquanto Anna Maria Polani é fraquíssima como Susan. Eugenio Galadini é o pouco
engraçado ‘old-timer’ Buck, personagem que nunca falta nos westerns spaghetti.
José 'Pepe' Calvo - Aldo Sambrell - Helga Liné - Stephen Forsyth |
A
melancólica trilha musical - Nico Fidenco, cantor que fez enorme
sucesso no início dos anos 60, passou a ser um dos mais requisitados
compositores de trilhas musicais para filmes, muitos deles westerns spaghetti.
O tema principal que Fidenco compôs para “À Sombra de um Revólver” e que ilustra
praticamente todo o filme é belíssimo, triste e pungente, remetendo mesmo aos
primeiros acordes de um de seus maiores sucessos como cantor que foi “A Casa
d’Irene”. Tem-se a impressão, a todo momento, que Fidenco vai cantar os
conhecidos versos “...Giorni senza domani
e el desiderio di te...”. O tema de abertura não foge da influência de
Ennio Morricone, com direito ao clássico assovio e podem ser ouvidos os versos na voz de Nico Fidenco neste endereço https://www.youtube.com/watch?v=CEUIVIikzW.
Na versão que circula no Brasil dublada em Inglês a voz não é de Fidenco. “À
Sombra de um Revólver” certamente não agradará aos fãs do estilo atrevido,
impetuoso e muitas vezes tosco dos westerns spaghetti, uma vez que este filme
de Giovanni Grimaldi tem mais influência de Budd Boetticher que do então já muito
influente Sergio Leone. É um faroeste menor se comparado aos grandes filmes de
Leone e Corbucci, mas um bom western que merece ser assistido.
A cópia de “À Sombra de um Revólver”
foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Thomaz Antônio de Freitas
Dantas
Olá, Darci!
ResponderExcluirAntes de mais nada, lhe agradeço por mencionar-me no final do teu completíssimo texto. Obrigado! Se cada filme que eu te enviasse rendesse uma resenha como esta, minha ida aos Correios seria muito mais freqüente rs... Mas é você quem possui um acervo cinematográfico maior.
Quanto ao filme, realmente os diálogos deixam a desejar às vezes. Mas o conjunto da obra me agradou bastante, especialmente a trilha sonora e os enquadramentos nas cenas finais de ação que também são muito boas. Nunca tinha ouvido falar de Stephen Forsyth. Mesmo pesquisando na internet foi difícil saber algo sobre ele, até que me deparei com esta postagem. Também gostei bastante da atuação de José Calvo como xerife.
Minha conclusão sobre "À Sombra de um Revólver" é que trata-se do típico filme que vamos assistir sem esperarmos muita coisa e acaba por nos render uma agradabilíssima surpresa. A fita abre em uma seqüência estilizada com uma variedade incrível de pinturas entre os créditos, belíssima trilha sonora incluindo backing vocals femininos angelicais, imponentes estalos de guitarra, assovios que lembram Morricone e uma voz grave que surge em espaços misturando palavras de amor pela vida e amargura, preparando o terreno para um intrigante e único western. Roteiro simples mas interessante, cenas de ação bem coordenadas e surpreendentes (sem o típico exagero de tantos spaghettis), engenhoso trabalho de câmera que explora ao máximo o formato widescreen, assim como a riquíssima música de Nico Fidenco, orquestrada por Willy Brezza, presente em toda parte. Tais características conferem uma aura grandiosa ao filme, o que me faz pensar que teve seus tempos de glória, mas atualmente anda esquecido. Não há momentos vagos. Quem gosta de cinema bem feito não pode perder, especialmente os fãs do gênero!
Um abraço!
Revisto ontem este excelente spaghetti a la Budd Boetticher. Faltam 2.204 para 1.000.000.
ResponderExcluirEu gostaria de saber o nome da música que Nico Fidenco canta na abertura do filme 1 dólar para matar (aqui no Brasil, Bandidos)
ResponderExcluirhttps://youtu.be/8qebNUu-Gqw
ExcluirA TRILHA SONORA DE FIDENCO É UMA DAS MAIS BELAS DO CICLO.
ResponderExcluirPrezado Darci estou de volta. Parabéns para esta resenha feita na medida. É realmente um spaghetti que bebe mais na fonte do clássicos americanos tanto na narrativa, quanto na parte formal, o que é percebido nos enquadramentos. Está realmente mais para Boetticher. Muito poucos zoons e big closes. O tempero spaghetti está na trilha musical e nos estampidos. E realmente tem qualidades e defeitos como as desastradas e até desnecessárias frases citadas por você.
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