Fred Kennedy |
Fred Kennedy era stuntman, dublando
atores em cenas de perigo. Iniciou sua carreira nessa profissão aos 29 anos no
clássico de Michael Curtiz “As Aventuras de Robin Hood”, em 1938. Fred
encontrou-se com John Wayne pela primeira vez em “Rio Vermelho” (Red River) e
foi o Duke quem o apresentou a John Ford. Fred Kennedy era atarracado nos seus
1,75m de altura e o irascível diretor com sua habitual e ferina franqueza disse
que ele era baixo demais para dublar seus atores pois quase todos esbarravam
nos 1,90m. Alguns, como o próprio Wayne, passavam dessa altura. Mas como Fred
arriscava-se corajosamente, especialmente nas perfeitas quedas de cavalo,
acabou aceito por John Ford, juntando-se a Cliff Lyons, Frank McGrath, Fred
Graham, Chuck Hayward como parte da Ford Stock Company na seção dos stuntmen.
Chuck Roberson só viria a fazer parte dessa equipe a partir de 1956,
tornando-se o dublê quase oficial de John Wayne pelas duas décadas seguintes.
Antes de Roberson, coube a Fred Graham dublar John Wayne dezenas de vezes.
Claude Jarman Jr. e Fred Kennedy em cena de "Rio Grande", com John Wayne e Victor McLaglen. |
Presença
constante nos westerns de Ford - O primeiro filme de Fred Kennedy sob
a direção de John Ford foi “Legião Invencível” (She Wore a Yellow Ribbon),
vindo a seguir “Caravana de Bravos” (Wagon Master), “Rio Grande” (Rio Bravo),
“Depois do Vendaval” (The Quiet Man) e “Rastros de Ódio” (The Searchers). Os
dublês recebiam por dia de trabalho quando eram contratados para os filmes, mas
além da diária recebiam também por cena arriscada, como as quedas de cavalos. John
Ford gostava de aproveitar os dublês em pequenos papéis, o que fazia com que
eles fossem enquadrados também como atores, passando a receber adicionalmente o
pagamento mínimo estipulado pelo Screen Actors Guild, o sindicato da categoria.
Em “Rio Grande” Fred Kennedy teve uma participação maior como ator
interpretando o Soldado Heinze, aquele mal-encarado que provoca e trava luta a
socos contra Claude Jarman Jr.
Chuck Hayward com John Wayne. |
Favor
especial do diretor - Em outubro de 1958 John Ford deu
início às filmagens de “Marcha de Heróis” (The Horse Soldiers) e convocou o
grupo de stuntmen que o acompanhava normalmente. Os dois ‘Freds’ (Graham e
Kennedy) não faziam parte da lista pois a idade começava a pesar para ambos. Pesado
e mais lento, Graham estava com 49 anos e Kennedy com 48 também não mostrava
mais a antiga forma. Como eram amigos de John Ford e membros da Ford Stock
Company, foram contratados somente como atores para pequenos papéis. Próximo de
finalizar as sequências de ação com filmagens em Homochitto River, no
Mississipi, Ford foi procurado por Kennedy que lhe pediu para atuar como dublê.
Kennedy disse ao diretor que o Natal se aproximava e ele ficaria muito
agradecido se pudesse receber uns dólares a mais resultantes de trabalho como
dublê em algumas quedas de cavalo. Havia uma sequência em que William Holden é
jogado fora de sua montaria e Ford, para atender ao amigo Fred, arriscou
deixá-lo dublar Holden. Ford tinha à mão, entre outros, Chuck Hayward, que
passa quase o filme todo em cima de um cavalo, estando em excepcional forma
física, como se vê quando adentra a cavalo o saloon em Newton, sendo derrubado
do animal pelo Coronel Marlowe (John Wayne) irritado e inconformado com a
atitude do Capitão interpretado por Chuck Hayward.
Fred Kennedy com John Wayne. |
Morte
em cena - O dia 5 de dezembro constava na programação de filmagem
como o momento da queda de William Holden que seria então dublado por Fred
Kennedy. Este se apresentou e galopou até provocar a queda do cavalo, truque
relativamente simples e que pode ser visto inúmeras vezes em “Marcha de Heróis”
e em centenas de outros filmes. Ford orientou Kennedy para que após a queda ele
permanecesse no chão até que a atriz Constance Towers se aproximasse dele, esperando
o diretor gritar ‘Corta!’, Kennedy se
levantaria e Bill Holden tomaria seu lugar no chão. Com a câmara filmando, Fred
Kennedy cai do cavalo, Constance Towers corre até ele e antes que fosse ouvido
o grito ‘Corta!’, foi a atriz quem
gritou angustiada, levantando-se e afastando-se horrorizada. Constance
percebera que Fred Kennedy estava imóvel, com os olhos arregalados e o pescoço
aparentemente quebrado, o que foi confirmado pelo médico presente para desespero
de todos na locação, especialmente de John Ford. As filmagens foram suspensas
naquele dia, sendo retomadas no dia seguinte.
John Wayne |
Estranha
displicência - John Ford não havia gostado nada do roteiro de “Marcha de
Heróis”, duvidando que ele pudesse resultar em um bom filme. Ford chegou a
dizer que, para dar certo, aquele western deveria ser realizado em... Lourdes.
Ford referia-se ao santuário localizado na pequena cidade francesa de Lourdes,
onde, numa gruta, a menina Bernadette Soubirous afirmou ter visto uma aparição
de Nossa Senhora. Ford estava necessitado de dinheiro e aceitou dirigir esse western
que lhe renderia o salário de 350 mil dólares mais uma porcentagem sobre os
lucros que o filme viesse a dar. Nem o fato de estar cercado pelos amigos
Wayne, Hoot Gibson, Ken Curtis (genro de Ford), Hank Worden, Jack Pennick, Willis
Bouchey, Anna Lee, Danny Borzage, Stan Jones, Cliff Lyons, Chuck Hayward e os ‘Freds’
Graham e Kennedy melhoraram o humor do diretor que se mostrava displicente e
desinteressado como nunca se vira antes. Mesmo assim, depois de dois meses de
filmagens, “Marcha de Heróis” encaminhava-se para o final.
À esquerda Hank Worden, Ken Curtis e Fred Graham; à direita Constance Towers, Judson Pratt e Frd Kennedy. |
John Wayne e Constance Towers |
Final
alterado pela amargura - John Ford sentiu-se o responsável
pela morte de Fred Kennedy e seu normalmente irritadiço temperamento somente
piorou, acrescentando-se ainda uma apatia que só não contaminou os demais
atores e técnicos porque souberam compreender a angústia que atormentava o
diretor. Wayne, Holden e Constance, o trio central de atores, praticamente
passou a se autodirigir diante da falta de interesse de Ford. Para complicar
ainda mais a situação, Ford decidiu alterar o final, que previa o retorno
triunfal do destacamento sob as ordens do Coronel Marlowe após a arriscada
missão no Sul. A desolação de John Ford fez com que o final de “Marcha de
Heróis” fosse amargo, com o personagem de William Holden tornando-se
prisioneiro dos confederados e os personagens de Constance Towers e John Wayne
separando-se apesar de unidos pelo amor que se revelara entre ambos. Por sorte,
a maior parte das filmagens já havia sido realizada e Ford realizara algumas
sequências com sua inconfundível marca, o que fez com que o filme, mesmo sem se
equiparar às tantas obras-primas resultasse excelente. Para John Ford, no
entanto, “Marcha de Heróis” seria lembrado, para sempre, como o filme em que
morreu Fred Kennedy.
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